―Não há nada que aflija o crente com pesar, tristeza ou fadiga, mesmo a partir de uma preocupação com que ele se ocupe, que Allah não expie, por causa disso, alguns de seus pecados.‖28
E, como se isso não fosse suficiente, a religião ensina que boas ações são compensadas na escala de dez a setecentas vezes mais que o valor da boa ação, a critério de Allah Altíssimo, de acordo com o hadith,
―... Aquele que intenciona uma boa ação e não a realiza, Allah registra como uma boa ação realizada, mas se ele teve a intenção e realizou, Allah registra de dez ações a setecentas vezes, ou ainda mais vezes.*‖29
Isso não significa, contudo, que o muçulmano deva procurar provas e tribulações, ou tornar a vida difícil para si mesmo. Não há monacato no Islam e os muçulmanos são incentivados a facilitarem suas vidas. Felizmente, as obrigações religiosas mínimas são facilmente satisfeitas. Se o muçulmano se sente incapaz de cumprir um ou mais dentre os pilares do Islam, isso geralmente reflete falha em reconhecer a dispensa que poderia ser aplicada, ao invés de uma inflexibilidade na religião. O Islam simplesmente não é tão rígido e inflexível. Por exemplo, quando for necessário, pode-se rezar sentado ou mesmo deitado. A pessoa que é incapaz de jejuar no Ramadan pode compensar os dias perdidos mais tarde, ou pode compensar alimentando os pobres. O homem ou a mulher fisicamente incapaz de realizar o hajj pode contratar alguém para ir em seu lugar. Assim, os muçulmanos que se consideram incapazes de satisfazer um ou mais pilares do Islam normalmente
27 Bukhari (5317), Muslim (2572)
28 Tirmidhi (966)
29 Bukhari (6126), Muslim (206) * Por uma questão de aperfeiçoamento, bem como ilustração da Misericórdia e Justiça de Allah Altíssimo, o hadith continua: ―Mas se ele intenciona uma má ação e não a realiza, Allah registra como uma boa ação realizada, porém se ele intenciona e realiza, Allah registra como uma má ação.‖
não conseguem entender as flexibilidades da prática islâmica, que pode acomodar todas as circunstâncias da condição humana.
Este é um ponto importante, pois muitos novos muçulmanos tentam implementar o Islam em suas vidas de forma demasiado rígida, às vezes, com tal zelo e rigidez, que provocam o resultado previsível de oprimir a si mesmo e alienar os outros. Três palavras – não faça isso. O Mensageiro de Allah, Muhammad صلى الله عليه وسلم, ensinou: ―Em verdade, esta religião é uma das facilidades, e ninguém dificultará a si mesmo com o din (religião), a não ser que se sobrecarregue. Portanto, tomem as medidas adequadas, ajam, sejam otimistas, e procurem ajuda através da oração na manhã e tarde, bem como um pouco durante a noite.‖30 Além disso, Muhammad صلى الله عليه وسلم transmitiu (repetindo o ensinamento três vezes para dar ênfase): ―Em verdade, os extremistas serão destruídos.‖31
O novo muçulmano, então, precisa implementar o Islam em sua totalidade, mas com cuidado, e aplicar aos poucos as práticas secundárias da religião. Se eu pudesse recomendar algumas coisas a fazer e não fazer, seriam as seguintes:
1) Evite os extremos. Concentre-se em aprender os fundamentos da religião, e foque na aprendizagem das formas alternativas aceitáveis de fazer as coisas quando necessário. Saiba mais sobre dispensas e condições de acesso a estas32, como indicado acima, a flexibilidade do Islam é uma bênção. E não seja rígido e inflexível, seja com você ou com outros, pois se for, mais cedo ou mais tarde, algo se romperá. No que diz respeito a nós mesmos, Muhammad صلى الله عليه وسلم advertiu os muçulmanos, ―Tomem um caminho moderado, pois, quem tenta se sobrecarregar na religião, será derrotado.‖33 Outra narração relata, ―Esta religião é fácil, e quem tentar se sobrecarregar na religião será derrotado. Sê moderado e tenta aperfeiçoar a tua ação tanto quanto fores capaz...‖34 Em relação ao nosso tratamento para com os outros, até mesmo Muhammad صلى الله عليه وسلم foi aconselhado por Allah sobre isto, ―E, por uma misericórdia de Allah, tu, Muhammad, te tornaste dócil para eles. E, se houvesses sido ríspido e duro de coração, eles se haveriam debandado de teu redor. Então, indulta-os
30 Bukhari (31)
31 Muslim (2670)
32 Ver Reliance of the Traveler, por Nuh Ha Mim Keller, Amana Publications, seção c6.2-6.5 e w.14
33 Ahmad (4/422)
34 Bukhari (39), An-Nisa'i (8/121)
e implora perdão para eles e consulta-os sobre a decisão.‖ (TSA 3:159).
2) Procure o caminho do meio em todas as coisas. O Islam é a religião do caminho mediano. Se procurar, até mesmo ordens duras e aparentemente intransigentes podem ser entendidas como sendo o caminho do meio entre extremos ainda piores.
3) Adote a modéstia e humildade, e aprenda o adab (modos) do Islam o mais cedo possível – não só para o seu próprio bem, mas também para o bem dos familiares, amigos e colegas de trabalho. Os irmãos e irmãs no Islam podem desculpar os erros iniciais na religião e nos modos, mas amigos e familiares provavelmente não. Eles provavelmente o observarão desde o primeiro dia, e a melhor impressão será transmitida através dos melhores modos. Salientando a importância deste ponto, Muhammad صلى الله عليه وسلم transmitiu, ―Não fui enviado, a não ser para aperfeiçoar os modos.‖35
4) Pelo menos no começo, não discuta. Os novos convertidos geralmente não têm as ferramentas intelectuais para o debate religioso, e serviria melhor à causa da dawa islâmica não falar sobre isso, mas sim, passar aos outros alguns dos mesmos livros, literatura ou áudios que inicialmente balançaram seu próprio coração e mente. Além disso, seja paciente, dê um bom exemplo, e apresente o Islam da melhor maneira.
5) Esteja perto da mesquita e da comunidade islâmica. A força e os conselhos dos irmãos e irmãs na fé podem provar-se inestimáveis e apoiadores. Por outro lado, os incrédulos dentre amigos e família, com frequência, tentam tirar a pessoa do Islam, e podem enfraquecer a determinação de tal pessoa. Não comprometa a sua religião por ninguém, pois fazer isso constituiria kufr (descrença).
