2.2 PROBLEMAS NO EVANGELHO DE MATEUS
a) Mateus esperava que o Fim do Mundo seria durante a vida de Jesus, antes dos
discípulos completarem as suas missões nas cidades israelitas [10:23]. Para ele, o
Fim do Mundo seria antes dos contemporâneos de Cristo, que receberam os seus
ensinamentos, irem ao encontro do Criador [16:28]; e a geração que viveu no
tempo de Jesus e na época dos seus discípulos iria morrer [S. Mateus 24:29-34].
Assim como diz John Phanton, é óbvio que nenhuma das predições de Mateus
aconteceu, nem o Fim do Mundo e nem a volta de Cristo, apesar de terem
passado cerca de dois mil anos após a morte da geração contemporânea dele.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 139
b) É um facto reconhecido de que Mateus baseou a escrita do seu Evangelho
no Evangelho de Marcos, que foi o primeiro de todos. A questão que se coloca
é: Como é que Mateus, que foi discípulo de Jesus e que o acompanhou desde
o início da sua missão, baseou-se no Evangelho escrito por Marcos, que foi
aluno de Pedro?
Como é que um discípulo se baseia na informação dum indivíduo que nem
se quer era discípulo directo? Em termos isslâmicos, a questão seria: Como é
que um Sahábi (companheiro do profeta Muhammad ) pode basear-se num
Tábi (companheiro de Sahábah que não se encontrou com o Profeta )?
Isto mostra que o autor do Evangelho de Mateus não foi o discípulo de Jesus
conhecido com esse nome mas sim um outro escritor ou conjunto de escritores.
Ponderemos sobre o seguinte versículo [9:9]: “Partindo dali, Jesus viu um
homem chamado Mateus sentado no posto de cobrança e disse-lhe: “Sigame!”,
e ele levantou-se e seguiu-o”.
Se o Mateus que estava sentado no posto de cobrança era um dos discípulos de
Jesus, então os pronomes “lhe” e “ele” mencionados neste versículo não podem se
referir ao Mateus, autor deste Evangelho. Logo, chega-se à conclusão de que uma
outra pessoa com o nome de Mateus escreveu sobre Jesus e Mateus, o discípulo.
c) Consta neste Evangelho [12:38-40] que um povo de judeus pediu um milagre
a Jesus. Então, alguns senhores da lei e fariseus disseram a Jesus: “Mestre!
Queremos ver o senhor fazer um milagre”. Jesus respondeu: “Como as pessoas
de hoje são más e sem fé! Vocês me pedem que faça um milagre, mas o milagre
do profeta Jonas é o único sinal que lhes será dado; pois tal como Jonas fi cou três
dias e três noites na barriga dum grande peixe, assim também o fi lho do homem
fi cará três dias e três noites no fundo da terra” [vide também S. João 19:31, S.
Lucas 23:45-50 e S. Lucas 24:1-3]. Contudo, Jesus não fi cou três dias e três
noites; fi cou apenas um dia (Sábado) e duas noites (Sexta-feira e Sábado).
Consta ainda no Evangelho de Mateus [26:64]: “Mas eu afi rmo a vocês que de
agora em diante, vocês virão o fi lho do homem sentado do lado direito de Deus
Todo-Poderoso e descendo das nuvens do céu”, mas nada disso aconteceu; o que
os judeus viram foi um homem crucifi cado a quem julgavam tratar-se de Cristo.
d) Outro problema deste Evangelho está no conteúdo da sua conclusão, onde
os teólogos lançam dúvidas e o consideram falso. Segundo essa conclusão
140 Parte III – História da Bíblia
[28:19], Jesus disse aos seus discípulos: “Ensinai todas as nações, baptizailhes
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Segundo Adolph Henrik, um dos maiores teólogos ao longo da história
cristã, “é duvidoso que a doutrina da Trindade tenha sido mencionada por
Jesus; ela não tinha infl uência no tempo dos missionários”. Ou seja, a ideia
da Trindade e a universalidade da missão de Jesus não eram comuns na era
dos discípulos; portanto, tal doutrina merecia ser mencionada se tivesse sido
referida pelo próprio Jesus [Adolph Henrik].
