200
“Sendo que Ele vos criou gradativamente?”
Ao lado dessas considerações bem gerais, o texto alcorânico chama a
atenção sobre diversos pontos concernentes à reprodução, que parecem poder
se classifi cados assim:
1 - A fecundação se opera graças a um bem pequeno volume de líquido;
2 - A natureza do líquido fecundante;
3 - O nidamento do ovo fecundado;
4 - A evolução do embrião.
1-A Fecundação se opera graças a um bem pequeno volume de líquido
Onze vezes o Alcorão volta a essa noção, empregando a expressão que
encontramos em:
- Capítulo 16, Versículo 4:
“Criou o homem de uma gota de sêmen, e o mesmo passou a ser um declarado opositor.”
Somos obrigados a traduzir por gota68 (de esperma) a palavra árabe
nutfat, por não existir em português o vocábulo rigorosamente apropriado. É
preciso dizer que esta palavra vem de um verbo que signifi ca escorrer, destilar;
ele serve para indicar o que pode restar em um recipiente, uma vez que o esvaziamos.
Ele indica, portanto, exatamente uma pequena quantidade de líquido,
de onde o sentido de gota d’água e, aqui, gota de esperma, porque a palavra é
associada num outro versículo à palavra esperma.
- Capítulo 75, Versículo 37:
“Não foi a sua origem uma gota de esperma ejaculada?”
Um outro versículo indica que a gota em questão é posta em um lugar
de morada fi xa (qaraar),que, com toda evidência, designa o aparelho genital.
Capítulo 23, Versículo 13. Deus fala:
68 - Em francês, foi traduzido gou e.
201
“Em seguida, fi zemo-lo uma gota de esperma, que inserimos em um lugar seguro.”
E preciso acrescentar que o qualifi cativo que, no texto, se relaciona a essa
moda fi xa makiyn não é absolutamente traduzível, me parece, em português. Ele
exprime ideia de lugar distinto, elevado, estabelecido solidamente. Qualquer que
seja, trata-se do lugar de crescimento do homem no organismo materno. Mas
o que importa, sobretudo, é acentuar essa noção de uma pequena quantidade
de líquido, necessário à fecundidade, rigorosamente de acordo com o que se
conhece em nossa época.
2 - A Natureza do Líquido Fecundante
O Alcorão menciona esse líquido, que assegura a fecundação com os
qualifi cativos interessantes de examinar.
a) “Esperma”, como acaba de se precisar (Capítulo 75, Versículo 37).
b) “Líquido emitido”: “(O homem) foi formado de um líquido emitido”
(Capítulo 86, Versículo 6).
c) “Um líquido vil” (Capítulo 32, Versículo 8 e Capítulo 77, Versículo 20).
O qualifi cativo vil(mahiyn) pode ser interpretado, parece, não sob o ponto
de vista da qualidade do próprio líquido, mas, antes, em função do fato de
que ele é emitido pela terminação do aparelho urinário, servindo do conduto
que dá saída à urina.
d) As “misturas” ou “o que é misturado” (amchaaj): “Em verdade, criamos
o homem, de esperma misturado, para prova-lo, e o dotarmos de ouvidos e
vistas.” (Capítulo 76, Versículo 2).
Muitos comentadores, como professor Hamidullah, viram nessas misturas
o elemento masculino e o elemento feminino. Deu-se o mesmo com os autores
antigos que não poderiam ter a menor ideia da fi siologia da fecundação e,
particularmente, do que são essas condições biológicas do lado da mulher; eles
consideravam que a palavra evocava simplesmente a reunião de dois elementos.
Mas os comentários modernos, como o de Muntakhab, editado pelo
Conselho Supremo dos Negócios Islâmicos do Cairo, retifi cam essa maneira de
ver, e discernem aí que a gota de esperma é “dotada de vários elementos”. O
comentário de Muntakhab não dá detalhes mas, a meu ver, sua observação é
muito judiciosa.
202
Quais são, portanto, os elementos diversos do esperma?
O líquido espermático é formado de secreções diversas, provenientes das
glândulas seguintes:
a) os testículos (a secreção da glândula genital masculina contém os
espermatozoides, células alongadas providas de um longo fl agelo e imersas num
líquido (seroso);
b) as vesículas seminais: órgãos, reservatórios de espermatozoides, dispostos
perto da próstata, têm também uma secreção própria, sem elementos
fecundantes;
c) a próstata ela segrega um líquido, dando ao esperma seu aspecto cremoso
e seu odor particular;
d) as glândulas anexas das vias urinárias: as glândulas de Cooper ou de
Méry são segregadoras de um líquido condutor, as glândulas de Litré segregam
o mucus.
Essas são as fontes dessas «misturas», das quais o Alcorão parece tanto
falar.
Porém, há ainda mais. Se o Alcorão fala de um líquido fecundante formado
de diversos elementos, ele nos adverte sobre o fato de que a descendência
do homem será assegurada por qualquer coisa que pode ser extraída desse
líquido. É o sentido do Versículo 8 do Capítulo 32:
“Então, formou-lhe uma prole da essência de sêmen sutil.”
A palavra árabe traduzida aqui por quinta essência (sulaatat) designa um
objeto extraído, saído de outro, a melhor parte de uma coisa. Que se o traduza
de uma maneira ou de outra, trata-se da parte de um todo.
