A palavra milagre se tornou tão lugar comum na linguagem atual que é frequentemente usada para algo tão corriqueiro quanto a boa sorte individual. O dicionário online Merriam Webster define um milagre como "um evento extraordinário manifestando a intervenção divina em questões humanas". O Dicionário Baker da Bíblia define um milagre como "um evento no mundo externo ocorrido pela agência imediata ou volição de Deus."
Ao longo da história a noção ou crença de que a oração e/ou as ministrações de um curador podem curar doenças tem sido comum. Essas recuperações milagrosas são então atribuídas a uma miríade de técnicas comumente classificadas como cura pela fé ou milagres de cura. O termo cura pela fé é mais conhecido do Cristianismo. Entretanto, é usado em várias outras religiões, incluindo nova era e crenças pagãs. Por exemplo, o Budismo tibetano sempre conheceu e aceitou as curas pela fé. A prática de imposição das mãos não é feita somente por monges budistas, mas também por mágicos e médiuns. Em religiões baseadas em magia ou crenças pagãs o uso de encantamentos e poções para cura requer fé no praticante e nos deuses e deusas invocados.
De acordo com a maioria das denominações cristãs o termo cura pela fé ou milagres de cura se refere à cura que ocorre de maneira sobrenatural, como resultado de intervenção divina ou oração, ao invés do cuidado médico convencional. A pesquisa médica e científica tem demonstrado que o comprometimento religioso auxilia na prevenção e tratamento de desordens emocionais, doenças e ferimentos e melhora a recuperação.[1] Em resumo, pessoas com uma fé religiosa às vezes se curam mais rápido do que aqueles que não têm nenhuma fé. Isso é usualmente atribuído a uma atitude otimista e esperança no futuro. Entretanto, alguns segmentos da sociedade de hoje rejeitam qualquer atenção médica e esperam ser curados apenas pela virtude de sua fé. Essa é uma noção rejeitada pelo Islã.
Em conformidade com a abordagem holística do Islã em relação à saúde, não há contradição em buscar a cura por meios médicos e espirituais. O profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, disse: "Não há doença que Deus Todo-Poderoso tenha criado para o qual Ele também não tenha criado sua cura."[2] Também é bem conhecido que durante a Idade das Trevas o mundo muçulmano manteve vivas as antigas tradições gregas de medicina, as traduziu para o árabe e as aperfeiçoou.
O Islã olha para os milagres de maneira muito diferente. Define um milagre como um ato ou evento extraordinário que é contrário às leis da natureza e só pode ocorrer por meio de intervenção direta do próprio Deus Todo-Poderoso. Além disso, um milagre só pode ser realizado pelos profetas de Deus. Assim, um evento causado por uma pessoa religiosa e virtuosa não é classificado como milagre, mas, de acordo com o Islã, é um evento conhecido como karamah. Aqui vemos que pelo cômputo do Islã, a cura pela fé se enquadraria perfeitamente na categoria de karamahs. Entretanto, nosso propósito aqui não é julgar as crenças cristãs por um critério islâmico e sim examinar a cura pela fé e descobrir sob quais circunstâncias e para qual propósito esses eventos ocorrem.
As raízes do movimento cristão de cura pela fé são claramente bíblicas. De acordo com Joe Nickel: "No Cristianismo, Jesus se tornou uma fonte de poder restaurador, trazendo um ministério de cura e efetuando curas milagrosas da mente e do corpo onde quer que fosse". Os evangelhos cristãos registram mais de quarenta atos de cura pela fé de Jesus e seus discípulos.
Um dos relatos mais conhecidos de cura pela fé na igreja católica são os milagres atribuídos à intercessão da aparição da Virgem Maria, conhecida como Nossa Senhora de Lurdes, na gruta de Lurdes, na França. A igreja católica deu reconhecimento oficial a 67 milagres desde que a Virgem Maria supostamente apareceu pela primeira vez em Lurdes, em fevereiro de 1858.
Os ministérios de cura pela fé na América do Norte enviam a seus seguidores uma mensagem não realista de que se você estiver doente ou for pobre, é porque não tem fé suficiente. Em relação a esse conceito, Justin Peters, um ministro evangélico de 37 anos que sofre de paralisia cerebral que lidera os ministérios Justin Peters, disse: "Dois dos desejos humanos mais básicos são ser saudável e ser curado" e "Se você acredita que Deus pode curá-lo somente se tiver fé suficiente, o fardo é seu. Se não for curado, então o que acontece? Em quem porá a culpa? Certamente, não em Deus. Assim, além da aflição, há o peso de achar que sua fé é muito fraca." Peters monitora os ensinamentos dos ministros do evangelho da prosperidade como Benny Hinn, Kenneth Copland e outros líderes que pregam fortuna e saúde como sinal de fé.