6) Se enfraquecido no imaan (fé), como ocorre a muitos convertidos, por vezes, volte sempre à shahada e pergunte a si mesmo se crê que não há nada digno de ser adorado senão Allah e que Muhammad صلى الله عليه وسلم foi Seu último mensageiro. Se assim for, confie em sua fé, porque Allah é suficiente aos crentes, e n‘Ele todos os crentes depositam sua confiança.
35 Ahmad (8939), Bukhari em Al-Adab Al-Mufrad (273), Malik (1609).
7) Acostume-se gradativamente às práticas subsidiárias do Islam, como as orações e o jejum sunna. Estes atos de adoração adicionais protegem o crente da incredulidade, pois todas as pessoas passam por flutuações no imaan, e quando ocorre uma baixa, aqueles que vêm praticando as orações e jejuns voluntários podem perder um ou mais destes, mas inshallah não perderão os atos de adoração obrigatórios. Por outro lado, aqueles que realizam apenas o mínimo, não têm nada a abandonar, exceto o obrigatório, e se eles o fizerem em um momento de fraqueza, comprometem os atos obrigatórios de adoração. Como disse um professor: ―Se abandonas a sunna (atos de adoração voluntários), eventualmente, abandonarás o fard (atos obrigatórios).‖
8) Mantenha-se próximo aos muçulmanos sunitas, também conhecidos como os Ahlus-Sunnah wal Jamah (ou seja, o grupo de pessoas que segue a Sunnah). Como citado acima, Muhammad صلى الله عليه وسلم transmitiu o ensinamento de que, ―Haverá sempre um grupo da minha ummah (isto é, nação) abertamente na Verdade até o Dia do Juízo.‖36 E quem é a ummah na Verdade? Quando fizeram esta pergunta, uma longa lista de alguns dos maiores estudiosos do Islam (incluindo Imam Ahmad, Imam Bukhari, Ali Ibn Al-Madini [o maior estudioso dos defeitos de hadith], Yahya Ibn Ma'in [o maior estudioso de classificação dos narradores de hadith], Ibn Al-Mubarak, Sufyan At-Thauri, e muitos outros) responderam que a ummah na Verdade refere-se aos seguidores de hadith. Em outras palavras, aqueles entre Ahlus-Sunnah wal Jamah. Um hadith de apoio é aquele em que foi registrado que Muhammad صلى الله عليه وسلم ensinou, ―Em verdade, aqueles dentre vós que viverem [longamente] verão grande controvérsia, então deveis manter a minha sunna* e a sunna dos califas bem-guiados [Rashidin**] – agarrai-vos a ela teimosamente. Cuidado com os assuntos recém-inventados, pois cada assunto inventado é uma inovação e toda inovação é um desvio.‖37
9) Aprenda a ler o Alcorão em árabe. Mesmo faltando o entendimento do árabe, simplesmente recitar o Alcorão pode ser uma fonte de conforto, paz e satisfação.
36 Bukhari (3441), Muslim (156), Abu Dawud (4252), Tirmidhi (2229) * Significando as palavras, ações, autorizações implícitas, e a aparência do Profeta como transmitida através de ahadith. ** Este é o título dos quatro primeiros califas islâmicos (ou seja, Abu Bakr, Umar, Uthman e Ali).
37 Tirmidhi (2676)
10) Aprenda árabe. Como o Alcorão e Hadith são a porta de entrada para o Islam, o árabe é a porta de entrada para a apreciação e compreensão do Alcorão e Hadith.
11) Explore o mundo muçulmano, quando possível. Caso a oportunidade esteja disponível, explore seriamente a possibilidade de fazer hijra (emigração) para uma das terras dos muçulmanos. No entanto, tal emigração não deve ser tomada inconsequentemente, pois muitos convertidos ocidentais decepcionaram-se severamente com as deficiências da vida e religião em países muçulmanos. Considere este passo cuidadosamente, e comece com visitas in loco, se possível. E lembre-se que, assim como a maioria dos muçulmanos étnicos estão longe de ser santos, as terras muçulmanas estão igualmente longe de ser islâmicas. Ainda assim, estas são as terras de nossos irmãos e irmãs na fé, e a compensação de viver entre eles e contribuir para a suas sociedades, em geral, justifica quaisquer dificuldades. E em qualquer caso, a vida de um muçulmano, com ou sem hijra, nunca estará livre de provações.
12) Procure uma maneira em que se possa melhor servir a Allah. Viver a vida como um muçulmano sem um objetivo ou propósito além de cumprir as cinco orações e jejum do Ramadan pode ser um plano de existência superficial e decepcionante. Muitos muçulmanos aspiram uma realização maior, e quando encontram o seu nicho dentro da religião começam a experimentar a verdadeira riqueza da fé. Uma pessoa poderia estudar, outra poderia convidar ao Islam, outra poderia juntar-se a programas sociais ou dedicar tempo à comunidade. O que quer que uma pessoa escolha fazer, saiba que qualquer esforço por Allah traz ambas as recompensas, imediatas e futuras, e pode ser o verdadeiro cimento que completa e veda a sua fé.
4) O Ihsaan (Consciência de Allah)
Do Hadith de Gabriel, como citado no capítulo 2 acima, nós viemos a aprender os significados de Islam, Imaan, e Ihsaan. Aqueles que leram Desviados? e Guiados? podem ter notado que a estrutura óssea desses livros foi baseada nos seis fundamentos da fé islâmica, como definidos por esse hadith (ou seja, crença em Allah, nos anjos, nos livros revelados, nos Seus mensageiros, no Dia do Juízo, e no Decreto Divino). Essa estrutura foi intencional, dado que a conclusão do hadith de Gabriel foi que o anjo da revelação, Gabriel, tinha sido enviado para ensinar os elementos críticos da religião islâmica. Que melhor modelo a seguir, então, no ensino da religião?
O Islam foi discutido em Desviados? e Guiados?, e os elementos do Imaan, sendo os pilares da fé, foram brevemente comentados no capítulo 2 deste presente livro. Isto deixa a discussão do Ihsaan para completar os ensinamentos do hadith de Gabriel.
Ihsaan, como menciona o hadith, é, ―...que adores Allah como se O visses, e ainda que não O vejas, [sabes que] Ele te vê‖. Ihsaan é ter consciência de Deus em todas as coisas e a todo o tempo. A perfeição do Ihsaan leva à perfeição da religião e da adoração, porque a pessoa de Ihsaan está bem consciente de que todo o pensamento, palavra e ação dele ou dela é conhecido por Allah e registrado. Assim, a pessoa de Ihsaan nunca vai comprometer as obrigações da religião, dado que mesmo quando sozinha, no que se refere a outros humanos, a pessoa de Ihsaan está consciente tanto dos anjos registradores quanto da onisciência de Allah.