O que produz a fecundação do óvulo e assegura a reprodução é uma
célula de forma muito alongada, de dimensão calculada, em uma escala de
1/10.000 de milímetro. Um só elemento entre várias dezenas de milhões, emitidos
pelo homem em condições normais69, conseguirá penetrar no óvulo; um
número considerável fi cará, no caminho e não conseguirá percorrer o trajeto,
que, da vagina, conduz ao óvulo através da cavidade do útero e da trompa. Será,
69 - Podemos avaliar que um cen metro cúbico de esperma contém 25 milhões de espermatozoides,
nas condições normais de uma ejaculação de alguns cen metros cúbicos.
203
portanto, uma ínfi ma parte extraída dum líquido, de formação muito complexa,
que manifestará sua atividade.
Como, por consequência, não se admirar com a concordância entre o
texto alcorânico e o conhecimento científi co, quo temos em nossa época, desses
fenômenos?
3 - O Nidamento do Ovo no Aparelho Feminino
O ovo, uma vez fecundado na trompa, desce para se aninhar no interior
da cavidade uterina: é o que se chama nidamento do ovo. O Alcorão denomina
útero, onde o ovo fecundado se localiza:
“Nós70 vos criamos... de algo que se espera”
A fi xação do ovo no útero é realizada pelo desenvolvimento de vilosidades
(Saliência delgada do cório, através da qual passa a nutrição do embrião),
verdadeiros prolongamentos do ovo que vão, como as raízes no solo, sugar,
na espessura do órgão, o que é necessário ao desenvolvimento do ovo. Essas
formações agarram literalmente o ovo ao útero. Seu conhecimento data dos
tempos modernos.
Essa ação de agarrar é mencionada cinco vezes no Alcorão.
- Primeiramente dos dois primeiros versículos do capítulo 96:
“Lê, em nome do teu Senhor Que criou; Criou o homem de algo que se agarra.”
“Qualquer coisa que se agarra” é a tradução da palavra ‘alaq. É o seu
sentido primitivo. Um sentido derivado deste, “posta de sangue”, que fi gura
comumente nas traduções, é uma inexatidão, contra a qual convém se precaver,
o homem jamais passou por um estágio de posta de sangue. E o mesmo ocorre
com outra tradução dada: “aderência”, que é também um termo improprio. O
sentido primitivo (..qualquer coisa que se agarra”), responde perfeitamente à
realidade hoje bem estabelecida.
Essa noção é lembrada em quatro versículos, evocando as transformações
sucessivas desde o estágio de gota do esperma até o fi m.
70 - É Deus quem fala
204
- Capítulo 22, Versículo 5:
“(Nós) vos criamos... de algo que se agarra”.
- Capítulo 23, Versículo 14:
“Então, convertemos a gota de esperma em algo que se agarra.”
- Capítulo 40, Versículo 67:
“Ele foi Quem vos criou do pó, depois do sêmen, depois de algo que se agarra.”
- Capítulo 75, Versículos 37-38:
“Não foi a sua origem uma gota de esperma ejaculada Não foi a sua origem uma gota de
esperma ejaculada?”
O órgão onde se desenvolve a gravidez é qualifi cado no Alcorão, como
já vimos, por uma palavra sempre empregada em árabe para designar o útero.
Ele recebe, em certos capítulos, o nome de “morada fi xa” (Capítulo 23, Versículo
13, que foi citado anteriormente, e o Capítulo 77 , Versículo 2171.
4. A Evolução do Embrião no Interior do Útero
Tal como é descrita pelo Alcorão, ela responde perfeitamente ao que
sabemos hoje em dia de algumas etapas do desenvolvimento do embrião e ela
não contém nenhum enunciado que a ciência moderna poderia criticar.
Após “o que se agarra”, expressão à qual vimos até que ponto está bem
fundamentada, o embrião, diz o Alcorão, passa pelo estágio de came (como a
carne amorfa) e depois aparece o tecido ósseo que ó recoberto de carne (defi -
nida por uma palavra diferente da precedente e que signifi ca carne fresca).
71 - Em um outro versículo (Capítulo 6, Versículo 98), trata-se, para o homem, de um lugar
de morada fi xa, expressa por um termo muito vizinho do procedente e que parece bem
designar igualmente o útero materno. Pessoalmente, penso que esse é o sen do do versículo,
mas sua interpretação detalhada implicaria excessivo desenvolvimento, que não
tem lugar neste estudo. De interpretação extremamente delicada, é também o versículo
seguinte: “(Deus) Confi gura-vos paula namente no ventre de vossas mães, entre três trevas.”
(zulumaat). (Surat 39:6) Interpretações modems do Alcorão veem aí os três planos
anatômicos que protegem a criança em gestação: a parede do abdome, o útero mesmo,
os envoltórios do feto (placenta, membrana e líquido amnió co). Eu me permito citar
esse versículo para ser completo: A interpretação dada aqui não me parece discu vel
anatomicamente, mas será exatamente o que o texto alcorânico queria dizer?
205
- Capítulo 23, Versículo 14:
“Então, convertemos a gota de esperma em algo que se agarra, transformamos o coágulo
em feto e convertemos o feto em ossos; depois, revestimos os ossos de carne; então, o
desenvolvemos em outra criatura. Bendito seja Deus, Criador por excelência.”
O feto foi traduzido da palavra mudghat; a carne (como a da carne
fresca), foi traduzida da palavra lahm. Esta distinção merece ser destacada: O
embrião é inicialmente uma pequena massa que, a olho nu, em certo estágio
de desenvolvimento, tem a aparência de carne amorfa. O sistema ósseo se
desenvolve no seio dessa massa no que chamamos de mesênquima. Os ossos
formados são revestidos por massas musculares: é a elas que se aplica a palavra
lahm.
Sabemos que, no curso desse desenvolvimento embrionário, algumas
partes aparecem bastante desproporcionadas com o que será mais tarde o indivíduo
e outras restam proporcionadas.
