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O episódio de Moisés depositado à beira do rio é contado no Capítulo


20, versículos 39-4O e no capítulo 28, Versículos 7-13. Na narração alcorânica,


Moisés é recolhido pela família do faraó. Lemos com efeito, nos Versículos 8-9


do Capítulo 28:


“A família do Faraó recolheu-o, para que viesse a ser, para os seus membros, um adversário


e uma afl ição; isso porque o Faraó, Haman e seus exércitos eram pecadores. E a mulher


do Faraó disse: Será meu consolo e teu. Não o mates! Talvez nos seja útil, ou o adoremos


como fi lho. E eles de nada se aperceberam.”


A tradição muçulmana pretende que a mulher do faraó, que tomou


Moisés a seus cuidados, seja Asiya. Para o Alcorão, não foi a mulher do Faraó


que o recolheu, mas “suas gentes” (Alu), isto é, os habitantes da casa.


A mocidade de Moisés, sua morada no país de Madiã, seu casamento,


são relatados no Capítulo 28, Versículos 13-28.


O episódio da sarça ardente é notadamente reencontrado na primeira


parte do Capítulo 20 e nos Versículos 30-35 do Capítulo 28.


O Alcorão não menciona as dez pragas enviadas ao Egito, a título de


castigo divino, como a Bíblia os descreve longamente, mas evocada muito suscintamente


cinco pragas (Capítulo 7, Versículo 133): a inundação, os gafanhotos,


os piolhos, as rãs e o sangue.


A fuga do Egito é contada no Alcorão, sem as precisões geográfi cas


dadas na narração bíblica e sem as citações numéricas pouco acreditáveis dessa


narração. Não se concebe como 600.000 homens e suas famílias teriam podido,


como pretende a Bíblia, fazer uma longa permanência no deserto.


A morte do faraó em perseguição aos Hebreus é assim evocada:


“O Faraó os perseguiu com os soldados; porém, a água os tragou a todos!”, lê-se


no versículo 78 do Capítulo 20. Os judeus escaparam. O faraó morreu, mas


seu corpo foi encontrado: detalhe muito importante que a narração bíblica não


menciona.


- Capítulo 10, Versículos 90-92. Deus fala:


“E fi zemos atravessar o mar os israelitas; porém o Faraó e seu exército perseguiram-no


iníqua e hostilmente até que, estando a ponto de afogar-se, o Faraó disse: Creio agora que


não há mais divindade além de Deus em que creem os israelitas, e sou um dos submissos! (E


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foi-lhe dito): Agora crês, ao passo que antes te havias rebelado e eras um dos corruptores!


Porém, hoje salvamos apenas o teu corpo, para que sirvas de exemplo à tua posteridade.


Em verdade, há muitos humanos que estão negligenciando os Nossos versículos.”


Esta passagem evoca dois pontos:


a) O espírito de furor e de hostilidade, de que se trata, se entende em


relação às tentativas de persuasão feitas por Moisés diante do faraó.


b) A salvação do faraó se aplica a seu cadáver porque está bem claro, no


Versículo 98 do Capítulo 11, que o faraó e os seus foram condenados:


“Ele encabeçará o seu povo, no Dia da Ressurreição, e os fará entrar no fogo infernal. Que


infeliz entrada a sua!”


Assim, pelos fatos que são susceptíveis de serem confrontados com os


dados históricos, geográfi cos ou arqueológicos, é preciso notar que a narração


alcorânica difere da narração bíblica nos seguintes pontos:


- a ausência, no Alcorão, de citações de nomes, de lugares, tanto para as


cidades construídas pelos Hebreus do grupo de Moisés, como para o itinerário


do Êxodo;


- a ausência, no Alcorão, de menção da morte do faraó, quando Moisés


habitava Madiã;


- a ausência, no Alcorão, de dados sobre a idade de Moisés, quando ele


se dirigiu ao faraó;


- a ausência, no Alcorão, de precisões numéricas sobre o grupo de Moisés,


manifestamente aumentada, na Bíblia, a dimensões inverossímeis (600.000


homens e suas famílias teriam formado um grupo de mais de dois milhões de


habitantes);


- a ausência de menção, na Bíblia, da recuperação do corpo do faraó


depois de sua morte.


Os pontos comuns das duas narrações, que são destacáveis para o que


nos interessa aqui são:


- a confi rmação pelo Alcorão da opressão pelo faraó aos judeus do grupo


de Moisés;


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- a ausência nas duas narrações de menção do nome do rei do Egito;


- a confi rmação, pelo Alcorão, da morte do faraó por ocasião da saída


do Egito.


CONFRONTAÇAO DOS DADOS DAS ESCRITURAS


COM OS CONHECIMENTOS MODERNOS


As narrações alcorânicas e bíblicas relativas à permanência dos fi lhos de


Israel no Egito e à sua saída do país apresentam aspectos que podem ser objeto


de confrontação com os conhecimentos modernos. A bem da verdade, de uma


maneira muito desigual, pois que alguns aspectos levantam inúmeros problemas,


enquanto outros não oferecem muita matéria à discussão.