Então, como as pessoas desenvolvem e aperfeiçoam o seu Ihsaan? A consciência de Deus cresce com a certeza da fé, que, por sua vez, deriva do ensino religioso em combinação com uma experiência temporal e espiritual. E é aqui que as coisas se complicam.
O valor da educação religiosa é óbvio; a experiência mundana da vivência na religião é esperada. Mas e a experiência espiritual? É aqui que muitos muçulmanos perdem o freio. O que nos leva a uma discussão sobre o Sufismo.
5) O Sufismo
O Sufismo pode ser um assunto confuso para um novo convertido. Iniciantes no Islam comumente investigam uma grande variedade de grupos, sendo os sufis imediatamente um dos mais simpáticos e atraentes, em parte devido à sua grande hospitalidade e calorosa e acolhedora personalidade, mas principalmente devido à cômoda flexibilidade com a qual executam (e alguns grupos têm ido tão longe que têm, realmente, modificado) sua religião. Além disso, muitas pessoas parecem ter quase uma predileção inata pelos caminhos que concentram os seus ensinamentos e aspirações sobre a espiritualidade.
Fato é que qualquer um que segue a verdade de Allah é obrigado a experimentar a espiritualidade em algum nível, pois aqueles que se esforçam em satisfazer Allah legitimamente esperam que Allah forneça compreensão e discernimento para Seus sinceros servos. Dois ahadith ensinam,
Allah, o Altíssimo, disse: ―Quem demonstrar inimizade com um amigo Meu, declararei guerra contra ele. Meu servo (ou seja, o muçulmano crente) não se aproxima de Mim com nada mais amado por Mim do que os deveres religiosos que tenho imposto sobre ele, e meu servo continua se aproximando de Mim com atos superrogatórios, portanto Eu o amarei. Então, quando Eu o amo, sou sua audição com a qual ele ouve, sua visão com a qual ele vê, e sua mão com a qual ele segura, e seu pé com o qual ele caminha. Se pedir [algo] de Mim, certamente darei a ele, e se Me pedir o refúgio, eu certamente lhe concederei isso.‖38
E,
Allah, o Poderoso e Exaltado, disse: ―Estou com o meu servo quando ele se recorda de Mim. Se ele se lembra de Mim, então Eu também me lembro dele. Se ele se lembra de Mim em grupo, então, Eu me lembro dele em um grupo ainda melhor. Se ele se aproxima de Mim em um palmo, então Eu Me aproximo dele em uma braça. Se ele se aproxima de Mim em uma braça, Eu Me aproximo dele na distância dos braços estendidos. Se ele caminha em minha direção, Eu corro na direção dele.‖39
A partir desses ensinamentos, os muçulmanos entendem que quanto mais se esforçam em satisfazer Allah, maior a recompensa e proximidade a Allah. Assim, quando uma pessoa se compromete com os ensinamentos de Allah,
38 Bukhari (6137)
39 Bukhari (6970), Muslim (2675), Ahmad (7416), Ibn Majah (3792, 3822)
suas ações podem ser recompensadas em mais de uma esfera.40 Ambos períodos, de facilidade ou tribulação, devem ser encontrados nesta vida mundana, mas ambas as condições parecem ser acompanhadas de uma elevada consciência espiritual nesses muçulmanos, confirmada na certeza de, e compromisso com, a sua fé.
A diferença entre os muçulmanos que não são sufis e os sufis, neste respeito, parece ser quanto à orientação. Não-sufis tendem a concentrar os seus esforços em aprender a crença (aquidah), as leis (fiqh), o comportamento (adab), e os limites práticos da religião islâmica, de modo a garantir a exatidão da crença e prática. Estes muçulmanos vivem sua religião ao máximo, buscando o prazer e a recompensa de Allah Altíssimo, temendo Sua punição, e simplesmente por amor a Ele. Uma maior consciência espiritual pode ocorrer como consequência, mas não é o objetivo em si. Em vez disso, o foco é diretamente centrado na retidão da aquidah (crença), ibada (adoração) e prática, pois estes incorrem na satisfação de Allah e trazem a salvação. Na falta de retidão da aquidah, ibada e prática, nenhum aprofundamento de misticismo trará salvação. Então, muçulmanos não-sufis simplesmente se comprometem com a religião, estudam-na e praticam-na de acordo com as mais respeitadas das fontes (quer dizer: Alcorão, Sunnah, e sua interpretação pelos sábios respeitados). Por esta via, a alma é purificada, com a elevação da espiritualidade sendo uma consequência previsível, embora não fosse o objetivo principal.
Sufis, por outro lado, parecem frequentemente distraídos do estudo e prática dos princípios do Islam devido aos seus esforços para alcançar maiores experiências místicas e elevações espirituais. Aqueles que se concentram principalmente no misticismo são propensos a sacrificar a retidão crítica da aquidah e a prática correta dos pilares do Islam, comumente resultando no comprometimento, e muitas vezes até mesmo na anulação, de seu pertencimento ao Islam. Finalmente, muitos sufis (se não a maioria ou mesmo todos) tendem à inovação na religião. Lembrando o princípio geral de que cada ato de adoração é proibido, exceto o que foi prescrito, pode-se entender por que Ibn Massud (um dos maiores sahaba) advertiu:
―Sigam, não inovem, pois, em verdade, foi-vos dado algo [isto é, a religião do Islam] que é suficiente.‖41
e
40 Isto não quer dizer, como muitos judeus e cristãos dizem, que a recompensa de uma pessoa piedosa será, necessariamente, encontrada na vida presente. Allah pode optar por testar o piedoso com dificuldades nesta vida temporária, reservando a recompensa para o pós morte. Assim, os profetas e muitos dos favoritos de Allah viveram vidas difíceis nesta existência temporária, mas receberam as maiores recompensas do Paraíso na próxima vida.