Não é o sentido que tem a palavra mukhallaq, que signifi ca “formado
com proporções”, que é empregado no Versículo 5 do Capítulo 22 para evocar
esse fenômeno?
“(Nós) vos criamos... algo que se agarra e, fi nalmente, em feto, com forma ou amorfo...”
O Alcorão evoca também o aparecimento dos sentidos e das vísceras:
- Capítulo 32, Versículo 9:
“Dotou a todos vós da audição, da visão e das vísceras.”
Ele faz alusão à formação do sexo:
- Capítulo 53, Versículos 45-46:
“E que Ele criou (tudo) em pares: o masculino e o feminino, De uma gosta de esperma,
quando alojada (em seu lugar).”
A formação do sexo é também evocada no Capítulo 35, Versículo 11 e
Capítulo 75, Versículo 39.
Todos esses enunciados alcorânicos devem ser, como vimos, comparados às
noções estabelecidas na época moderna: sua concordância com elas é evidente.
206
Mas é, igualmente, extremamente importante confrontá-los com as crenças gerais
sobre esse assunto, que eram comuns no período da Revelação Alcorânica,
para se compreender até que ponto os homens daquele tempo estavam longe
de ter noções semelhantes sobre esses problemas.
Ninguém duvida que eles não saberiam, então, interpretar essa Revelação
como nós a compreendemos em nossos dias, visto que os dados do conhecimento
moderno hoje não ajudam nisso. É, com efeito, somente no decorrer do
século XIX que se terá sobre questões, uma visão um pouco mais clara.
Durante toda a Idade Média, mitos e especulações sem fundamento estavam
na origem das doutrinas mais variadas: elas foram ainda acatacas por muitos
séculos depois. Sabemos que a etapa fundamental da história da embriologia
foi a afi rmação, por Harvey, em 1651 , de que “tudo que vive vem inicialmente de
um ovo” e que o embrião se forma progressivamente parte, após parte. Naquela
época - em
que a ciência nascente tinha, no entanto, grandemente se benefi ciado, para o
assunto que nos interessa, com a invenção recente do microscópio -, sê discutia,
ainda, sobre os papéis respectivos do ovo e do espermatozoide. O grande
naturalista Buffon era do clã dos ovistas, em cujo nível Bonnet sustentava a
teoria do encaixe dos germes: o ovário de Eva, mãe da espécie humana, teria
contido os germes de todos os seres humanos, encaixados uns nos outros. Esta
hipótese era de certo modo aprovada no século XVIII.
Há mais de um milênio antes dessa época, em que as doutrinas fantasistas
estavam ainda em vigor, os homens já tinham conhecimento do Alcorão.
Seus enunciados sobre a reprodução humana exprimiam, em termos simples,
verdades primárias, que os homens levaram tantos séculos para descobrir.
ALCORÃO E A EDUCAÇÃO SEXUAL
É crença de nossa época terem sido feitas muitas descobertas, em todos
os domínios. Ela considera que inovou em matéria de educação sexual e pensa
que a abertura dos jovens ao conhecimento dos problemas da vida é uma aquisição
do mundo moderno e que os séculos passados foram marcados, sobre
esse assunto, por um obscurantismo intencional sobre o qual muito dizem que
207
as religiões - sem precisar - são responsáveis.
Ora, tudo que acaba de ser exposto aqui, constitui a prova de que há
aproximadamente catorze séculos, as questões teóricas, se se pode dizer, concernentes
à reprodução humana, foram trazidas ao conhecimento dos homens, na
medida em que se podia fazê-lo, levando-se em conta o fato de que não se possuíam
dados anatômicos e fi siológicos, permitindo amplos desenvolvimentos, e
que era necessário, para ser compreendido, empregar uma linguagem simples e
apropriada à capacidade de compreensão dos ouvintes da Predicação.
Os aspectos práticos não foram tampouco silenciados. Encontramos
no Alcorão uma infi nidade de detalhes sobre a vida prática em geral, sobre o
comportamento que devem ter os homens em múltiplas circunstâncias de sua
existência. A vida sexual não foi excluída.
Dois versículos do Alcorão concernem à relação sexual propriamente
dita. Ela é evocada em termos que aliam o desejo do impulso com a necessária
decência. Quando nos reportamos às traduções e aos comentários explicativos
que foram feitos, nos espantamos com suas divergências. Durante muito tempo
hesitei sobre a tradução desses versículos. Eu devo a que eu proponho ao Dr. A.
H. Giraud, antigo professor da Faculdade de Medicina de Beirute.
- Capítulo 86, Versículos 6-7:
“Foi criado de uma gota ejaculada, Que emana da conjunção das regiões sexuais do homem
e da mulher.”
A região sexual do homem é designada no texto alcorânico pela palavra
sulb (singular). A região sexual da mulher é designada pelo Alcorão pela palavra
taraaib (plural).
Esta é a tradução que parece mais satisfatória. Ela difere daquela dada,
em geral, pelos tradutores franceses ou ingleses como: “(O homem) foi criado
de um líquido derramado que sai da espinha dorsal e dos ossos do peito”. Isto
parece mais uma variante interpretativa que uma tradução e, além disso, é pouco
compreensível.
O comportamento dos homens em suas relações íntimas com suas mulheres
em circunstâncias diversas é explicitado.