1 - O exame de certos pormenores da narração - Os Hebreus no Egito


Parece que se pode perfeitamente dizer, sem risco de muito engano, que


conforme está escrito na Bíblia (Gênesis, 15: 13 e Êxodo 12:40) - os hebreus


fi caram morando no Egito durante 400 ou 430 anos. Não importa qual seja


essa discordância entre o Génesis e o Êxodo, o que aliás é pouco importante,


sua permanência começou com a instalação, muito depois de Abraão, de José,


fi lho de Jacó e de seus irmãos no Egito. Tirando a Bíblia, que dá as informações


que eu acabo de citar, e o Alcorão, que menciona esta instalação sem dar a


menor indicação cronológica, não possuímos, por assim dizer, nenhum outro


documento susceptível de nos esclarecer sobre esse ponto.


Pensa-se atualmente, de P. Montet a Daniel Robs, que, segundo toda a


probabilidade, é com o movimento dos Hicsos em direção ao Egito no século


XVII A.C., que coincide essa chegada de Jose e dos seus e que em Avaris, no


Delta, do Nilo estaria um soberano Hicsos, que teria dado bom acolhimento a


José e a seus irmãos.


Esta afi rmativa está, certamente, em contradição aparente com o que nos


indica o primeiro Livro dos Reis da Bíblia (6:1) que situa a saída do Egito 480


anos antes da construção do templo de Salomão (aproximadamente 971 A.C.).


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Esta estimativa situaria, portanto, o Êxodo aproximadamente em 1450 A.C. e,


por consequência, a entrada em 1850-1880. Ora, é precisamente a época em


que teria vivido Abraão, de quem 250 anos aproximados deveriam, segundo


outros dados bíblicos, separá-lo de José. Essa passagem do primeiro Livro dos


Reis da Bíblia é, portanto, cronologicamente inaceitável75. Veremos que a teoria


sustentada aqui não poderá ter contra ela senão esta objeção tirada desse livro,


mas a inexatidão manifesta desses dados cronológicos retira todo o valor dessa


objeção.


O que os hebreus deixaram como traços de sua permanência no Egito


é muito vago, postos à parte os dados das Escrituras Santas. Há, entretanto,


alguns documentos hieroglífi cos mencionando a existência, no Egito, de trabalhadores


chamados os Apiru ou Hapiru ou Habiru, que foram identifi cados,


errônea ou razoavelmente, aos hebreus. Designavam-se sob esse termo os operários


das construções agrícolas, os vindimadores (colhedores de uvas) etc. De


onde vieram eles? É muito difícil dizer. Como o escreveu R.P. de Vaux, «eles não


são membros da população local, eles não se identifi cam em nenhuma classe da


sociedade, eles todos não têm a mesma ocupação ou o mesmo estatuto».


Sob Tutmés III, um papiro cita-os como «gente de estrebaria». Sabe-se


que Amenophis II, no século XV A.C., conduziu 3.600 deles a título de prisioneiros


procedentes de Canaã, porque eles constituíam, escreve R.P. de Vaux, uma


fração notável da população da Síria-Palestina. Lá por 1.300 A.C., sob Sethi I,


esses mesmos Apiru fomentavam em Canaã distúrbios na região de Beth-Shean.


Sob Ramsés II, eles são empregados como canteiros ou no transporte de estacas


para as obras do faraó (grande pilone de Ramses Miamõ). Sabe-se pela Bíblia que


os Hebreus vão, sob Ramses II, construir a capital do norte, a cidade de Ramsés.


Nos escritos egípcios, far-se-á ainda menção a esses Apiru no século XII e, pela


última vez, sob Ramsés III.


Mas os Apiru não são mencionados a não ser no Egito. O termo poderia,


portanto, se aplicar só aos Hebreus? Pode ser que haja aqui lugar para lembrar


que a palavra poderia designar, inicialmente, os trabalhadores forçados, sem


considerar sua origem, e que, em seguida, o termo serviu como qualifi cativo


profi ssional. Não estaríamos autorizados a fazer uma aproximação com os


sentidos diversos com que, em francês, a palavra “suisse», designa perfeitamente


um habitante da Suíça, um soldado suíço da monarquia francesa, um guarda do


Vaticano ou um zelador da Igreja cristã?


75 - Voltaremos mais adiante sobre o que é preciso pensar, com R.P. de Vaux, sobre essa


referencia ao 1° Livro dos Reis.


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De qualquer modo, sob Ramsés II, os Hebreus (segundo a Bíblia), os


Apiru (segundo os textos hieroglífi cos) participam dos grandes trabalhos ordenados


pelo faraó, e, podemos dizer, dos trabalhos forçados dos Judeus: as


cidades de Ramsés e de Piton. citadas no Livro do Êxodo, são situadas na parte


oriental do delta no Nilo. Tanis e Qantir atuais, a 25 quilômetros aproximados


uma da outra, correspondem essas antigas citadas. Lá estava a capital do Norte,


construída por Ramsés II. Ramsés II é o faraó da opressão.


E nesse contexto que vai nascer Moisés. Nós vimos mais acima as circunstâncias


que cercam a sua salvação das águas do rio. Seu nome é egípcio. P.


Montet o demonstrou cabalmente no seu livro O Egito e a Btblia (L›Egypte et


la Bible. Delechaur and Niestlé. Neufchatel, 1959.): Mesw ou Mesy são, no rol do


dicionário, nomes de pessoas, na língua dos hieróglifos de Ranke. Musay é a sua


transliteração no Alcorão.


AS PRAGAS DO EGITO


A Bíblia faz menção, sob esse título, a dez castigos infl igidos por Deus


e dá sobre cada uma dessas “pragas” muitos detalhes. Muitos têm um aspecto


e uma dimensão sobrenatural. O Alcorão enumera cinco pragas que são, na


maior parte. O exagero de fenômenos naturais: inundação, gafanhotos, piolhos,


rãs e sangue.