41 Darami (205)
―A moderação em seguir a Sunna é melhor do que o esforço na prática da bida (isto é, a inovação).‖42
Ibn Umar (outro famoso sahabi) é registrado como tendo reforçado este ensinamento com, ―Toda inovação é um extravio, mesmo que as pessoas a vejam como algo bom.‖43
Uma longa história, mas muito ilustrativa, pode ajudar a resumir o anterior. Nesta tradição, é relatado que Abu Musa Al-Ashari disse a Ibn Massud,
―Por certo, eu vi na mesquita um grupo de pessoas sentadas em círculos à espera da oração. Em cada círculo, havia um líder e em cada grupo havia seixos e este líder lhes dizia: ―Digam ‗Allahu Akbar’ (isto é, Allah é o Maior) 100 vezes‖, então, eles diziam ―Allahu Akbar‖ 100 vezes (usando os seixos para contar); e ele lhes dizia: ―Digam ‗La ilaha il Allah’ (isto é, não há nenhum deus digno de adoração, exceto Allah) 100 vezes‖, e assim eles diziam “La ilaha il Allah‖ 100 vezes (usando os seixos para contar); e dizia-lhes: ―Digam 'Subhanallah' (isto é, Glória a Allah) 100 vezes‖, e assim eles diziam ―Subhanallah‖ 100 vezes (usando as pedras para contar). Então, Ibn Massud respondeu a Abu Musa, ―Você não lhes ordenou a contar seus pecados e a garantir que nenhuma de suas boas ações fosse perdida?‖ Então, ele (Ibn Massud) veio e pôs-se ao lado de um desses círculos e disse: ―O que é isso que eu vos vejo fazer?‖ Eles responderam: ―Ah, pai de Abdur-Rahman, seixos – nós contamos com eles o nosso takbir (Allahu Akbar), o nosso tahlil (La ilaha il Allah), o nosso tasbih (Subhanallah) e o nosso tahmid (Al hamdulillah [isto é, todos os louvores a Allah]).‖ Ele respondeu: ―Contem os vossos pecados. Eu garanto-vos que nenhuma das suas boas ações estarão perdidas. Ai de vós, ó nação de Muhammad صلى الله عليه وسلم, quão rápida é a vossa destruição! Os companheiros do profeta são abundantes, e as roupas dele ainda não secaram e seus utensílios não foram quebrados.* Por Ele em Cujas Mãos está minha alma (isto é, Allah), em verdade vós estais em uma orientação melhor do que a orientação de Muhammad ** ou vós estais abrindo a porta da desorientação (ou seja, Bida - inovação na religião).‖ Eles responderam: ―Por Allah, ó pai de Abdur-Rahman, nós queríamos apenas o que é bom.‖
42 Bayhaqi (4522), Darami (223)
43 Allalaka‘i, I’tiqad Ahlus-Sunnah Wal Jamah (126)
Ibn Massud respondeu: ―E quantos têm boa intenção, mas não acertam o alvo (isto é, não o alcançam).‖ Em seguida, ele disse que, ―O Profeta صلى الله عليه وسلم nos disse que ‗Um grupo (de minha ummah) vai ler o Alcorão e este não passará de suas gargantas (o que significa que não entrará em seus corações)‘. E, por Allah, eu não sei, mas pode ser que muitos de vós sejam desse grupo.‖ E então ele os deixou. Um dos transmissores do presente hadith disse: ―Encontrámos muitas daquelas pessoas que estavam nesses círculos lutando contra nós no dia de An-Nahrawan junto com os Khawaraj (a batalha em que Ali ibn Talib, o quarto califa, liderou os muçulmanos contra os Khawaraj, o primeiro grupo de muçulmanos desviados, de cujas fileiras alguns daqueles descritos anteriormente haviam ingressado).44
A partir desta narração, ficamos sabendo que os sintomas do desvio, às vezes, podem ser muito pequenos, mas as consequências, trágicas. E para quê? Para tentar fazer algo que se crê bom, mas, no entanto, ‗erra-se o alvo‘? A importância de aderir à sunnah é enfatizada, pois, como foi registrado o ensinamento de Muhammad صلى الله عليه وسلم: ―Não há nada que nos aproxime do Paraíso e nos distancie do Fogo que não vos tenha sido revelado.‖45 E, apesar disto, os sufis tendem a buscar caminhos e meios para aumentar sua adoração, arriscando transgredir os limites estabelecidos por Allah, o Altíssimo, e mais frequentemente do que nunca, cair na inovação.
Talvez uma nota histórica de rodapé deva ser revista neste momento. A origem deste termo ‗sufi‘ não é terrivelmente importante, pois a palavra ‗sufi‘ é desprovida de menção, quer no Alcorão ou na Sunnah, e portanto, tal rótulo abre a porta para o sectarismo, que Allah condena (ver TSA 6:159 e 42:13). Ao mesmo tempo, o termo ‗sufi‘ parece ter-se enraizado na prática dos primeiros ascetas que vestiam lã, que é conhecida como ‗suf‘ em árabe. Estes primeiros ascetas haviam renunciado os prazeres deste mundo, na medida em que foram forçados a usar lã por causa da pobreza – um material pouco popular, irritante e desesperadamente quente para o calor severo do Médio Oriente (ao contrário de seus contrapartes cristãos, que usavam camisas de crina de cavalo por convicção que o sofrimento mundano equipara-se à penitência, os sufis do Islam eram simplesmente pobres demais para pagarem algo mais adequado ao ambiente, além da lã). Alguns podem ficar impressionados com tais indicadores de rigor e devoção, mas outros
* Quer dizer que Muhammad صلى الله عليه وسلم havia morrido recentemente. ** Desta forma, ele zomba deles com sarcasmo. 44 Darami (204)
45 Tabarani, Al-Kabir (1647)
observam que o Islam não é uma religião de ascetismo, pois a pobreza autoinfligida e o sofrimento não são impostos nem tolerados se puderem ser evitados. Por uma questão de fato, os muçulmanos são encorajados a serem produtivos e ganharem a vida. Muhammad صلى الله عليه وسلم ensinou: ―Em verdade, o melhor com que te tens alimentado são os teus ganhos‖.46 Quando perguntado qual o tipo de rendimento é o mais virtuoso, o mensageiro de Allah صلى الله عليه وسلم respondeu: ―O trabalho de um homem a partir de suas próprias mãos, e cada venda honesta‖.47 Além disso, foi registrado que Abu ad-Dardaa comentou, ―A melhoria do modo de vida de alguém vem da melhoria do seu din, e a melhoria do seu din vem da melhoria do seu intelecto‖.48
Seja como for, os sufis vieram a ser associados ao ascetismo e espiritualismo, e, com o tempo, os sufis proeminentes passaram a ser considerados como santos pelos leigos que formaram seus grupos de seguidores. Cada um desses grupos, eventualmente, se tornou conhecido como uma tariqa sufi, ou caminho, no qual seriam formalizados ensinamentos espirituais específicos. As Tariqas variam muito e não é possível pintar todas as tariqas com o mesmo pincel – a aquidah, ibada e práticas sufis variam muito de um grupo para outro, cobrindo uma faixa que vai do correto à bida (inovação), e ainda até o kufr (descrença). Por um lado, uma pequena minoria de sufis é completamente ortodoxa. No entanto, a situação mais comum é aquela em que os sufis comprometem as leis do Islam em prol das suas crenças e práticas aberrantes.