É, em primeiro lugar, a orientação para o período das regras que é dada
nos Versículos 222-223 do Capítulo 2: Deus dá esta prescrição ao Profeta:
208
“Consultar-te-ão acerca da menstruação; dize-lhes: É uma impureza. Abstende-vos, pois,
das mulheres durante a menstruação e não vos acerqueis delas até que se purifi quem;
quando estiverem purifi cadas, aproximai-vos então delas, como Deus vos tem disposto,
porque Ele estima os que arrependem e cuidam da purifi cação. Vossas mulheres são vossas
semeaduras. Desfrutai, pois, da vossa semeadura, como vos apraz; porém, praticai boas
obras antecipadamente.”
O início dessa passagem tem uma signifi cação muito clara: e interdição
das relações sexuais com uma mulher menstruada é formal. A segunda parte
evoca o trabalho que, para o semeador, precede ao depósito da semente que
vai germinar uma planta nova. A advertência dominante está, portanto, posta
indiretamente pela imagem sobre a importância de se ter em mente: o objetivo
fi nal da relação sexual é a procriação. A tradução da última frase é aquela de R.
Blachère: esta frase contém uma prescrição que parece se referir aos preparativos
da relação sexual.
As orientações dadas aqui são de ordem muito geral. Colocou-se, a propósito
desses versículos, o problema da anticoncepção: aqui, como em nenhum
outro lugar, o Alcorão não fez alusão ao assunto.
O aborto não é muito evocado, mas as numerosas passagens citadas
mais acima sobre as transformações sucessivas do embrião são sufi cientemente
claras para que o homem seja considerado como formado a partir do estágio
caracterizado pela existência de “qualquer coisa que se agarra”. Nessas condições,
o respeito absoluto da pessoa humana, tão frequentemente difundida no
Alcorão, envolve a condenação radical do aborto. Essa tomada de posição é,
aliás, a mesma de todas as religiões monoteístas de nossa época.
As relações sexuais são permitidas durante o período noturno do jejum
do mês do Ramadã. O Versículo que se refere ao Ramadã é o seguinte:
- Capítulo 2, Versículo 187:
“Está-vos permitido, nas noites de jejum, acercar-vos de vossas mulheres, porque elas são
vossas vestimentas e vós o sois delas. Deus sabe o que vós fazíeis secretamente; porém,
absorveu-vos e vos indultou. Acercai-vos agora delas e desfrutai do que Deus vos prescreveu.”
Ao contrário, nenhuma exceção é considerada para os peregrinos de
209
Meca durante os dias solenes da Peregrinação.
- Capítulo 2, Versículo 197:
“A peregrinação realiza em meses determinados. Quem a empreender, deverá abster-se das
relações sexuais, da perversidade e da discussão.”
A interdição é, portanto, formal, como são formais durante esse mesmo
período outras interdições tais como a caça, as disputas etc.
A menstruação é também evocada no Alcorão a propósito do divórcio.
O Livro se exprime assim:
- Capítulo 65, Versículo 4:
“Quanto àquelas, das vossas mulheres, que tiverem chegado à menopausa, se tiverdes dúvida
quanto a isso, o seu período prescrito será de três meses; o mesmo se diga, com respeito
àquelas que ainda não tiverem chegado a tal condição; e, quanto às grávidas, o seu período
estará terminado quando derem à luz.”
O período de espera de que se trata aqui, é aquele que ocorre entre o
anúncio do divórcio e o momento quando se torna efetivo. As mulheres das
quais se diz: “elas já não esperam estar regradas”, são aquelas que chegaram à
menopausa. Para elas, um tempo de observação de três meses é, no entanto, previsto.
Passado esse prazo, as mulheres divorciadas menopausadas podem então
se casar de novo.
Para as mulheres que não tiveram ainda as regras, é preciso aguardar
o tempo de uma gravidez. Para as mulheres grávidas, o divórcio não pode se
efetuar a não ser no fi m da gravidez.
Toda essa legislação está perfeitamente em harmonia com os dados fi siológicos.
Aliás, podemos encontrar no Alcorão, nos textos que regem a viuvez,
as mesmas judiciosas disposições legais.
Assim, para os enunciados teóricos concernentes à reprodução, como
para as direções práticas formuladas a propósito da vida sexual do casal, notamos
que nenhuma das formulações que foram consignadas aqui está em
oposição aos dados dos conhecimentos modernos, nem com tudo o que pode
logicamente delas decorrer.
210
NARRAÇÕES ALCORÂNICAS E NARRAÇÕES BÍBLICAS
RESUMO GERAL
Encontramos no Alcorão um número importante de assuntos já expostos
na Bíblia. São, sobretudo, as narrações concernentes aos profetas Noé,
Abraão, José, Elias, Jonas, Jacó, Moisés e aos reis de Israel: Saul, Davi, Salomão;
para não mencionarmos senão, as principais narrações comuns, excetuando o
que não passa de citação. São, como veremos, mais especifi camente, narrações
sobre os grandes acontecimentos, na marcha do quais o sobrenatural fez intervenção:
por exemplo, a criação dos céus e da terra, criação do homem, o dilúvio,
o Êxodo de Moisés. É, enfi m, tudo o quanto se refere a Jesus, à sua mãe Maria,
no que concerne ao Novo Testamento.
Que refl exões esses assuntos tratados pelas duas Escrituras podem sugerir,
em função dos conhecimentos modernos, que podemos ter além aos textos
sagrados?
PARALELO ALCORÃO - EVANGELHO
E CONHECIMENTO MODERNO
No que concerne a um paralelo entre o Alcorão e o Evangelho, é preciso
observar, antes, que nenhum dós assuntos dos Evangelhos que provocaram
críticas sob o ponto de vista da ciência – e sobre os quais fi zemos menção na
segunda parte desta obra – encontram-se citados no Alcorão.