As outras pragas (mosquitos, moscas, úlceras da pele, granizo, trevas,


morte do primogênito nascido e do gado) descritas pela Bíblia revelam origens


diversas como foi o caso da narração do Dilúvio, constituído por uma justaposição


de elementos de origens múltiplas.


O ITINERÁRIO DO ÊXODO


Nenhum itinerário é fornecido pelo Alcorão, enquanto a Bíblia o menciona


com muita precisão. R. P. de Vaux e P. Montet, por sua vez, retomaram-lhe


o estudo. O ponto de partida seria a região de Tanis-Qantir, mas, para o resto


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do itinerário, não encontramos, em nenhuma parte, indícios que possam confi


rmar a narração bíblica e não saberemos dizer em que direção o mar se abriu


para deixar passar o grupo de Moisés.


O MILAGRE DO MAR


Imaginou-se um maremoto que teria decorrido de injunções astronômicas


ou de causas sísmicas relacionadas a uma longínqua erupção vulcânica. Os


Hebreus teriam se aproveitado da vazante do mar e os Egípcios, lançados em


sua perseguição, teriam sido aniquilados pelo retorno das águas; tudo isto não


é senão pura hipótese.


2 - Situação do Êxodo na cronologia faraônica


Podemos muito mais validamente chegar a dados positivos, no que concerne


à situação do Êxodo no tempo.


Considerou-se durante muito tempo que Mineptah, sucessor de Ramses


II era o faraó do Êxodo de Moisés. Maspero, o celebre egiptólogo do começo


do século, escreveu, em 1900, no seu Guia do Visitante do Museu do Cairo,


que Mineptah “seria, segundo uma tradição, de origem alexandrina, o faraó do


Êxodo, aquele que, dizem, teria morrido no Mar Vermelho”? Eu não consegui


encontrar os documentos sobre os quais Maspero teria fundamentado sua


asserção, mas a seriedade do autor impõe que se atribua maior valor ao que ele


afumou.


P. Montet à parte, é muito raro encontrar egiptólogos ou especialistas


da exegese bíblica moderna que procuram argumentos a favor ou contra essa


hipótese.


Muito ao contrário, assistiu-se, nos últimos decênios, a uma eclosão de


hipóteses diferentes umas das outras e que, parece, foram emitidas a não ser


com o propósito de satisfazer a uma concordância com pormenores da narração


das Escrituras, sem que seus autores se preocupassem com outros aspectos


dela. Assim, vemos surgir uma ou outra hipótese, que parecem concordar com


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um aspecto de uma narração, sem que seu autor tenha tido o cuidado de


confrontá-la com todos os outros dados das Escrituras (não somente, por consequência,


com a Bíblia) e, ao mesmo tempo, com todos os dados fornecidos


pela História, peia Arqueologia etc.


Uma das hipóteses mais curiosas que vieram à luz é aquela de J. de Miceli


(1960), que pretende ter chegado a fi xar o Êxodo num dia certo, isto é, o dia 9


de abril de 1495 A.C., e isso exclusivamente mediante cálculos sobre calendários.


Tutmés II, reinante então no Egito, seria determinado por esse autor como sendo


o faraó do Êxodo. Visto que se constataram na múmia de Tutmés II, lesões


cutâneas que esse autor qualifi ca - não sabemos bem porque - de lepra, e que


uma das pragas do Egito descritas na Bíblia consiste em fístulas cutâneas, eis a


hipótese confi rmada. Esta chocante elaboração não presta nenhuma atenção a


outros fatos da narração bíblica, em particular à menção da cidade de Ramsés


pela Bíblia, o que torna caduca qualquer hipótese sobre a fi xação da data do


Êxodo antes que um «Ramsés» tenha reinado.


Quanto às lesões cutâneas de Tutmés II, não há possibilidade de se propor


um argumento a favor da designação desse rei do Egito como o faraó do


Êxodo, pois seu fi lho Tutmés III e seu neto Amenophis II apresentam, eles também,


borbulhas cutâneas76, para as quais certos autores levantaram a hipótese


de uma doença familiar. A hipótese de Tutmds II não é, pois, defensável.


O mesmo se dá com aquela levantada por Daniel Rops no seu livro O


Povo do Bíblia77, atribuindo a Amenophis II o papel de faraó do Êxodo. Ela não


parece mais fundamentada do que a precedente. Sob o pretexto de que seu pai


Tutmés III era muito nacionalista, Daniel Rops proclama Amenophis II perseguidor


dos Hebreus e a sogra deste último, a celebre rainha Hatshepsout, passa,


não sabemos por que, por aquela que recolheu Moisés.


É sobre uma base mais sólida, que R.P. de Vaux faz repousar sua hipótese


sobre Ramsés II, que estudou no livro História Antiga de Israel78, porque, se


ela não concorda com todos os pontos da narração bíblica, tem, pelo menos,


o mérito de antecipar um dado importante: a construção, sob Ramsés II, das


cidades de Ramsés e de Piton citadas no texto bíblico. Não se poderia, portanto,


considerar que o Êxodo possa ser anterior ao advento de Ramsés II, advento


que se situa, segundo a cronologia de Drioton e Vaudier, no ano 1.301 A.C. e,


76 - Essas lesões são perfeitamente visíveis nas múmias dos faraós no Museu Egípcio do


Cairo.


77 - Desclée de Brouwet. 1970, Paris.


78 - J. Gabalda e Cie, 1971, Paris.