Em seu artigo de 2003 sobre os "Modern American Faith Healers" (Modernos curadores pela fé americanos), Catie Caldwell descreveu um movimento que tem como objetivo impressionar e maravilhar um povo oprimido por testes e tribulações da vida do século 21. O conforto e alívio que deve vir da fé em Deus e Sua misericórdia é relegado a um milagre pessoal concedido somente para aqueles considerados merecedores, via exame humano do seu nível de fé. Ela diz: "Esses líderes religiosos carismáticos tem um grande número de seguidores e são centrados ao redor de indivíduos muito poderosos e ricos, que alegam ter poder especial e unção de Deus para curar qualquer aflição. Esses líderes viajam pelo país atraindo centenas, até milhares, para seus eventos de renascimento. As pessoas vão em massa para esses eventos em busca de cura e libertação de seus males visíveis e invisíveis. A atmosfera nesses eventos é extremamente emocional e os participantes alegam que o "espírito de Deus" está presente e os curando ativamente. A representação de denominacional nesses eventos e entre os líderes é diversificada. É um momento muito interdenominacional."[3]
Embora o Islã reconheça os poderes curativos do Alcorão e da oração, não há dúvida de que o mundo do século 21 está mais povoado do que nunca com aqueles que alegam serem capazes de produzir milagres e curas milagrosas. Uma pessoa deve se assegurar de onde coloca sua confiança. Há muitas pessoas clamando ter poderes de cura cujas intenções e métodos estão longe de serem puros e o pior é que muitos são totalmente maus.
Um crente é encorajado a colocar sua total confiança em Deus. Entretanto, isso não nega os efeitos de cura da medicina. Deus tem poder sobre todas as coisas e, portanto, precisamos colocar nossa confiança Nele, desenvolver uma relação duradoura com Seu livro de orientação - o Alcorão, seguir os ensinamentos autênticos do profeta Muhammad e buscar uma cura, qualquer que seja ela. Como crentes somos capazes de usar as ferramentas e métodos fornecidos a nós por Deus e o profeta Muhammad para separar a verdade da falsidade. Aqueles que caem nas mãos dos ministérios de cura milagrosa podem não saber como identificar as ilusões. Assim, na parte 2 discutiremos como esses milagres ocorrem, o objetivo daqueles que os realizam e quaisquer mentiras e engodos encontrados nos ministérios de cura atuais.
Parece que no século 21, para muitos de nós - o século desperdiçado, somos assolados com testes e tribulações como nunca antes, os pobres estão mais pobres, os doentes mais doentes, doenças nos atacam quando menos esperamos e nossos sistemas imunológicos são levados ao ponto de ruptura. Também, mais do que nunca as pessoas têm acesso aos milagres de cura pela fé. Os cristãos não precisam mais buscar ministérios em tendas itinerantes. Hoje em dia é apenas uma questão de ligar a TV ou dirigir por uma curta distância. Existe até um ministério drive-thru, o que significa que você nunca tem que sair do seu carro! Mas essas curas estão repletas de mentiras e engodo? Vamos dar uma olhada nos ministérios de cura atuais. Embora curas pela fé ocorram em muitas religiões e em muitas partes do mundo, a maior parte de nossa discussão focará na cura pela fé cristã na América do século 21.
Catie Caldwell, autora de "Modern American Faith Healers" M(odernos curadores pela fé americanos), resume a premissa dos ministérios de cura pela fé quando a descreve como um sistema que "tenta fundir dois campos: o religioso e o científico. Essa fusão usa forças sobrenaturais para produzir um resultado natural e físico. A cura pela fé é um movimento carismático que alega que o "espírito de Deus" está presente e movendo de forma ativa o cenário que criam. Os participantes alegam executar ou experimentar "milagres dos dias modernos" equivalentes àqueles realizados por Jesus e seus discípulos nos escritos do Novo Testamento."
Como muçulmanos estamos confortáveis com o fato de Jesus ter realizado milagres, como um resultado direito de e pela permissão de Deus. Entretanto, nossa fé nos diz que esses milagres não podem ser reproduzidos hoje. Deus não nos envia mais profetas porque o profeta Muhammad é o profeta final que Deus enviou. Não é dizer que Deus não realize milagres. Muitos de nós consideramos que até o sol nascer todos os dias é um milagre. E qualquer um que tenha dado a luz ou presenciado um parto sabe que testemunharam um milagre em andamento. Agora, na segunda década do século 21, encontramos o mundo cristão, principalmente o meio-oeste americano, povoado com homens que estão no negócio da cura. Eles alegam o que denominam poderes "especiais" dados por Deus para curar os doentes e ganhar muito dinheiro.