Jesus é objeto, no Alcorão, de referências múltiplas. por exemplo: A
Anunciação da Natividade de Maria a seu pai, a Anunciação da Natividade
milagrosa de Jesus a Maria, a natureza de Jesus, Profeta na primeira categoria
de todos, sua qualidade de Messias, a Revelação que ele dirigiu aos homens,
confi rmando e modifi cando a Tora, sua predicação, seus discípulos, os apóstolos,
os milagres, sua ascensão fi nalmente ao lado de Deus, seu papel no julgamento
fi nal etc.
O capítulo 3 do Alcorão e o Capítulo 19 (que traz o nome de Maria),
consagram longas passagens à família de Jesus. Elas narram a natividade de sua
211
mãe, Maria, sua juventude, o anúncio a Maria de sua maternidade miraculosa. Jesus
é sempre chamado “Filho de Maria”. Sua ascendência é dada essencialmente
em relação à sua mãe, o que é perfeitamente lógico, pois Jesus não teve um pai
biológico. O Alcorão se separa aqui dos Evangelhos de Mateus e de Lucas que,
como expusemos, deram a Jesus genealogias masculinas, aliás, diferentes, por sua
genealogia materna, Jesus é colocado pelo Alcorão na linha de Noé, Abraão, o
pai de Maria (‘Imran, no Alcorão)
- Capítulo 3, Versículos 33 e 34:
“Sem dúvida que Deus preferiu Adão, Noé, a família de Abraão e a de ‘Imran, aos seus
contemporâneos, Famílias descendentes umas das outras.”
Assim, Jesus descende de Noé e de Abraão por sua mãe, Maria, e do pai
dela, ‘Imran. Os erros nominais dos Evangelhos concernentes à ascendência de
Jesus, as impossibilidades de ordem genealógica do Antigo Testamento no que
concerne à ascendência de Abraão, que se examinou na primeira e na segunda
parte, não se encontram no Alcorão.
Uma vez mais, a objetividade obriga a assimilar o fato porque, uma vez
mais, ele toma toda a sua importância diante das afi rmações sem fundamentos
daqueles que pretendem que Muhammad, autor do Alcorão, teria grandemente
copiado a Bíblia. Perguntemos então o quê ou qual argumento teria podido
dissuadi-lo de copia-Ia, a propósito da ascendência de Jesus, e de inserir aqui no
Alcorão o corretivo que põe seu texto acima de toda crítica, suscitada pelos
conhecimentos modernos, enquanto, em oposição, os textos evangélicos e oi
textos do Antigo Testamento são, sob esse ponto de vista, rigorosamente inaceitáveis.
PARALELO ALCORÃO - ANTIGO TESTAMENTO
E CONHECIMENTOS MODERNOS
Para o Antigo Testamento, alguns aspectos desse paralelo já foram tratados.
Assim é que a criação do mundo, segundo a Bíblia, foi objeto de um estudo
crítico, na parte desta obra consagrada ao Antigo Testamento. O mesmo assunto
foi examinado na versão dada pela Revelação Alcorânica. As comparações
foram feitas. Não há porque voltar a esse assunto.
212
Os conhecimentos históricos são, ao que parece, muito frágeis e os dados
da arqueologia muito reduzidos, para que esses paralelos sejam feitos à luz
dos conhecimentos modernos sobre problemas pertinentes aos reis de Israel,
assunto das narrações comuns ao Alcorão e à Bíblia.
Em relação aos Profetas, é na medida em que os acontecimentos relatados
tiveram (ou não tiveram) uma tradução histórica, que deixaram (ou não
deixaram) traços que chegaram até nós, que podemos ou não abordar esses
problemas com os dados modernos.
Dois assuntos que foram objeto de narrações comuns ao Alcorão e à
Bíblia são susceptíveis de prender nossa atenção e de serem examinadas à luz
dos conhecimentos de nosso tempo. São eles:
- O Dilúvio;
- O Êxodo de Moisés.
- O primeiro, porque não deixou na história das civilizações as marcas
que o relato bíblico endossaria, ao passo que dados modernos suscitam críticas
perante a narração alcorânica.
- O segundo, porque a narração alcorânica e a narração bíblica parecem,
em grandes linhas, completarem-se uma à outra e que os dados modernos parecem
fornecer a ambas um suporte histórico considerável.
O DILÚVIO
RESUMO DA NARRAÇÃO BIBLICA
E DAS CRÍTICAS QUE ELA SUSCITA
O exame da narração do dilúvio, segundo o Antigo Testamento, na primeira
parte do livro. conduziu às seguintes constatações:
Não há um relato do dilúvio na Bíblia, mas dois relatos que foram redigidos
em épocas diferentes:
- A narração Yahvista, datando do século IX A.C.;
213
- A narração, dita Sacerdotal, datando do século VI A.C., e assim chamada
porque ela foi obra dos sacerdotes da época.
Essas duas narrações não são justapostas, mas intricadas; os elementos
de uma, se intercalando entre os elementos de outra, com alternância dos parágrafos
pertencentes a uma fonte, e dos pertencentes à outra fonte. Os comentários
da tradução do Gênesis por R.P. de Vaux, professor da Escola Bíblica de
Jerusalém, mostram perfeitamente esta repartição dos parágrafos entre as duas
fontes: a narração começa e acaba por um parágrafo Yahvista. Dez parágrafos
Yahvistas existem no total; entre cada um deles, é intercalado um parágrafo
Sacerdotal (isto é, nove parágrafos Sacerdotais ao todo). Este mosaico de textos
não apresenta coerência, a não ser sob o aspecto da sucessão dos episódios,
porque há, entre as duas fontes, contradições fl agrantes. São, escritas por R.P. de
Vaux, “duas histórias do Dilúvio, onde o cataclismo é produzido por agentes diferentes
e com uma duração diferente, onde Noé embarca na Arca um número
diferente de animais”.