A falha do Sufismo reside na transição do Sufismo do passado para o Sufismo do presente. Os sufis originalmente podem ter sido muçulmanos piedosos que estavam sujeitos à pobreza e privação devido ao enfoque de seus esforços na adoração, abandonando todas as outras atividades, incluindo a de melhorar sua posição mundana ou, a esse respeito, até mesmo a de ganhar o sustento da vida. Durante um breve período de tempo, no entanto, tariqas desviadas se formaram, sejam orientadas em torno dos ensinamentos peculiares de um igualmente peculiar, embora carismático, líder, ou posteriormente divergentes aos ensinamentos tradicionais no âmbito das pressões do desvio.
Assim, aqueles que aderem às tariqas comprometem-se em um caminho perigoso, no qual poucas são as tariqas islamicamente seguras, na época atual, e das quais poucos adeptos retornam à retidão. No entanto, o canto da sereia do misticismo e espiritualidade prova-se irresistível para muitos que, não enraizados no fiqh protetor do Islam, podem ser facilmente desviados e
46 Tirmidhi (1358), Ibn Majah (2290).
47 Bayhaqi (10177).
48 Jami 'Bayan al Ilm.
enganados - um fenômeno que é uma tendência comum às três religiões: Judaísmo, Cristianismo e Islam.
Em todas as três religiões, aqueles que buscam caminhos espirituais em primazia à adesão ao rigor da lei tendem a se desviar, pois são mais atraídos aos ensinamentos espirituais de ‗santos‘ e líderes carismáticos do que ao caminho reto do desígnio de Allah, como transmitido através de Sua revelação e através do exemplos dos profetas. Dentro da religião islâmica, tais adeptos tipicamente se enquadram em um de dois campos; o primeiro é o dos seguidores desviados, cuja ignorância é traída pela falta de conhecimento dos ensinamentos islâmicos básicos (e protetores); o segundo campo de adeptos, paradoxalmente, é surpreendentemente bem educado em princípios e ciências islâmicas, e pode até ser considerado erudito em certos campos de estudo. Frequentemente, esses indivíduos praticam o Islam com um rigor impressionante, tomando o caminho mais difícil e cauteloso em todas as coisas da religião, com exceção do Sufismo, é claro. Curiosamente, além dos misticismos do Sufismo, a disciplina em que estes sufis acadêmicos tendem a relaxar mais os seus exigentes padrões é no campo mais crítico da aquidah. Eles podem ser estudiosos em fiqh, e ainda aderir a ameaças de salvação de desvios na crença.
Toda uma série de desvios tem resultado, os mais perigosos envolvem shirk ou kufr. Algumas tariqas têm elevado o estatuto de Muhammad صلى الله عليه وسلم além de sua humanidade terrena, outras têm deificado seus shaikhs. Menos grave, mas ainda de grande preocupação, é o relaxamento das normas islâmicas no interesse de uma maior permissividade, muitas vezes sob o disfarce de modernização.
E nada disso deve ser surpresa. A história da religião expõe a tendência do homem de desviar das leis de Allah para caminhos de maior permissividade, especialmente quando esses caminhos são embelezados por alegações de exclusividade espiritual. Assim como as leis rigorosas e exigentes do judaísmo ortodoxo deram lugar ao misticismo brando da Reforma do Judaísmo, o Cristianismo sofreu uma transformação das leis de origem unitária do Antigo Testamento para o misticismo indulgente dos gnósticos, dos quais os cristãos trinitários formam um subconjunto (como discutido em Desviados? e Guiados?). Seitas desviadas (a maioria delas, sufis), que alegam ser parte do Islam, continuaram esta perturbadora tradição do aumento da permissividade, em conflito com as claras e presentes leis do Islam.
Gostaria de encerrar esta seção com as seguintes observações:
1) A maioria dos que procuram um caminho espiritual, fazem-no com a aspiração de ser um wali, ou ―amigo de Allah‖, que os sufis concebem como um estatuto de santidade, com habilidades
místicas incluídas. Tais sufis estão preocupados com o desejo de alcançar um estatuto espiritual elevado e, na sua concepção, a maneira correta de se atingir esse estatuto é através do caminho sufi. Não é verdade. O caminho para se tornar um wali – que, tal como definido por Allah, o Altíssimo, não significa nada mais do que um crente e temente a Allah (TSA 10:62-63) – é simplesmente praticar a religião do Islam como foi revelada, nem mais, nem menos.
2) Enquanto que militantes e extremistas do fiqh tendem a ser intoleravelmente duros e intransigentes, os sufis tipicamente erram para o extremo oposto sendo inaceitavelmente ―suaves‖, desculpando os pecados mais hediondos, flagrantes blasfêmias e, não raro, até mesmo kufr. Não sufis consideram sufis peculiares, não só na forma como agem, mas na forma como pensam. Os sufis, por outro lado, consideram os não sufis em um ―plano espiritual‖ mais baixo, e portanto, incapazes de os compreender. Desta forma, os sufis professam o mesmo elitismo espiritual encontrado nos paralelos judaicos e cristãos.
3) Outra marca registrada proeminente dos sufis é que em algum lugar, de alguma forma, eles tendem a comprometer a fé ou a prática do Islam no processo de cumprimento das práticas da sua tariqa escolhida. Por exemplo, pode-se testemunhar certos sufis atendendo a frequentes reuniões sufis, mas nunca se preocupando em atender ao encontro mais importante dos muçulmanos, ou seja, a oração em congregação na mesquita. Alguns sufis gastam seu tempo de férias e seus recursos financeiros visitando os ‗santos‘ de sua tariqa, mas nunca vão ao hajj. Existem outros exemplos, que deixam deficiências nas crenças e práticas do Islam sendo um sinal de perigo.
4) Assim como alguns sufis diminuem a importância de certos elementos da religião islâmica, outros (isto é, os sufis extremistas – felizmente uma minoria) vão tão longe que zombam da religião. Por exemplo, alguns sufis deixam de rezar com base numa interpretação errada do versículo do Alcorão ―e adora a teu Senhor, até chegar-te a certeza‖ (TSA 15:99). Estes sufis alegam que ―a certeza‖ refere-se à certeza da fé, a qual eles têm alcançado, e assim não precisam mais rezar. Não é verdade. Muhammad صلى الله عليه وسلم e todos os profetas de Allah anteriores rezaram até morrerem. Estes sufis estão dizendo que têm maior certeza da fé do que os profetas de Allah? A interpretação correta da ayah (versículo) acima é o comando para rezar as cinco orações diárias até à morte. A certeza a que se refere esta ayah do Alcorão não é a certeza da fé, que alguns alcançam e outros não, mas a morte, que é a única certeza de todos os seres vivos, e as provas desse
entendimento são encontradadas nos tafasir (interpretações do Alcorão) de Ibn Jarir at-Tabari e Ibn Kathir (os dois mais famosos de todos os tafasir), que baseiam suas conclusões na interpretação do Alcorão por alguns dos mais famosos estudantes dos sahaba (isto é, Salim ibn Abdullah, Mujahid, Qatada, Al Hassan al Basri, e Ibn Zaid). E nenhum dos famosos intérpretes do tafsir dentre os predecessores piedosos interpretaram este versículo como os sufis extremistas interpretam.