3.1 EVANGELHO DE LUCAS
Este terceiro Evangelho foi escrito algures na Grécia, por volta dos anos 80
DC, local onde também se diz ter falecido, com a idade de 84 anos.
De facto, Lucas inicia o seu Evangelho com uma introdução explicando o
que se passava no início do Cristianismo:
“Visto que muitos empreenderam em compor uma narração dos factos que entre
nós se consumaram tal como nos foram transmitidos por aqueles que desde o
início foram testemunhas oculares e se tornaram “servidores da palavra”, resolvi
eu também, depois de ter investigado tudo cuidadosamente desde a origem,
expô-lo a ti por escrito e pela sua ordem, caríssimo Teófi lo, a fi m de reconhecer
a solidez da doutrina em que foste instruído”.
Esta introdução leva-nos a tomar em consideração sobre alguns pontos:
1. Lucas pensou em executar esta tarefa como um motivo meramente pessoal
e para que o seu amigo pudesse familiarizar-se com as informações que
detinha. Ele reconheceu que o conhecimento que possuía provinha do seu
trabalho, pois tinha o hábito de registar o trajecto de todas as coisas.
2. Ele referiu ainda o facto de que muitos se aventuraram para a composição
dos Evangelhos.
3. Lucas escreveu a sua Mensagem dependendo da informação que recebeu
daqueles que estavam próximos de Jesus. Para além disso, é bem conhecido
que Actos, o livro mais longo do Novo Testamento, é a segunda parte da
mensagem de Lucas a Teófi lo.
4. Os teólogos procuraram saber quem foi Teófi lo, o tal amigo para quem
Lucas escreveu; contudo, não chegaram a alguma conclusão específi ca.
Fredrik Grant afi rma: “Nós não sabemos quem foi Teófi lo, podia ser um
clérigo romano, assim como não sabemos dessa multidão que narrou
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 141
lendas semelhantes. Apesar deste assunto estar baseado apenas em meras
possibilidades incertas (duvidosas), não seria difícil para o compositor do
Evangelho de Lucas ter colhido a informação na Palestina ou Síria no início
dos anos 70/80 DC, juntá-la à parte mais volumosa do Evangelho de Marcos
e depois terminar a compilação nos anos 80/85 DC. Cerca de cinco anos
mais tarde, o compositor terminou o livro original com a segunda mensagem
conhecida por “Actos dos Apóstolos”; fi nalmente, o livro completo foi
publicado em 95 DC”.
Disto tudo, pode-se concluir o seguinte:
• Lucas não foi testemunha ocular de Jesus, ou seja, não o viu e nem foi um
dos seus discípulos.
• Ele não era judeu mas sim um médico e fotógrafo que foi discípulo e companheiro
de viagem de Paulo. O seu nome não consta na lista dos doze discípulos
de Jesus, tal como se pode constatar em [S. Mateus 10:1-4], [S. Lucas 6:13-
16] e [Actos 1:13].
• Na sua mensagem, Lucas não reivindicou que tinha sido inspirado ou que
escreveu por ordem do Espírito Santo; simplesmente achou que era uma
boa ideia compilar esse Evangelho.
• O Evangelho de Lucas era apenas uma mensagem pessoal para um amigo
e não para toda a humanidade.
3.2 PROBLEMAS NO EVANGELHO DE LUCAS
a) Alguns teólogos são da opinião que muitos assuntos abordados nos Actos
dos Apóstolos contradizem completamente com os ensinamentos mencionados
nas missões de Paulo; portanto, não tem lógica acreditar que essas missões
foram escritas por alguém que estivesse familiarizado com Paulo e suas
viagens missionárias (registadas nos Actos dos Apóstolos, ao ponto desta obra
ser conhecida por vezes como “Livro dos Actos de Paulo”) [George Kird].