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segundo a de Rowton, em 1290 A.C. As duas outras hipóteses evocadas acima


são inaceitáveis, devido a esse imperativo: Ramsés II é o faraó da opressão de


que fala a Bíblia.


Para R.P. de Vaux, seria na primeira metade ou lá por meados do reinado


de Ramsés II que o Êxodo teria acontecido. A fi xação da data por R.P. de Vaux


é absolutamente imprecisa: o autor sugere esse período, a fi m de dar tempo, se


se pode dizer, para o grupo de Moisés, de se instalar em Canaã e ao sucessor de


Ramsés II, o faraó Mineptah, que devia levar a ordem às fronteiras por ocasião


da morte de seu pai e expulsar os fi lhos de Israel, como atesta uma estela do


ano V do seu reinado.


Dois argumentos podem ser opostos a esta hipótese:


a) A Bíblia indica, no Êxodo (2:23), que o rei do Egito morreu durante a


permanência de Moises no país de Madiã. Esse rei do Egito é descrito no livro


do Êxodo como aquele que, por trabalho forçado, fez construir pelos Hebreus


a: cidades de Ramsés e de Piton; é Ramsés II. O Êxodo não pode ter acontecido


a não ser sob o sucessor deste último. Mas R.P. de Vaux nos diz duvidar da


narração bíblica do Versículo 23 do Capítulo 2 do Livro do Êxodo.


b) O que causa maior perplexidade é que o Diretor da Escola Bíblica de


Jerusalém, R.P. de Vaux, nem sequer menciona, na exposição de sua teoria do


Êxodo, duas passagens essenciais da Bíblia: as duas atestam que o faraó morreu


na perseguição aos retirantes, detalhe que torna incompatível a ocorrência do


Êxodo em outro momento a não ser no fi m do seu-reinado.


Com efeito, não é duvidoso, é preciso repetir, que o faraó ali perdeu


sua vida. Os Capítulos 13-14 do Livro do Êxodo são formais sobre esse ponto:


“O Faraó fez atrelar seu carro e dirigiu seu exército. . . “ (14:6). “O rei do Egito


se lançou em perseguição aos Israelitas, que estavam sob alta proteção” (1a:8).


“As águas refl uíram e cobriram os carros e os cavaleiros de todo o exército do


faraó, que tinha penetrado atrás deles no mar. Não restou um sequer” (1428-29).


Além disso, o Salmo 136 de Davi confi rma a morte do faraó, invocando Yahveh


“que precipitou o faraó com seu exército no mar dos caniços” (136:15).


Assim, durante a vida de Moises, um faraó morreu quando ele estava no


país de Madiã, um outro morreu durante o Êxodo. Não há um faraó de Moisés,


há dois: o da opressão e o da fuga do Egito. A hipótese única de Ramsés II de


R.P. de Vaux não é satisfatória, pois ela não explica tudo. As considerações que


vêm a seguir terão os argumentos suplementares a seu favor.


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3 - Ramsés II, faraó da opressão - Mineptah, Faraó do Êxodo.


P. Montet retomou muito oportunamente a tradição inicial alexandrina79,


mencionada por Maspero, que se encontra muito mais tarde na tradição islâmica,


assim como na tradição cristã clássica80. Exposta no livro O Egito e a Bíblia81,


essa teoria é reforçada por seus argumentos complementares particularmente


pelas contribuições da narração alcorânica, à qual o célebre arqueólogo não


fazia nenhuma alusão. Antes de examiná-los, voltemos à Bíblia.


O Livro do Êxodo contém a menção à palavra “Ramsés” e, na Bíblia, o


nome de uma das duas cidades citadas, como tendo sido construídas pelo trabalho


forçado dos Hebreus.


Sabemos hoje que essas duas cidades pertenciam à região do Tanis-


-Qantir, na parte oriental do delta do Nilo, lá onde Ramsés II fez construir sua


capital do Norte. Certamente havia nessa região outras construções antes de


Ramsés II, mas competia a ele ter feito dali um lugar importante. As escavações


realizadas nesses últimos decênios, trazem-lhe a prova formal: na sua construção,


ele fez trabalhar os Hebreus subjugados.


Ler a palavra “Ramsés” na Bíblia não fere o espírito de nossos dias: a


palavra tornou-se comum depois que Champollion - há um século e meio


- descobriu a chave dos hieróglifos, precisamente estudando os caracteres essenciais


que o exprimam. Estamos, portanto, atualmente, habituados a lê-los e


pronunciá-los, sabendo o que eles signifi cam. Mas é preciso ter em mente que


o sentido dos hieróglifos foi perdido, aproximadamente, no século III da era


cristã e que o nome de Ramsés não tinha sido conservado, a não ser na Bíblia e


em alguns livros gregos e latinos que lhe deformaram, mais ou menos, o nome:


é assim que Tácito, nos seus Anais, fala de Rhamsis. A Bíblia conservou-lhe exatamente


o nome: ela o cita quatro vezes no Pentateuco ou Tora (Gênesis 47:11;


Êxodo 1:11 e 12:37; Números 33.3 e 33:5).


79 - Não há dúvida de que, na época dos Ptolomeus, possuíam-se em Alexandria, antes


das destruições da conquista romana, os documentos históricos sobre a an􀆟 guidade que


hoje fazem cruel falta.


80 - Nas Histórias Santas do início do século XX, como na do Abbé H. Lesetre, des􀆟 nadas


ao ensino religioso, o Êxodo é mencionado como ocorrido enquanto Mineptú reinava no


Egito.