Em 2008, quando o pastor Benny Hinn visitou a Austrália para três shows, em 28 horas ele retornou para a América US$ 800.000,00 mais rico. Depois de deixar a Austrália viajou para a Nova Zelândia a bordo de seu jatinho de US$ 36 milhões como parte de uma turnê mundial de 27 paradas, com expectativa de gerar mais de US$ 10 milhões. Um ex-ortodoxo palestino, Hinn tem provocado muita controvérsia por afirmações e comentários teológicos que têm feito durante suas aparições na TV. Em 1999 Hinn alegou que Deus tinha dado a ele uma visão prevendo a ressurreição de milhares de mortos depois de assistirem seu show. Ele também é notável por profecias erradas relacionadas ao fim dos dias. Em abril de 2001 a HBO transmitiu um documentário intitulado A Question of Miracles (Uma questão de milagres, em português) que focava em Hinn e o diretor do filme disse: "Se eu tivesse visto milagres (do ministério de Hinn), ficaria feliz em alardear...mas em retrospecto, acho que causam mais mal ao Cristianismo do que o ateu mais dedicado."[1]
Claro, os curadores pela fé vão de artistas trapaceiros e cínicos a crentes bem intencionados que se auto iludiram. Entretanto, a virada do século gerou celebridades de cura pela fé que podem atrair uma quantidade enorme de seguidores. Nesses renascimentos a cura não é um processo, é um incidente instantâneo. Em uma cerimônia típica de cura pela fé, o curador impõe suas mãos sobre o doente e ordena que seja curado. O indivíduo "curado" é então apresentado à audiência como prova de um milagre.
O surdo repentinamente pode ouvir, o cego pode ver, o manco pode andar e as aflições desaparecem. Os corpos são transformados sem qualquer tipo de tratamento médico. Os resultados negativos são sempre explicados atribuindo-os a defeitos pessoais. Quando as curas pela fé foram meticulosamente investigadas por pessoas qualificadas, jamais foi encontrada nenhuma evidência de cura. Até na gruta de Lurdes na França, onde pessoas doentes são curadas milagrosamente pela água, a igreja católica só reconheceu 4 curas desde 1978 em mais de 5 milhões de pessoas que buscam a cura lá todos os anos. A ciência médica unanimemente desacredita todas as curas desse tipo[2]. Entretanto, a ciência médica reconhece que as pessoas com fé religiosa com frequência se curam mais rápido do que as que não a têm. Isso normalmente é atribuído a uma atitude geral de esperança e otimismo. Então você pode se perguntar: qual é o perigo? De acordo com várias fontes os perigos são muitos.
São usadas muitas táticas para enganar as pessoas crédulas, incluindo membros falsos na audiência e informação fornecida por meio de fones de ouvido. Algumas pessoas realmente parecem curadas, mas suas doenças eram de fato psicossomáticas e os encontros de cura carregados emocionalmente são o lugar perfeito para curar doenças que são de origem psicológica e não física. Além disso muitas pessoas são pegas na euforia do momento e de fato se sentem melhor. Isso é particularmente verdade em condições cujo maior sintoma é a dor. Outras condições se curam naturalmente, independente de a pessoa frequentar ou não um evento de cura.
Por outro lado, o que acontece com os que participam de ministérios de cura cheios de esperança apenas para saírem sem terem sido curados? Pessoas são magoadas, física e emocionalmente. Houve casos em que pessoas pararam de tomar as medicações necessárias, em sério detrimento de sua saúde. O efeito de não ser curado pode ser decepcionante e os curadores como Hinn têm desviado as críticas culpando os doentes por não ter fé suficiente.
Em seu website a Sociedade Americana de Câncer afirma que "Pessoas que buscam ajuda por meio da cura pela fé e não são curadas podem ter sentimentos de desesperança, fracasso, culpa, inutilidade e depressão. Em alguns grupos pode-se dizer à pessoa que sua fé não foi forte o suficiente. O curador e outros podem responsabilizar a pessoa pelo fracasso de sua cura. Isso pode alienar e desencorajar a pessoa, que continuará doente."
Como muçulmanos, crentes somente no poder absoluto e imutável de Deus, pode parecer extraordinário que pessoas no mundo cristão possam acreditar nesses homens arrogantes e focados no dinheiro. Entretanto, a experiência cristã nos alerta que a crença em qualquer coisa exceto o poder de Deus é inútil e perigoso. É um aviso para aqueles de nós que se apoiam em amuletos, talismãs ou rituais estranhos para a cura de doenças. Deus não quer que deixemos as doenças e ferimentos sem tratamento, nem quer que paguemos a pessoas inescrupulosas por poções mágicas e palavras envenenadas.
Crer e se submeter à vontade de Deus é a parte mais essencial do bom cuidado médico. As palavras e recitação do Alcorão podem curar corações e mentes e também superar a doença e ferimentos. Entretanto, a confiança completa em Deus não nega os efeitos curativos da ciência médica, desde que os usemos somente de maneira lícita. O Profeta disse: "Não há doença que Deus Todo-Poderoso tenha criado para o qual Ele também não tenha criado sua cura."