Portanto, o autor deste Evangelho continua desconhecido [Micropaedia].
b) O Evangelho de Lucas passou pelas mesmas modifi cações que outras versões
do Novo Testamento sofreram. Contudo, o texto ocidental do Evangelho e os
Actos dos Apóstolos apresentam muitas divergências, quer por conter informação
adicional ou a menos, quer pelas diferenças encontradas noutros textos do mesmo
Evangelho, tal como o de Alexandria ou Bizantina [George Kird].
142 Parte III – História da Bíblia
c) Existe um outro problema que emanou sobre as diferenças relacionadas à
genealogia de Jesus em relação àquilo que foi mencionado por Lucas, Mateus
e no Antigo Testamento. Consta no Evangelho de Lucas que o Arcanjo Gabriel
deu a boa-nova à Maria sobre o nascimento de Jesus, dizendo-lhe:
“Não tenha medo, Maria! Deus está contente consigo; você fi cará grávida, dará
à luz um fi lho e dará a ele o nome de Jesus; ele será um grande homem e será
chamado de fi lho de Deus Altíssimo. Deus, o Senhor, vai torná-lo rei, como foi
o antepassado dele, o rei David; ele será para sempre o rei dos descendentes do
rei Jacob, e o seu reino jamais acabará”.
A realidade que todos conhecem é que Jesus não reinou sobre os judeus e
nem governou como o seu pai David!
4.1 EVANGELHO DE JOÃO
Os Evangelhos de Marcos, de Mateus e de Lucas são conhecidos como
“Evangelhos sinópticos”, por terem muito em comum e por precederam todos
do mesmo documento que se perdeu.
O quarto Evangelho, de João, é muito diferente dos restantes, quer pelo
conteúdo quer pelo estilo. Ele fala sempre na terceira pessoa, como se não
tivesse presenciado os acontecimentos; para além disso, existem muitas outras
diferenças quanto ao tempo e lugar das actividades de Jesus.
A divindade “eu e o Pai somos um” [10:30], “quem vê a mim vê o Pai” [14:9],
“eu estou no Pai e o Pai está em mim” [14:10] e a pré-existência de Jesus, tudo
isso é mencionado apenas neste Evangelho.
Diz-se que João fez trabalho de missionário em Efêsus, na Turquia ocidental,
onde veio a falecer com uma idade avançada nos fi nais do primeiro século.
4.2 PROBLEMAS NO EVANGELHO DE JOÃO
a) Segundo a enciclopédia Americana, “existem contradições notáveis entre
o Evangelho de João e os Evangelhos semelhantes”. As contradições entre
este Evangelho e os outros três são tantas que se tomar em consideração os
três Evangelhos sinópticos como verdadeiros, o resultado implicaria de que
o quarto (de João) não é verdadeiro.
Os peritos bíblicos actuais duvidam da genuinidade não só das opiniões
pessoais do autor expressas neste Evangelho como também das palavras que
ele colocou na boca de Jesus.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 143
b) Quem foi o João, autor do Evangelho, para quem o escreveu, em que
referências se baseou, onde realmente ele viveu e quando é que escreveu o
seu volume, são perguntas cujas respostas são várias e diferentes.
Não há teólogo independente que considera este Evangelho como sendo obra
de João, fi lho de Zebedeu, que segundo R. H. Charles, Alfred Loisy, Robert
Eisler e outros teólogos, foi decapitado pela ordem do rei Agripa I no ano 44
DC, muito antes do quarto Evangelho ter sido escrito.
Consta que o Evangelho de João foi escrito em Efêsus ou próximo daí, entre
os anos 110 e 115 DC, por um autor desconhecido que tinha tendências antisemitas
e que considerava os judeus como sendo inimigos de Jesus.
5. SINOPSE SOBRE OS QUATRO EVANGELHOS
Tal como se pôde constatar, nada comprova ou confi rma que estes Evangelhos
foram realmente compilados por Marcos, Mateus, Lucas e João. Mais ainda,
nenhum destes afi rmou de que as suas obras eram compostas por palavras
que provinham de inspiração Divina.