81 - Delachaux e Niestlé, Neuchatel, 1959.


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Em hebreu, a Bíblia registra a palavra Ramsés de duas formas: Râ (e) mss


ou Râeâmss82. Na edição grega da Bíblia, chamada a Septuaginta, é Râmessê. A


Bíblia latina (Vulgata) registra Ramesses. Na edição da Bíblia Clementina em


francês (1ª edição, 1621), a pilavra é escrita do mesmo modo: Ramesses; essa edição


francesa circulava ainda por ocasião dos trabalhos de Champollion. No seu


Elementos do Sistema Hieróglifo dos Antigos Egípcios (24 edição, 1828, p.276),


Champollion fala da ortografi a bíblica da Palavra.


Assim a Bíblia havia maravilhosamente conservado o nome de Ramsés


nas versões em hebreu, em grego e em latim83.


Os dados acima permitem portanto, só por eles, estabelecer que:


a) O Êxodo não poderia ser concebido antes da Ascenção ao poder, no


Egito, de Ramsés;


b) Moisés nasceu sob o reino do construtor das cidades de Ramsés e de


Piton; quer dizer, sob Ramsés II;


c) Quando Moisés estava no país de Madiã, o faraó reinante, isto é, Ramsés


II, morreu. A continuação da história de Moisés se situa sob o reinado do


seu sucessor, quer dizer, de Mineptah.


Além disso, a Bíblia traz um outro elemento de extrema importância


para situar o Êxodo na cronologia faraônica: é o registro de que Moisés tinha


80 anos quando empreendeu, sob a ordem de Deus, tentar obter do faraó a


libertação de seus irmãos: “Moisés tinha idade de 80 ano e Aarão 83, quando


eles falaram ao faraó” (Êxodo 7:7). Ora, a Bíblia nos ensina em outra parte (Êxodo


2:23) que o faraó sob cujo reino Moisés nasceu, morreu quando Moisés


estava no país de Madiã, embora a narração bíblica continue sem mencionar


nenhuma mudança no nome do soberano. Essas duas passagens da Bíblia implicam


que a soma da duração do reino dos dois faraós, sob os quais Moisés viveu


no Egito, deve ser de, no mínimo, 80 anos.


Ora, sabemos que Ramsés II reinou 67 anos (isto é, de 1301 a 1235, segundo


a cronologia de Drioton e Vaudier, ou de 1290 a 1224 segundo a de Rowton).


82 - A letra “e”, representado o ‘ayin hebreu.


83 - É curioso, aliás, constatar, nas velhas Bíblias, que os comentadores não compreendiam


rigorosamente nada do sentido da palavra. Por ex.: na edição francesa de 1621. na Bíblia


Clementina, dão essa interpretação da palavra Ramesses, o que cons􀆟 tui uma ridícula


tolice: «Esplendor da Vermina».


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Para Mineptah, seu sucessor, os egiptólogos não podem fornecer a duração


precisa do reinado. mas ele foi, pelo menos, de dez anos, pois o décimo ano de


seu reinado é atestado por documento, como o assinala R. P. de Vaux. Manethon


lhe dá vinte anos de reinado. Drioton e Vaudier dão, para Mineptah, duas possibilidades:


ou um reinado de dez anos, de 1234 a 1224, ou, conforme Rowton, um


reinado de vinte anos de 1224 a 1204. Os egiptólogos não sabem precisamente


como foi o fi m do reinado de Mineptah: tudo que se sabe é que, depois dele,


o Egito atravessou uma crise interna extremamente grave, durante cerca de um


quarto de século.


Mesmo que as cronologias dos reinados sejam imprecisas, não há durante


o Novo Império, outros períodos reinados sucessivos tenham podido atingir


ou ultrapassar 80 anos, como o período Ramsés II - Mineptah. Os dados da


Bíblia relativos à idade de Moisés, quando ele empreende a libertação de seus


irmãos, não pode, portanto, estar inserida senão na sucessão dos reinados de


Ramsés II e de Mineptah. Tudo permite pensar, portanto, que Moisés nasceu no


início do reinado de Ramsés II e se encontrava ainda em Madiã, quando esse


último morreu apôs 67 anos de reinado e foi, em seguida, junto a Mineptah,


fi lho e sucessor de Ramsés II, o advogado dos Hebreus do Egito. Esse episódio


pode ter ocorrido na segunda metade do reinado de Mineptah, se ele reinou


vinte anos, fato perfeitamente possível e como pensa Rowton. Moisés; dirigiu


a saída do Egito no fi m do reinado de Mineptah, em todo caso, pois o faraó


perdeu sua vida perseguindo os Hebreus, retirando-se ao país como o indicam


o Alcorão e a Bíblia.


Este esquema concorda perfeitamente com o que as Escrituras relatam


sobre a primeira infância de Moisés e de seu acolhimento pela família do faraó.


Sabe-se, com efeito, que Ramsés II tinha uma idade avançada no momento de


sua morte. Fala-se de 90 ou cem anos. Nessa hipótese, ele poderia ter 23 a 33


anos, no início de seu reinado, que foi de 67 anos. Nessa idade, ele poderia


estar casado e não há contradição com a descoberta, por um “membro da casa


do faraó”, segundo o Alcorão, de Moisés recém-nascido, à margem do Nilo


e a intervenção da mulher do faraó junto àquela pessoa, pedindo-lhe para o


conservar vivo. A Bíblia pretende que é uma fi lha do faraó que a teria encontrado.