Em seu conjunto, a narração do Dilúvio é inaceitável, por duas razões, à
luz dos conhecimentos modernos:
a) O Antigo Testamento lhe dá, o caráter de um cataclismo universal;
b) Enquanto que os parágrafos da fonte Yahvista não lhe dão a data,
a narração Sacerdotal o situa, no tempo, a uma época em que um cataclismo
dessa ordem não poderia se produzir.
A narração Sacerdotal acentua que o dilúvio teve lugar quando Noé
tinha 600 anos. Ora, sabemos que, de acordo com as genealogias do Capítulo
5 do Gênesis (de fonte Sacerdotal, elas também, e que foram consignadas na
primeira parte do livro), Noé teria nascido 1056 anos depois de Adão. Em
consequência, o Dilúvio teria tido lugar 1656 anos depois da criação de Adão.
Por outro lado, o quadro da genealogia de Abraão dada peio Gênesis (11:10-32),
segundo a mesma fonte, permite avaliar que Abraão viveu 292 anos depois do
Dilúvio.
Como sabemos que Abraão viveu aproximadamente em 1850 A.C., o
Dilúvio se situaria, portanto, segundo a Bíblia, no século XXII ou XXI A.C. Este
cálculo está rigorosamente conforme as indicações das Bíblias antigas, nas quais
essas precisões cronológicas fi guravam em destaque no texto bíblico, em um
período em que a ausência de conhecimentos humanos sobre esse assunto
fazia com que os dados cronológicos bíblicos fossem, na falta de argumentos
214
contrários, aceitos sem discussão por seus leitores72.
Como se poderia atualmente conceber que um cataclismo universal tivesse
destruído a vida sobre toda a superfície da terra (com exceção dos
passageiros da Arca) no século XXII ou XXI A.C.? Por essa época, tinham já
fl orescido, em diversos pontos da Terra, civilizações, cujos vestígios passaram à
posteridade. Para o Egito, por exemplo, é o período intermediário que segue o
fi m do Antigo Império e o começo do Médio Império. Levando-se em conta o
que sabemos da história dessa época, seria ridículo sustentar que toda civilização
foi então destruída pelo Dilúvio.
Assim, do ponto de vista histórico, podemos afi rmar que a narração
do Dilúvio, tal como a Bíblia a apresenta, está em contradição evidente com os
conhecimentos modernos. A existência das duas narrações é a prova formal da
manipulação das Escrituras pelos homens.
A NARRAÇÃO ALCORÂNICA DO DILÚVIO
O Alcorão não oferece uma narração contínua sobre o Dilúvio. Numerosos
capítulos falam da punição infl igida ao povo de Noé. O relato mais
completo está no Capítulo 11, Versículos 25-49. O Capítulo 71, que leva o nome
de Noé, evocou principalmente a predicação de Noé, como o fazem os Versículos
105-115 do Capítulo 26. Mas, antes de considerar o desenvolvimento dos
acontecimentos propriamente dito, é preciso situar o Dilúvio tal como o relata
o Alcorão a respeito do contexto geral das punições infl igidas por Deus às
coletividades culpadas de terem afrontado, gravemente, Suas recomendações.
Enquanto a Bíblia estabelece um Dilúvio universal para punir toda a humanidade
ímpia, o Alcorão menciona, ao contrário, diversas punições infl igidas
a coletividades bem defi nidas.
- Os Versículos 35-39 do Capítulo 25 informam:
72 - Depois que possuímos certas noções sobre a cronologia dos termos an gos e que
essas fantasias cronológicas dos autores Sacerdotais do An go Testamento não são mais
aceitas, apressou-se em suprimi-las das Bíblias, mas os comentadores modernos dessas
genealogias – que as conservaram – não chamam a atenção dos leitores dos livros de
divulgação sobre os erros que elas contêm.
215
“Havíamos concedido o Livro a Moisés e, como ele, designamos como vizir seu irmão,
Aarão. E lhe dissemos: Ide ao povo que desmentiu os Nossos Sinais. E os destruímos completamente.
E afogamos o povo de Noé quando desmentiu os mensageiros, e fi zemos dele
um sinal para os humanos; e destinamos um doloroso castigo aos iníquos. E (exterminamos)
os povos de ‘Ad, de Thamud, e os habitantes de Arras e, entre eles, muitas gerações. A
cada qual narramos parábolas e exemplifi camos, e a casa um aniquilamos por completo,
devido (aos seus pecados).”
O Capítulo 7, Versículos 59-93, contém uma relação das punições que
feriram o povo de Noé, os ‘Aditas, os Thamuditas, Sodoma, Madiã, isoladamente.
Assim, o Alcorão apresenta o cataclismo do Diluvio como uma punição
reservada especifi camente ao povo de Noé: isto constitui a primeira diferença
fundamental entre as duas narrações.
A segunda diferença essencial é que o Alcorão, contrariamente à Bíblia,
não situa o Diluvio no tempo e não dá nenhuma indicação da duração do cataclismo.
As causas da inundação são mais ou menos as mesmas nas duas narrações.
A narração Sacerdotal da Bíblia (Gênesis, 7: 11) cita duas delas que são
conjugadas: “Naquele dia jorraram as fontes do grande abismo e as eclusas do
céu se abriram”. O Alcorão fi xa, nos versículos 11-12 do capítulo 54:
“Então abrimos as portas do céu, com água torrencial (que fi zemos descer). E fi zemos brotar
fontes da terra, e ambas as águas se encontraram na medida predestinada.”