Para além destes quatro Evangelhos, existiram outros que foram escritos
nos primeiros séculos do Cristianismo, tal como os “Evangelhos segundo os
Hebreus”, escritos em Aramaico e utilizados pelos nazarenos, que negam a
divindade de Jesus e o consideram apenas como um grande profeta de Deus (os
muçulmanos também partilham esta opinião), e o “Evangelho de Barnabé”, que
foi um discípulo de Jesus e cujo nome e actividade estão mencionados nos Actos
dos Apóstolos, na Epístola de Colossensses e na Epístola dos Gálatas, que indica
de forma clara a vinda do profeta Muhammad , mencionando o seu nome.
Os quatro famosos Evangelhos falam-nos muito pouco sobre a vida de Jesus.
Por exemplo, não menciona acerca da sua fi sionomia ou vida sexual, dos
pormenores da sua relação com a mãe, com José (seu pai) ou com os familiares,
não fala como ele passou os seus trinta anos ou sobre a sua concepção religiosa
antes de iniciar a missão, nem relata a respeito da sua vida entre os doze e os
trinta anos de idade, etc.
Para que um profeta ou mensageiro seja considerado como um modelo de
pessoa, deve focalizar todos os aspectos da vida, para que dessa forma possa
servir de exemplo para toda a humanidade.
144 Parte III – História da Bíblia
Nos fi nais do segundo século, estes Evangelhos foram autorizados e incluídos
nos canónicos, sendo os restantes declarados heréticos e apócrifos pela Igreja.
Portanto, duma ou doutra forma, o que se fez foi seleccionar quatro Evangelhos
de entre outros.
Do ponto de vista isslâmico, os quatro Evangelhos assemelham-se mais aos
trabalhos de Sirah (biografi a do profeta Muhammad ) do que aos livros que
foram revelado por Deus aos Seus mensageiros, tais como o Pentateuco e o
sagrado Al-Qur’án.
Por outras palavras, os companheiros de Jesus e seus sucessores prepararam
uma colecção de memórias da vida do seu profeta, em que as palavras dele
foram incorporadas num e noutro sítio. Infelizmente, o que conta para a
comunidade cristã é a decisão da Igreja e não as palavras de Jesus.
Se basearmos na fé cristã segundo a qual Jesus é Deus, então diremos que estes
Evangelhos não foram revelados a Jesus, pois um Deus não necessita de guia
nem de livro. Para além disso, existe unanimidade de que Jesus não ditou esses
Evangelhos a qualquer escrivão e de que os mesmos não foram escritos durante
a sua vida mas sim após a sua morte, através de dois dos seus discípulos e dois
seguidores; estes são factos nos quais não existe divergência alguma.
SERÁ QUE ESTES EVANGELHOS SÃO AUTÊNTICOS?
Para se apurar até que ponto os quatro Evangelhos canónicos apresentam
fi elmente a mensagem que Jesus recebeu através da revelação Divina, devemos
tomar em consideração os seguintes pontos:
1. Durante a vida de Jesus, não foi escrita qualquer revelação Divina que ele
recebia. Os primeiros registos logo após a crucifi cação de Jesus foram feitos
quando a sua glorifi cação já tinha começado; porém, todos esses registos se
perderam por completo.
2. Os Evangelhos compilados entre os anos 70 e 115 DC foram elaborados com
bastante liberdade e os evangelistas não hesitaram em alterar o seu conteúdo,
pois achavam que isso iria glorifi cá-lo ainda mais, ou então, para fazerem-no
estar em conformidade com a convicção da seita a que pertenciam.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 145
3. Nenhum dos evangelistas tinha conhecido Jesus pessoalmente ou ouvido dele
directamente, ou seja, os compositores dos Evangelhos não foram testemunhas
oculares daquilo que escreveram.
Por exemplo, Mateus não testemunha que viu com os seus próprios olhos os
acontecimentos que narrou, pois certamente que não testemunhou o julgamento
de Jesus durante os três dias perante os judeus, Pilatos e Herodes; também
não presenciou o evento da crucifi cação nem do enterro de Jesus, apesar de
ter narrado tudo isso no seu Evangelho. Isso é algo evidente pois todos os
discípulos de Jesus fugiram quando ele foi capturado, assim como conta o
próprio Mateus no seu Evangelho [26:56].