Ramsés II, considerando-se a sua idade no início de seu reinado, poderia


perfeitamente ter tido uma fi lha que teria sido capaz de descobrir a criança


abandonada. Narração alcorânica e a narração bíblica não se contradiz e, portanto,


absolutamente, sobre essa questão.


A hipótese formulada aqui será de maneira absoluta de acordo com o


Alcorão. Ela não será, ao contrário, em contradição, a não ser com uma só


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passagem da Bíblia, que é, como vimos, no primeiro Versículo do Capitulo 6


do primeiro livro dos Reis (que, é preciso sublinhar, não faz parte da Tora). Essa


passagem é muito discutida e R.P. de Vaux rejeita o dado cronológico desse livro


do Antigo Testamento, situando no tempo a saída do Egito em relação à construção


do templo de Salomão. Esse dado, que não merece crédito, impede que


se lhe atribua o valor de um argumento decisivo contra a teoria desenvolvida


aqui.


O PROBLEMA DA ESTELA DO ANO 5 DE MINEPTAH


Acreditou-se poder encontrar no texto da famosa estela do ano 5, de


Mineptah, uma objeção à tese exposta sobre a saída do Egito como constituindo


o último ato do reinado desse faraó.


Essa estela oferece um interesse extraordinário, pois constitui o último


documento hieroglífi co conhecido onde a palavra “Israel” é mencionada84. A


estela, que data da primeira parte do reino de Mineptah, foi descoberta em


Tebas no templo funerário do faraó. Ela menciona uma série de vitórias que ele


obteve sobre os vizinhos do Egito e, em particular, no fi m do documento, uma


vitória sobre “Israel arrasada e que não tem sementes...”


Sustentou-se, a partir desse dado, que a existência da palavra “Israel” implicava


que os judeus deveriam estar instalados em Canaã, no ano 5 de Mineptah,


e que, por conseguinte, a saída dos hebreus do Egito já havia acontecido


naquele momento.


Essa objeção não parece aceitável, pois ela implica que não poderia ter


havido judeus em Canaã, enquanto os Hebreus estavam no Egito, o que é insustentável.


Todavia, partidário da tese Ramsés II, R.P. de Vaux escreveu no seu livro


História Antiga de Israel, a propósito da instalação em Canaã: “Para o Sul, a data


da instalação, na região de Cades, de grupos aparentados aos Israelitas é indeterminada


e anterior ao Êxodo”. Ele encara, portanto, a probabilidade da instalação


de alguns grupos saídos do Egito em um outro momento e não naquele da


saída do grupo de Moisés. Os Apiru ou Habiru, que alguns identifi cam com os


israelitas, já estavam na Síria-Palestina muito antes de Ramsés II, portanto, bem


84 - A palavra é seguida de um determina􀆟 vo que não deixa dúvida sobre a designação,


por esse vocabulário, de uma cole􀆟 vidade humana.


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antes do êxodo: Amenophis II, sabe-se por um documento, trouxe prisioneiro


um grupo de 36.000 que ele empregou como trabalhadores forçados no Egito?


São eles situados também em Canaã sob Sethi I, onde fomentam confl itos


na região de Beth-Shean: P. Montet lembra disso em seu livro O Egito e a Bíblia.


Seria, portanto, muito plausível que Mineptah fosse implacável contra esses elementos


em suas fronteiras, enquanto que, no interior do país, se encontravam


sempre aqueles que, mais tarde, se agrupariam em torno de Moisés para deixar


o país. A existência da estela do ano 5 de Mineptah não contraria, portanto, de


modo algum, a hipótese feita aqui.


Aliás, o aparecimento na história do povo judeu da palavra «Israel» não


está absolutamente ligada à instalação em Canaã do grupo de Moisés. A origem


da palavra é a seguinte:


Segundo o Gênesis (32:29), Israel é o segundo nome que recebe Jacó,


fi lho de Isaac e neto de Abraão. Seu sentido, segundo só comentadores da


Tradução Ecumênica da Bíblia – Antigo Testamento (1975), é provavelmente


«que Deus se mostra forte». Depois de ter sido aplicado a um homem, nada de


surpreendente que venha a qualifi car em seguida, em memória de um grande


ancestral, uma coletividade.


O nome de Israel surgiu, portanto, muito anterior a Moisés; quer dizer,


várias centenas de anos antes dele. Vê-lo citado numa estela datando do reinado


do faraó Mineptah não deve causar espanto. Esta citação não constitui de


nenhuma maneira um argumento a favor de uma data do Êxodo de Moisés,


antes do ano 5 do faraó Mineptah.


Com efeito, ao mencionar uma coletividade que ela denomina «Israel


», a estela de Mineptah não pode fazer alusão a uma coletividade política


estabelecida, porque a inscrição data do fi m do século XIII A.C. e o reinado de


Israel não será formado a não ser no século X A.C. Ela evoca necessariamente


um conjunto humano mais modesto85.


Sabemos em nossos dias que um longo período de formação de 8 ou 9


séculos precedeu a entrada de Israel na História. Esse período foi marcado pela


instalação de numerosos grupos seminômades, os Amorites e os Arameus, e


pelo aparecimento, no seio de suas comunidades, de Patriarcas entre os quais


85 - Como faz notar R.P.B. Couroyer, professor da Escola Bíblica de Jerusalém, em seus


comentários da criação do Livro do Êxodo (Ed. do Cerf, 1968, p.I2), “o nome de “Israel””


ali é acompanhado do determina􀆟 vo “povo” em lugar do determina􀆟 vo “país”, como os


outros nomes próprios da estela”.