5) Como no exemplo acima, muitos sufis se desviam da mesma maneira que os judeus e cristãos, pois Muhammad صلى الله عليه وسلم transmitiu a revelação de Allah que os judeus e cristãos tomam seus rabinos e sacerdotes ―por senhores, além de Allah‖ (TSA 9:31). Além disso, um hadith relata que Adi ibn Hatim se apresentou ao Profeta صلى الله عليه وسلم com uma cruz de prata no pescoço. O Profeta صلى الله عليه وسلم recitou o seguinte versículo: ―Eles adoravam seus rabinos e monges além de Allah‖. Então, Udai respondeu: ―Eles não os adoram‖. E o Profeta صلى الله عليه وسلم respondeu: ―Sim, eles fazem-no. Eles tornaram lícito o que lhes era ilícito e ilícito aquilo que lhes era lícito. Então, eles os seguiram nisto. E é assim que eles os adoraram.‖49 De maneira semelhante, muitos sufis adotam o liberal e errôneo ensinamento de seus shaikhs sufis em preferência ao claro ensinamento do Profeta de Allah, Muhammad صلى الله عليه وسلم, seguindo seus shaikhs sufis em assuntos ilícitos que estes declararam lícitos, tais como o abandono da oração. E este assunto leva diretamente ao próximo, que é o seguinte:
6) A maioria dos sufis justificam suas ações e crenças com ahadith fabricados ou fracos, ou com interpretações não autênticas do Alcorão – uma questão antecipada pelo ensinamento: ―Ele é Quem fez descer sobre ti, Muhammad, o Livro, em que há versículos precisos: são eles o fundamento do Livro; e, outros, ambíguos. Então, quanto àqueles, em cujos corações há deslize, eles seguem o que há de ambíguo nele, em busca da sedição e em busca de sua interpretação, conforme seus intentos...‖ (TSA 3:7).
7) E por falar em buscar interpretações ‗adequadas a eles‘, os sufis tendem a ser propensos ao exagero, muitas vezes, ampliando a significância de eventos ou pessoas. Através desta tendência preocupante, os sufis chegam ao ponto de elevar o estatuto de Muhammad صلى الله عليه وسلم, membros de sua família, ou mesmo ‗shaikhs‘ que afirmaram ter seguido no seu exemplo (dentro de sua tariqa particular, é claro). Às vezes, isso leva ao shirk, às vezes ao kufr, e, não raro, a ambos. Por exemplo, um sufi, certa vez, tentou me
49 Tirmidhi (3095), Bayhaqi (20137)
convencer que os aderentes de sua tariqa praticavam a ibada até que se tornavam, como ele dizia, ―um com Allah‖ – uma declaração clara de tanto shirk quanto kufr, mesmo que seja cidata como uma metáfora. Na religião islâmica, se um homem pronuncia o divórcio à sua esposa, mesmo brincando, eles estão divorciados! Na lei islâmica, o divórcio é um assunto tão sério que não se pode afirmar, mesmo em tom de brincadeira, sem se tornar realidade! Quão mais grave se uma pessoa faz declarações como as acima referidas, negando a unicidade de Allah, que é a mais sagrada de todas as verdades – tão sagrada que a salvação está na balança dependente deste princípio da fé?
8) Muitos sufis reivindicam uma corrente mística de ensinamentos voltando para um dos sahaba, sobre o qual se fundam os ensinamentos de sua tariqa. Para exemplificar, um dos ‗shaikhs‘ sufis na Inglaterra é conhecido por seus seguidores como o ‗quadragésimo elo na cadeia de ouro‘, eles alegam que ele é o quadragésimo shaikh sufi em uma cadeia que vai até o profeta Muhammad صلى الله عليه وسلم. No entanto, tal fraseologia florida não altera a realidade, pois estas ―cadeias‖, na maior parte, não podem ser rastreadas mais de 300 anos atrás, e estão preenchidas com nomes desconhecidos e/ou personagens questionáveis, sem reputação e com atos poucos respeitáveis.
9) Embora existam muitas tariqas sufis desviadas nos dias de hoje, poucas (se houver) estão na retidão. Aqueles que seguem este caminho colocam a sua salvação em risco, e para quê? O caminho mais seguro é óbvio, o caminho sufi é escorregadio e traiçoeiro, seu benefício elusivo, os ensinamentos duvidosos, no melhor caso, e no pior, levam à incredulidade. E, como Muhammad صلى الله عليه وسلم aconselhou: ―O halal (lícito) é claro, e o haram (ilícito) é claro, mas entre o dois estão assuntos que são duvidosos para muitas pessoas. Portanto, quem evita essas questões duvidosas mantém-se limpo com relação à sua religião e sua honra, mas aquele que cai em questões duvidosas cai no haram. [Ele é como] um pastor pastoreando suas ovelhas na fronteira de um santuário, prestes a atravessá-la. Certamente, cada rei tem um santuário, e certamente o santuário de Allah são Suas proibições‖.50 Pobres daqueles que violam as proibições de Allah, sozinhos ou seguindo uma tariqa.
50 Bukhari (52), Muslim (1599), Abu Dawud (3329)
6) A Sunnah do Shaitan
O caminho dos piedosos leva à disputa entre o bem e o mal. Enquanto o bem, ou seja, as crenças e práticas da religião, é ensinado ao novo convertido, uma e outra vez, um dos assuntos mais importantes para o novo convertido também é um dos menos discutidos – e este é o caminho do mal. E, a propósito, quanto ao mal, este significa o caminho (ou sunnah) do Shaitan (Satanás, também conhecido pelo seu nome próprio: Iblis), cuja finalidade específica (junto com seus ajudantes shayatin [gênios do mal, ou demônios]) é desencaminhar a humanidade. Conhecer as crenças e práticas da religião é aprender o caminho da piedade. Conhecer a sunnah, ou caminho, de Iblis é ‗conhecer o inimigo‘, a fim de proteger-se de emboscadas ou desvios.