Quanto a Marcos, nem sequer foi discípulo de Jesus; portanto, não participou
nas sessões especiais que eram limitadas aos doze discípulos, não estava com
ele na noite em que foi preso, não presenciou o seu julgamento e nem a sua
reaparição. O sacerdote Papias afi rma que Marcos não ouviu directamente de
Jesus, ou seja, não foi testemunha de tudo aquilo que escreveu.
O próprio Lucas reconhece no seu prefácio que não foi testemunha dos
acontecimentos da vida de Jesus, mas que obteve essas informações através
doutras testemunhas.
João é único que é considerado como testemunha da vida de Jesus durante a sua
pregação. Porém, existem muitos acontecimentos que os outros três Evangelhos
mencionam mas não são referidos por João, indicando a possibilidade desse
testemunho ser falso, pois se ele estivesse presente nesses momentos importantes,
os teria mencionado no seu Evangelho.
Por exemplo, não relatou pormenores referentes à Última Ceia, considerado um
dos acontecimentos de grande importância para o Cristianismo e que constam
nos outros Evangelhos; não referiu o julgamento de Jesus perante Herodes,
governador da Galileia, que Lucas menciona [33:7-9]; não mencionou que as
paredes do templo se fenderam, que o Sol escureceu, que a terra estremeceu,
que as rochas se fenderam, que as campas se abriram quando Jesus foi
crucifi cado, factos estes que se encontram narrados nos outros Evangelhos.
4. Todos os Evangelhos foram escritos em Grego, enquanto que a idioma falado
por Jesus era Aramaico – a língua falada na Palestina entre os judeus de então.
146 Parte III – História da Bíblia
Thomas Michel afi rma no seu livro “Um Cristão Apresenta a Sua Fé aos
Muçulmanos”: “O cânone do Novo Testamento foi fi xado entre os anos 150
e 200 e desde então aceite por todos os cristãos; todos os livros do Novo
Testamento foram escritos na língua grega. Alguns achavam possível que o
Evangelho segundo Mateus tivesse sido escrito originalmente em Aramaico –
a língua de Jesus e dos seus apóstolos, mas parece que não há muita evidência
histórica ou linguística para isso”.
Será que quando não há evidência dos livros terem sido escritos na língua das
pessoas que estavam envolvidas nos acontecimentos a serem narrados, existe
garantia da sua autenticidade? Um provérbio popular diz: “Quem conta um
conto acrescenta um ponto!”
5. Conforme foi mencionado anteriormente, para além destes Evangelhos
que foram seleccionados existem outros que foram banidos, pois os primeiros
representavam os pontos de vista e convicção duma facção especifi ca, escolhidos
para servir os seus objectivos.
6. Os manuscritos mais antigos e conhecidos dos Evangelhos – o Códex
Sinaiticus, Códex Vaticanus e Códex Alexandrianus – pertencem aos séculos
IV e V; portanto, não se sabe até que ponto os Evangelhos foram alterados
durante todo aquele período (quatro ou cinco séculos) e não existe qualquer
comprovativo ou informação autêntica sobre a maneira como os quatro
Evangelhos foram compilados, muito menos sobre a identifi cação exacta da
entidade ou do local onde a legalidade dos mesmos havia sido determinada.
Nesses mesmos manuscritos, existem diferenças consideráveis sobre vários
aspectos mencionados nos Evangelhos; por exemplo, sobre a genealogia de
Jesus, sobre os nomes dos discípulos, etc.
7. Portanto, conclui-se que os quatro Evangelhos foram escritos por pessoas, datas
e locais desconhecidos, são diferentes entre si e se contradizem em muitos aspectos;
se os tomarmos como um todo, veremos que contêm inúmeras discrepâncias. E
todos sabemos que numa revelação Divina, não pode existir incoerências.