233





são encontrados Abraão e Jacó-Israel. O segundo nome deste último patriarca


serviu para designar o grupo inicial, núcleo o de uma futura entidade política


que aparecerá bem depois do reinado de Mineptah, pois o reino de Israel durará


de 930 a721 A.C.


4 - A evolução pelas Escrituras santas da morte do Faraó.


A morte do Faraó, por ocasião do Êxodo, constitui um ponto muito importante


nas narrações alcorânica e bíblica. Ela ressalta dos textos com a maior


evidencia. No que pertence à Bíblia, ela é evocada não somente no pentateuco


ou Tora, mas, também, nos Salmos de Davi: as referências foram dadas mais acima.


É extremamente singular que os autores cristãos passem-na em silêncio.


É assim que RP. de Vaux sustenta a tese, segundo a qual á saída do Egito teria


tido lugar na primeira parte ou no meio do reinado de Ramsés II, sem levar em


conta que o faraó morreu na ação, o que, sob todas as hipóteses, não permite


situar o acontecimento senão no fi m do reinado. Na sua Historia Antiga de


Israel, o Diretor da Escola Bíblica de Jerusalém não parece se preocupar com


qualquer tipo de contradição entre a tese que ele defende e os dados dos livros


da Bíblia.


P. Montet, em seu livro O Egito e a Bíblia, situa o Êxodo sob o reino de


Mineptah, mas não diz uma palavra sobre a morte do faraó que comandou a


perseguição dos retirantes.


Essa chocante atitude contrasta com a dos judeus. O Salmo de Davi n°


136, em seu Versículo 15, dá graças a Deus que “precipitou o faraó e seu exército


no mar Vermelho”; isto é sempre recitado na sua liturgia. Eles conhecem


a concordância entre esses versículos e a frase do Êxodo (14:28-29): “As aguas


refl uíram, cobriram os carros e os cavaleiros de todo o exército do faraó, que


havia penetrado atrás deles no mar: não restou um sequer». Para eles, não há


menor dúvida de que o faraó foi exterminado com suas tropas. Esses mesmos


textos existem também em Bíblias cristãs.


Os comentadores cristãos eliminam, de maneira deliberada e contra a


evidência, a morte do faraó. Mas, além disso, há alguns que lembram a menção


que sobre o fato se faz no Alcorão, incitando seus leitores a fazerem singulares


234





aproximações. Assim é que se pode ler, na tradução da Bíblia de Jerusalém86,


o seguinte comentário de R.P. Couroyer, professor da referida Escola, sobre a


morte do faraó:


“O Alcorão (10:90-92) ali faz alusão e, segundo as tradições populares, o faraó


submerso com seu exército (o que o texto sagrado87 não diz) é alojado no


fundo do mar e reina sobre os homens marinhos: as focas”.


O leitor não informado do conteúdo do Alcorão estabelece, é óbvio,


uma relação entre uma afi rmação alcorânica contrária - para o comentador - ao


texto bíblico, e a lenda ridícula emergente supostamente de tradições populares,


mencionadas no comentário depois da referência ao Alcorão.


A realidade do enunciado alcorânico a esse respeito não tem nada a ver


com o que sugere esse autor: os Versículos 90-92 do Capítulo 10 do Alcorão


informam, de fato, que os fi lhos de Israel passaram o mar, enquanto que o faraó


e suas tropas os perseguiam, e que então, no momento de ser submerso, o


faraó exclamou:


“Creio agora que não há mais divindade além de Deus em que creem os israelitas, e sou


um dos submissos. (E foi-lhe dito): Agora crês, ao passo que antes te havias rebelado e


eras um dos corruptores! Porém, hoje salvamos apenas o teu corpo, para que sirvas de


exemplo à tua posteridade.”


É tudo o que contém esse capítulo a propósito da morte do faraó. Aqui,


como em outras partes do Alcorão, não se encontram fantasmagorias como as


colocadas pelo comentador bíblico. O texto alcorânico registra simplesmente,


de modo bem claro, que o corpo do faraó será salvo: Este é o dado capital.


Da época em que o Alcorão foi comunicado aos homens pelo Profeta,


até a era moderna, suspeitou-se, mais ou menos, de que todos os faraós implicados


no Êxodo se encontravam nas tumbas da Necrópole de Tebas, do outro


lado do Nilo, em face de Luxor. Ora, nesse interim, ignorara-se tudo sobre a


realidade e não foi senão no fi nal do Século XIX, que ali eles foram descobertos.


Como está dito no Alcorão, o corpo do faraó do Êxodo foi preservado


perfeitamente: não importa qual seja esse faraó, em nossos dias ele está na Sala


das Múmias reais do Museu Egípcio do Cairo, acessível à contemplação dos


visitantes. A realidade é, pois, muito diferente da risível lenda falsamente ligada


ao Alcorão por R. P. Couroyer.


86 - 1968, p. 73, Les Edi􀆟 ons du Cerf, Paris.


87 - Não há dúvida de que, para o autor do comentário, trata-se aqui da Bíblia.


235





5 - A Múmia do Faraó Mineptah.