O Alcorão é muito explícito sobre o conteúdo da Arca. A ordem foi dada por
Deus a Noé e executada fi elmente, colocando a bordo o que ia sobreviver do
cataclismo:
“Até que, quando se cumpriu o Nosso desígnio e jorraram as fontes (da terra), dissemos (a
Noé): Embarca nela (a arca) um casal de cada espécie, juntamente com a tua família, exceto
aquele sobre quem tenha sido pronunciada a sentença, e embarca os que creram. Mas não
creram com ele, senão poucos.”
O excluído da família é um fi lho maldito de Noé, a respeito do qual os
Versículos 45-46 desse mesmo capítulo, nos esclarecem que os rogos de Noé,
feitos a Deus, não poderiam modifi car a decisão. O Alcorão menciona, a bordo
da Arca, além da família amputada de seu fi lho maldito, outros passageiros,
pouco numerosos, que haviam acreditado em Deus.
216
A Bíblia não cita esses últimos, entre os ocupantes da Arca. Ela apresenta,
com efeito, três versões do conteúdo da Arca:
- segundo a narração Sacerdotal: Noé, sua própria família, sem exceção, e
um casal de cada espécie;
- segundo a narração Yahvista, é feita distinção entre, de um lado, animais
puros e pássaros e, de outro lado, animais impuros (dos primeiros, a Arca colheu
sete73 de cada espécie, machos e fêmeas; dos segundos, um casal somente);
- segundo um versículo Yahvista modifi cado (Gênesis 7:8), um casal de
cada espécie, puro ou impuro.
A narração da inundação propriamente dita contida no Capítulo 11, Versículos
25-49 e no Capítulo 23, Versículos 23-30 e a narração bíblica não apresentam
diferenças particularmente signifi cativas.
O lugar onde a Arca encalha é, para a Bíblia, os montes do Ararat (Gênesis
8:4); para o Alcorão, o “Joudi” (Capítulo 11, Versículo 44). Essa montanha
seria o ponto culminante dos montes do Ararat na Armênia, mas ninguém
prova que os homens não procederam a troca de nomes para igualar as duas
narrações. R. Biachère afi rma. Segundo esse autor, haveria uma montanha com o
nome “Joudi”, na Arábia. A concordância dos nomes pode ser artifi cial.
Em defi nitivo, existem divergências importantes entre as narrações alcorânicas
e nas narrações bíblicas. Algumas escapam a qualquer exame crítico
por falta de dados objetivos. Mas quando se trata de verifi car os enunciados
das Escrituras com a ajuda de dados certos, a incompatibilidade da narração
bíblica - na apresentação do Diluvio no tempo e sua extensão -, com as aquisições
do conhecimento moderno posta nitidamente em evidência. Ao contrário,
a narração Alcorânica se verifi ca isenta de todo elemento que suscite a crítica
objetiva. Entre a época da narração bíblica e a narração alcorânica, os homens
teriam adquirido as informações que poderiam lançar alguma luz sobre tal
acontecimento? Seguramente não, porque, do Antigo Testamento ao Alcorão, a
única documentação em posse dos homens sobre essa história antiga era precisamente
a Bíblia. Se fatores humanos não podem explicar as modifi cações nas
narrações, operadas visando à concordância com os conhecimentos modernos,
é preciso aceitar uma outra explicação: uma Revelação posterior àquela contida
na Bíblia.
73 - Sete não signifi cava, como frequentemente nessa época nas línguas semí cas, uma
mul dão.
217
O ÊXODO DE MOISÉS
Com o êxodo de Moisés e seu grupo fora do Egito, primeira etapa de
sua instalação em Canaã, aborda-se um acontecimento de capital importância;
um acontecimento histórico, verídico, inserido num contexto conhecido, a despeito
de alegações que encontramos aqui e ali e que tentam conferir-lhe apenas
um caráter legendário.
No Antigo Testamento, o Êxodo forma, com a narração da marcha no
deserto após a saída do Egito e aquela da aliança que Deus concluiu no Monte
Sinai, o segundo livro do Pentateuco ou Tora. O Alcorão lhe dá, naturalmente,
também um lugar muito grande: a narração das relações de Moisés e de seu
irmão Aarão com o Farão, e mesmo a da saída do Egito, são encontradas em
mais de dez capítulos, com longas narrações, como nos Capítulos 7, 10, 20 e 26,
ou então em narrações mais condensadas ou mesmo de simples referência. O
nome do Faraó, personagem central do lado egípcio, é repetido setenta e quatro
vezes no Alcorão e em vinte e sete capítulos, salvo engano.
O estudo das duas narrações, alcorânica e bíblica, apresenta aqui um interesse
particular, porque, à diferença do que vimos para o Dilúvio, por exemplo,
as duas narrações são aqui superpostas, no que é essencial. Há, seguramente,
algumas divergências, mas a narração bíblica tem um valor histórico considerável,
como veremos, pois que ela esclarece a identifi cação do Faraó, ou melhor,
dos dois faraós concernentes e o Alcorão pode, nesta hipótese, como ponto
de partida bíblico, trazer uma informação complementar. A essas duas fontes
escriturárias acrescentam-se os dados modernos da egiptologia, e é assim que,
confrontando o Alcorão, a Bíblica e os conhecimentos de nosso tempo, chega-
-se a situar o episódio das Escrituras Santas num contexto histórico.