Para começar, Iblis se aproxima de muitas maneiras. Para aqueles que já estão perdidos, ele fornece incentivos tornando o caminho da impiedade fácil e atraente. Ele pode optar por deixar os injustos por si mesmos, mas, também, pode realmente fornecer prazeres ou experiências místicas ou mesmo milagres aparentes, a fim de consolidar o desvio sobre uma falsa fé. Assim, na verdade, estátuas podem chorar através das maquinações dos shayatin, levando os idólatras a maior devoção nas profundezas do seu engano pagão. Visões de Jesus ou Maria podem realmente ser geradas por Iblis ou por um de seus shayatin confederados, a fim de reforçar as crenças equivocadas que reclinam sobre artigos de incredulidade, como a trindade ou a apoteose de Jesus. Ou, a um nível menor, o orgulho do incrédulo pode ser reforçado a fim de reforçar a confiança na falsidade, sufocando efetivamente a modéstia necessária para que a pessoa se volte ao Criador com franqueza e sinceridade.
E qual foi o primeiro pecado? Esta é uma pergunta que incomoda mais novos convertidos, e também muitos muçulmanos maduros. Então, qual foi o primeiro pecado? Foi comer a fruta proibida? Não, o primeiro pecado foi o pecado do orgulho, pelo qual Iblis foi expulso do paraíso. O primeiro pecado não foi o de Adão, mas de Iblis, e a história, em resumo, é a seguinte: Iblis costumava ser um dos gênios piedosos. Ele praticava os atos de adoração com tal piedade que ganhou um lugar na companhia dos anjos, e, de fato, Allah atribuiu-lhe a supervisão do céu mais baixo. No entanto, quando Adão foi criado e os ocupantes do céu tinham sido ordenados a prostrarem-se para Adão, Iblis tornou-se orgulhoso, concebendo-se ser melhor, ponderando que os gênios foram feitos a partir do fogo sem fumaça, enquanto a humanidade foi feita do barro. O Alcorão relata a história como,
―E quando dissemos aos anjos: ‗Prosternai-vos diante de Adão‘; então, eles prosternaram-se, exceto Iblis. Ele recusou fazê-lo, e se ensoberbeceu e foi dos infiéis‖ (TSA 2:34)
Em uma breve análise, Allah nos informa que Iblis se recusou, o motivo era o orgulho, e o resultado foi a incredulidade. Quão rapidamente um crente pode cair da graça na descrença! E sem outra razão que não o orgulho, e o mal que este colhe. Para continuar a história,
7:12 Allah disse: ―O que te impediu de te prostenares, quando to ordenei?‖ Sata disse: ―Sou melhor que ele. Criaste-me de fogo e criaste-o de barro.‖
7:13 Allah disse; ―Então, desça dele! E nao te é admissível te mostrares soberbo nele. Sai, pois, por certo, és dos humilhados!‖
7:14 Satã disse: ―Concede-me dilação até um dia, em que eles serão ressuscitados.‖
7:15 Allah disse: ―Por certo, és daqueles aos quais será concedida dilação.‖
7:16 Satã disse: ―Então, pelo mal a que me condenaste, ficarei, em verdade, à espreita deles, em Tua senda reta.
7:17 Em seguida, achegar-me-ei a eles, por diante e por detrás deles, e pela direita deles e pela esquerda deles, e não encontrarás a maioria deles agradecida.‖
7:18 Allah disse: ―Sai dele como execrado, banido. Dos que, dentre eles, te seguirem, encherei a Geena (o Inferno), de todos vós.‖
Como punição por seu orgulho, que obstruiu sua obediência a Allah, o Altíssimo, Iblis foi expulso do Paraíso. Depois de conseguir a prorrogação de Allah até o Dia do Juízo, Iblis prometeu desencaminhar a humanidade da ―senda reta‖. Quanto àqueles que seguirem a desorientação de Iblis, Allah promete: ―Dos que, dentre eles, te seguirem, encherei a Geena, de todos vós‖.
Agora, voltando para a pessoa que lê estas palavras. Qual seria uma das características dominantes da humanidade, se não o orgulho? E qual a barreira que está entre a maioria das pessoas e a volta para Allah com humildade, em busca de Sua verdade? Resposta: O orgulho. E com que rapidez o orgulho pode levar uma pessoa da crença à descrença? Do paraíso à perdição? Muito rápido – veja acima.
Quais outras fraquezas da natureza humana fornecem brechas através das quais o Shaitan pode alavancar a desobediência ao Criador? A inveja é uma. Ganância outra. Desejo, desespero, insatisfação, impaciência, paixão sexual e raiva, algumas mais. Mesmo o contentamento, se leva a pessoa à inércia. E o orgulho. No início, no final, e em todos os pontos intermediários.
Vejamos como isso pode funcionar. Para começar, Iblis, o Shaitan, tem prioridades. Primeiro, ele tentará levar as pessoas a cometerem kufr, ou incredulidade. Se ele não puder levar as pessoas a cometerem shirk maior, ele tentará levá-las a cometer shirk menor. Se isso falhar, ele tentará as pessoas a cometerem inovação (bida). Se isso falhar, ele tentará as pessoas a cometerem grandes pecados, e se não for possível, então pecados menores. Mas e se ele não puder levar a pessoa a cometer nem mesmo um pecado menor? Então, talvez o Shaitan tentará invalidar uma boa ação, por exemplo injetando um sentimento de orgulho, fazendo com que a pessoa se incline ao exibicionismo, ou, motivando-a através da ganância, buscando ganho mundano em vez do prazer de Allah. Todas essas motivações podem levar Allah a recusar as boas ações daquela pessoa. Para conduzir ao ponto principal, Muhammad صلى الله عليه وسلم ensinou que as primeiras três pessoas a entrarem no Inferno, no Dia do Juízo são um estudioso, um homem caridoso, e um mártir que dedicaram as suas ações para outro além de Allah. O hadith é o que segue:
Abu Hurairah narrou que o Profeta صلى الله عليه وسلم disse: ―Em verdade, Allah, o Excelso, descerá aos Seus servos, no Dia do Juízo Final, e julgará entre eles. Todas as nações se humilharão em seus joelhos (rebaixando-se). As primeiras pessoas a serem chamadas a prestar contas no Dia da Julgamento serão [um estudioso] e recitador do Alcorão, e um mártir que foi morto na causa de Allah, e uma pessoa rica (que costumava constantemente dar a sua riqueza). Allah perguntará [ao erudito] e recitador do Alcorão: ‗Não fui Eu quem te ensinou o que foi revelado ao Meu Mensageiro?‘ E ele responderá: ‗Sim‘. Então, Allah irá perguntar-lhe: ‗O que tu fizeste com que eu te ensinei?‘ Ele responderá: ‗Eu costumava recitá-lo dia após dia [e eu costumava buscar o conhecimento e ensiná-lo às pessoas].‘ Então, Allah irá responder-lhe: ‗Não, tu mentiste!‘, e os anjos dirão: ‗Não, tu mentiste!‘ Allah dirá então: ‗Tu só querias que as pessoas dissessem sobre ti: Ele é um [estudioso e] recitador do Alcorão, e assim foi dito!‘ E a pessoa com grande riqueza será trazida, e Allah dirá, ‗Eu não te abençoei para que não precisasses de depender de outros?‘ Ele responderá: ‗Sim!‘ Allah perguntará: ‗Então, o que tu fizeste com o que Eu te dei?‘ Ele dirá, ‗Eu cumpri com minhas obrigações familiares, e gastei meu dinheiro em caridade.‘ Então, Allah dirá: ‗Não, tu mentiste!‘, E os anjos dirão: ‗Não, tu mentiste!‘ Allah dirá, então: ‗Tu só gastaste para que as pessoas te chamassem de generoso, e assim foi dito!‘ E a pessoa que morreu no caminho de Allah será questionada, ‗Como morreste?‘ Ela responderá, ‗Ó meu
Senhor! Eu fui ordenado a fazer Jihad no Teu caminho, então eu lutei até que fui morto!‘ Allah dirá: ‗Não, tu mentiste!‘, e os anjos dirão, ‗Não, tu mentiste!‘ Allah dirá, então: ‗Tu só lutaste para que fosse dito de ti: Ele tem uma grande coragem, e assim dito!‘‖ Então, o Profeta صلى الله عليه وسلم bateu em meu joelho e disse: ―Ó Abu Hurairah! Estas são as três primeiras pessoas da criação de Allah que o fogo do Inferno consumirá no Dia do Juízo!‖51
O ponto é que as boas ações, se dedicadas a outro além de Allah, serão rejeitadas – mais um exemplo de ações julgadas por intenções. E se estudiosos, caridosos e mártires não estão a salvo de intenções equivocadas, então quem está?