O corpo mumifi cado de Mineptah, fi lho de Ramsés II, o qual tudo permite


pensar que é o faraó do Êxodo, foi descoberto em 1898 por Loret, em


Tebas, no Vale dos Reis. Ela foi de lá transportada ao Cairo, onde Elliot Smith


retirou-se seus envoltórios em 8 de julho de 1907. Ele dá, em seu livro As Múmias


Reais (1912) o protocolo dessa operação e do exame do corpo. O estado de


conservação da múmia era, na época, satisfatório apesar da decomposição-em


vários lugares. Desde essa data, a múmia está exposta aos visitantes no Museu


do Cairo, cabeça e pescoço descobertos, o resto do corpo dissimulado sob uma


espécie de tecidos, de modo que, até os últimos meses, o museu não possuía


fotografi as gerais tiradas do corpo da múmia, senão aquelas tiradas por E. Smith


em 1912.


Em julho de 1975, as altas autoridades egípcias quiseram por bem me


permitir examinar as partes do corpo do faraó, até então recobertas, e tirar


fotografi as. Quando se compara o estado atual ao estado da múmia há mais de


60 anos, torna-se evidente que nela se produziram danifi cações e que alguns


fragmentos tinham desaparecido. Os tecidos mumifi cados tinham sofrido muito,


de certo modo pelas mãos dos homens, ou então, se se pode assim dizer,


pela ação do tempo.


Esta danifi cação natural é perfeitamente explicada pela modifi cação das


condições de conservação, desde que os homens descobriram a múmia no fi m


do século XIX na tumba da Necrópole de Tebas, onde ela repousou durante


mais de três mil anos. Atualmente exposta sob uma simples proteção de vidro


que não a separa hermeticamente do exterior e não impede a poluição de


microrganismos, sujeita a mudanças de temperatura e não protegida do alcance


da umidade, a múmia está longe de se encontrar nas condições que lhe


permitiram atravessar aproximadamente três milênios ao abrigo de todas essas


causas de deterioração. Ela perdeu a proteção de seus envoltórios e a vantagem


da permanência em meio fechado num túmulo onde a temperatura era mais


constante e o ar menos úmido, o que não Se dá no Cairo em certos períodos


do ano. Certamente, ela teve de sofrer, mesmo na necrópole, segundo toda verossimilhança


muito antiga, a visita de ladrões de túmulos ou de roedores que


causaram certos estragos, mas as condições eram relativamente - parece - mais


favoráveis que hoje para resistir à prova do tempo.


Durante esse exame da múmia em julho de 1975, investigações particulares


foram empreendidas por minha iniciativa. Um excelente estudo radiografado


foi efetuado pelos doutores El Meligy e Ramsiys, enquanto o doutor Mustafá


236





Manialawiy efetuou, por uma perda de substância ao nível da parede do tórax, o


exame do interior da caixa torácica e do abdômen, realizando a primeira endoscopia


aplicada a uma múmia. Pode-se, assim, ver e fotografar certos pormenores


muito importantes do interior do corpo, com o exame ao microscópio de


alguns pequenos fragmentos, caídos espontaneamente do corpo da múmia, exame


que será efetuado em Paris pelo professor Mignot e pelo doutor Durigon,


sendo completado um estudo médico-legal geral efetuado com o professor


Ceccaldi. As conclusões não podem - para grande pesar meu - ser tiradas no


momento em que se conclui a redação desta obra.


O que pode, imediatamente, ser retirado desse estudo é a constatação de


lesões ósseas múltiplas com perdas importantes de substância - o que em parte


teria sido mortal - sem que seja ainda possível afi rmar se algumas ocorreram antes


ou depois da morte do faraó. Este deve ter, mais possivelmente, morrido por


afogamento, conforme as narrações das Escrituras, ou devido a traumatismos


muito violentos que procederam sua submersão no mar, ou então, simultaneamente,


devido a ambas as causas.


A associação de todas essas lesões às deteriorização, cujas causas foram


evocadas, torna problemática para o futuro a boa conservação do corpo mumifi


cado do faraó, se medidas de salvaguarda e de restauração não forem tomadas


imediatamente. Essas medidas deveriam evitar que o único testemunho material


restante ainda em nossos dias da morte do faraó do Êxodo e da salvação de seu


corpo determinada por Deus, desapareça num prazo mais ou menos fi xo.


É sempre desejável que o homem se aplique em preservar os testemunhos


de sua história, mas aqui se trata de qualquer coisa a mais: é a materialização


num corpo mumifi cado daquele que conheceu Moisés, resistiu a suas


súplicas, perseguiu-o em sua fuga e ali deixou sua vida, sendo, seus despojos,


salvos da destruição pela vontade de Deus, tornando-se uma advertência para


os homens, como está escrito no Alcorão88.


Que ilustração magnífi ca dos versículos alcorânicos referentes ao corpo


do faraó é oferecida, na Sala das Múmias Reais do Museu Egípcio do Cairo, para


quem pesquisa nos dados das descobertas modernas, as provas da veracidade


das Escrituras Santas!


88 - A Múmia de Ramsés II, outra testemunha da história de Moisés, foi objeto de um


estudo comparado com a múmia de Mineptah; foram recomendadas para ela idên􀆟 cas


medidas de preservação. Comuniquei os resultados desses estudos médicos, realizados


no Cairo em 1975, a diversas sociedades de sábios franceses, entre os quais a Academia


Nacional de Medicina, na primeira parte do ano de 1976. O conhecimento desses resultados


levou as autoridades egípcias a confi ar a múmia de Ramsés II à França. Assim foi,


que ela chegou em Paris aos 26 de setembro de 1976 para ali passar por um tratamento.


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