O EXODO SEGUNDO A BÍBLIA
A narração bíblica começa por lembrar a entrada no Egito dos Judeus
que, com Jacó, ali reencontraram José. Depois, “um novo rei sobe ao poder no
Egito, que não tinha conhecido José” (Êxodo, l: 8). E o período da opressão, o
faraó impondo aos judeus a construção de cidades às quais a Bíblia dá os nomes
218
de Pitom e de Ramsés. Para evitar uma expansão demográfi ca entre os Hebreus,
o faraó determina jogar no rio toda criança recém-nascida do sexo masculino.
Moises será, entretanto, conservado três meses depois de seu nascimento por
sua mãe, mas ela deve fi nalmente ter se resolvido a deixá-lo em uma cesta de
junco à borda do rio. A fi lha do faraó ali o descobre, o recolhe e o deixa para
que o amamente, precisamente, na casa sua própria mãe, porque a irmã de
Moisés, que fi cara feliz por ver que recolheram o bebê, fi ngiu não o conhecer
e recomendou à princesa uma ama, que não ela outra senão mãe da criança. Ele
é tratado como fi lho do faraó e o nome de Moisés lhe é dado.
Moisés, ainda jovem, parte para o país de Madiã, onde se casa e permanece
muito tempo. Detalhe importante: “No decorrer desse longo período, o
rei do Egito morreu”, lê-se no livro Êxodo (2:23).
Deus ordena a Moisés ir procurar o faraó e fazer sair seus irmãos do
Egito (a narração desta ordem é feita no relato do episódio da sarça ardente).
Aarão, irmão Moises o ajudará nessa tarefa. É porque, de retorno ao Egito,
Moisés se encontra com seu irmão junto ao faraó, que é o sucessor daquele
sob o reino do qual ele havia nascido, há muito tempo.
O faraó recusa aos judeus do grupo de Moisés a deixar o Egito. Deus
se manifesta de novo a Moises e lhe ordena renovar ao faraó o mesmo pedido.
Moisés tem então oitenta anos, segundo a Bíblia. E1e demonstra ao faraó, por
magia, que tem poderes sobrenaturais. Isto não é sufi ciente: Deus envia então
sobre o Egito as pragas bem conhecidas: as águas dos rios se transformaram
em sangue, a invasão de sapos, mosquitos, gafanhotos, a morte dos rebanhos, o
aparecimento de tumores sob a pele dos homens e dos animais, a chuva de pedras,
as trevas, a morte dos primogênitos; mas o faraó continua a não permitir
a saída dos hebreus.
Eles escapam então da cidade de Ramsés, em número de 600.000 homens74,
“sem contar suas famílias” (Êxodo 12:37).
É então que o “faraó fez atrelar seu carro e conduziu seu exército. Ele
tomou seiscentos de seus melhores carros e todos os carros do Egito, com
ofi ciais sobre todos eles... O rei do Egito se lançou em perseguição aos israelitas,
que saíram de braço erguido” (Êxodo, 14 6 e 8). Os egípcios alcançaram o grupo
de Moisés junto ao mar. Moisés levanta seu bastão, o mar se abriu diante dele,
seus homens por ali passaram com os pés secos. “E os egípcios seguiram-nos
e entraram atrás deles com todos os cavalos do faraó, os seus carros e os seus
74 - Veremos mais adiante que a cifra foi manifestadamente aumentada.
219
cavaleiros, até o meio do mar” (Êxodo 14:23). “As águas retornaram e recobriram
os carros e os cavaleiros de todo o exército do faraó, que havia penetrado atrás
deles no mar. Não restou um só” (Êxodo 14 28 e29).
O texto do Livro do Êxodo é perfeitamente claro: o faraó se encontrava
à frente dos perseguidores. Ele morre, visto que o Livro do Êxodo acentua
“Não restou um só”. A Bíblia retoma, aliás, esse detalhe nos Salmos de Davi:
Salmo 106, Versículo 11 e Salmo 136, Versículos 13-15, que são uma ação de graça
“a Aquele que cortou em dois o Mar Vermelho, que fez passar Israel ao meio
e precipitou faraó e seu exército no Mar Vermelho”. Não há dúvida, portanto,
que, segundo a narração bíblica, o faraó do Êxodo morreu no mar. A Bíblia não
diz uma palavra sobre o que aconteceu com o seu corpo.
O EXODO SEGUNDO O ALCORÃO
Nas grandes linhas, a narração alcorânica do Êxodo é análoga à narração
bíblica. É preciso reconstitui-la, porque ela é feita de elementos dispersos em
numerosas passagens do Livro.
Não mais que a Bíblia, o Alcorão não menciona um nome de personagem,
que permita identifi car qual era o faraó reinante, no momento do Êxodo.
Tudo o que sabemos, é que uma das personagens do Conselho se chamava
“Hamã”; ele é citado seis vezes no Alcorão (Capítulo 28,Versículos 6,8 e 38;Capítulo
29,Versículo 39; Capítulo 40, Versículos 24 e 36).
O faraó é opressor dos judeus:
- Capítulo 14, Versículo 6:
“Recordai-vos de quando Moisés disse ao seu povo: Lembrai as graças de Deus para
convosco ao libertar-vos do povo do Faraó, que vos infl igia o pior castigo, sacrifi cando os
vossos fi lhos e deixando com vida as vossas mulheres. E nisso tivestes uma grande prova
do vosso Senhor!”
A opressão d relembrada, nos mesmos termos, no Versículo 141 do Capítulo
7. Mas o Alcorão não menciona, como o faz a Bíblia, os nomes das cidades
construídas pelos judeus, submetidos ao trabalho forçado.