Se tudo isso falhar, Iblis pode tentar aliviar a pessoa na complacência, pois a sensação de bem-estar (a crença de excesso de confiança em ter feito suficientes boas ações) pode ser o primeiro passo para afastar uma pessoa da grandeza da piedade. Aqueles que não podem ser levados à ruína completamente, Iblis pode tentar derrubar pouco a pouco.
Mas se uma pessoa persistir no caminho da justiça, mesmo assim, o Shaitan não desiste, pois ele ainda pode causar impacto distraindo a pessoa da realização de boas ações de maior valor para boas ações de menor valor. Afinal de contas, há muitas horas no dia.
Portanto, a pessoa deve estar vigilante e não desesperar. Saber que uma vida de piedade equivale a uma vida de luta contra as forças do mal ajuda a pessoa a se preparar para a luta, na qual Iblis mantém o homem em uma combinação entre as tentações externas e desejos internos. Saber que Iblis nunca desiste até que a alma deixe o corpo também ajuda a pessoa a se comprometer com paciência e firmeza. E saber que Allah criou a humanidade imperfeita ajuda a pessoa a evitar o desespero, pois o teste de fé de uma pessoa, na beneficência de Allah, não reside em alcançar o inalcançável (ou seja, a perfeição), mas sim em confiar que Allah aceitará nossa tawbah (arrependimento) quando o erro é cometido. O problema em não reconhecer a tendência humana de errar faz com que as pessoas vejam a religião como dieta. Uma vez que violam a dieta, mesmo com uma única folha extra de alface, supõem que a arruinaram, que está tudo acabado, então poderiam, muito bem, terminar a caixa de biscoitos e os chocolates também. Isto pode ser o que ocorre em relação às dietas, mas não é a maneira da religião, pois, nas palavras de Yaqub (Jacó), ―Por certo, não se desespera da misericórdia de Allah senão o povo renegador da Fé.‖ (TSA 12:87)
51 Muslim (1905), Tirmidhi (2382), Nasaa'i (3137)
O fato é que Allah poderia ter criado a humanidade livre de erros, como os anjos. No entanto, ao contrário dos anjos, aos humanos foi dado o livre arbítrio, com o objetivo de nossa existência servir e adorar a Allah voluntariamente, e retornar a Ele em arrependimento quando em erro.
Para alguns, no entanto, isso não é suficiente. Para alguns, a vida é governada por uma constante procura por um significado maior da existência. Estes indivíduos são frequentemente atraídos para o misticismo, porque através do misticismo eles sentem que alcançaram uma consciência espiritual elevada e uma proximidade com Allah. Aqui entra o Shaitan mais uma vez. Tendo já discutido o primeiro pecado de Iblis, qual foi o primeiro pecado de Adão? Todos conhecem a história de comer da árvore do fruto proibido, mas por que, exatamente, Adão fez isso? Qual foi sua motivação? Encontramos a resposta no Alcorão, Surah 7, Ayah 20-21, onde foi registrado que Iblis aconselhou Adão,
―‗Vosso Senhor não vos coibiu desta árvore senão para não serdes dos anjos ou serdes dos eternos.‘ E jurou-lhes: ‗Por certo, sou para ambos de vós um dos conselheiros‘‖.
E Adão acreditou nele. Apesar do fato de que Allah já havia advertido Adão contra Iblis (Quando Allah chamou Adão, fez a seguinte pergunta retórica: ―Não vos coibi a ambos desta árvore e não vos disse que Satã vos era inimigo declarado?‖ TSA 7:22). Tudo isso pode levar uma pessoa a razoar que a natureza do homem, desde o início, é tal que o seu senso de razão pode ser dominado por sua ânsia por estados espirituais mais elevados (isto é, o dos anjos ou ―do imortal‖). E Shaitan continua a usar essa fraqueza contra muitos muçulmanos, como fez com Adão.
E como Adão, os muçulmanos foram avisados.
No entanto, ao longo do tempo, sempre houve aqueles ansiosos para morder a maçã do misticismo e da apoteose. Alguns ficaram tão entusiasmados que extrapolaram na religião, atribuindo divindade a elementos da criação de Allah. Uma seita do Judaísmo costumava considerar Uzair (Esdras) o Filho de Deus, muitos cristãos reverenciam Jesus Cristo como o Filho de Deus, ou como parceiro na divindade, e alguns membros do extremismo xiita foram tão longe que deificaram Ali. Grupos maiores, no entanto, desviaram das leis do Judaísmo, Cristianismo e Islam através de movimentos da Reforma, gnósticos e sufis, respectivamente, como discutido anteriormente. O fato de que estas tendências são compartilhadas entre todas essas três religiões abraâmicas sugere que Iblis encontrou uma abordagem para desorientar esses assuntos, e manteve repetindo-os ao longo das religiões, e ao longo dos tempos – ―Abrace o misticismo, abandone a lei; abrace o misticismo, abandone a lei; eu sou seu sincero conselheiro.‖