Tudo isso nos leva a crer de que a revelação que Jesus recebeu por parte de
Deus na forma de Injil (Evangelho) não nos chegou na sua forma original
e nem foi preservada, pois Ele não prometeu fazê-lo, ao contrário do que
aconteceu com o sagrado Al-Qur’án.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 147
A HISTÓRIA DA BÍBLIA
O termo “Bíblia” provém do grego que signifi ca “livro”, donde se originam palavras
como “biblioteca” (centro de leitura) e “bibliografi a” (conjunto de livros).
Actualmente, a Bíblia cristã é constituída por duas partes: Antigo Testamento
e Novo Testamento. Os judeus rejeitam as escrituras deste último e crêem
apenas no Antigo Testamento, denominado por eles também como Tanakh, que
abrange três grupos de livros: o Pentateuco ou Torah, os Livros dos Profetas ou
Nevi’im e os chamados Escritos ou Ketuvim.
A edição actual do Antigo Testamento é composta por 39 livros; originalmente
eram 56, dos quais 17 foram suprimidos de forma que os seus rastos
já não existem.
Entretanto, o capítulo 34 do Deuteronómio descreve a morte do próprio autor
(Moisés), a sua idade fi nal (120 anos) e o seu enterro; fala ainda que os judeus
observaram o luto durante trinta dias após a morte de Moisés e de que até hoje
não se sabe onde se localiza a sua campa. Está claro que assuntos ocorridos
após a morte de Moisés não poderiam ser revelados a ele próprio; portanto,
isso indica que esses factos não foram transmitidos por Moisés mas sim
escritos por alguém mais muito depois da sua morte, comprovando que não
se trata duma revelação Divina [vide ainda Êxodo 3:11 e Números 3:12].
O Novo Testamento, também conhecido por “Escrituras Gregas”, é o nome dado
à parte da Bíblia que foi escrita após o nascimento de Jesus; foi originalmente
usado pelos primeiros cristãos para descrever suas relações com Deus [vide
II Coríntios 3:6-15 e Hebreus 9:15-20] e posteriormente para designar uma
colecção específi ca de 27 livros.
A Bíblia foi traduzida para o latim no século IV por S. Jerónimo, quem pela
primeira vez chamou de “Biblioteca Divina” ao conjunto de livros formados
pelos dois Testamentos. Esta edição, denominada “Vulgata”, é ainda o texto
bíblico ofi cial da Igreja Católica Romana.
Tal como se referiu anteriormente, não existia qualquer Evangelho no primeiro
século após o desaparecimento de Jesus. Todas as edições contemporâneas
da Bíblia foram originadas por humanos; de cada vez que surgia uma nova
versão, vários versículos eram omitidos ou alterados.
148 Parte III – História da Bíblia
Em 1870, foi nomeada uma comissão cujo objectivo era eliminar os erros
contidos na Bíblia; em 1884, a reescrita estava completa e a “nova” Bíblia
foi intitulada de “edição revista”. Porém, em 1901 os americanos publicaram
a sua própria versão.
No entanto, quando em 1931 se descobriu os manuscritos gregos mais antigos,
constatou-se que a Bíblia outrora revista também continha erros; mais uma
vez se procedeu à sua revisão e reescrita, por uma comissão constituída por
32 teólogos. Estes poderiam efectuar qualquer alteração caso a mesma fosse
concordada por dois terços dos membros.
Este “autêntico e genuíno” trabalho foi aceite e considerado pelo Conselho
Nacional das Igrejas de Cristo, que mais tarde, em 1952, foi publicado com
o título de “Revised Standard Version”.
Vejamos o que consta na “Encyclopaedia Britannica” acerca da Bíblia:
• “O estudo dos textos hebraicos e gregos fi nalmente dissolveu o fundamento
pelo qual a doutrina da inspiração tinha mantido a Bíblia inteira como um
produto Divino homogéneo”.
• “As discrepâncias e desarmonias nas escrituras já não podiam mais ser
disfarçadas”.
• “O fi lósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) observou que o Pentateuco
parece ser acerca de Moisés ao invés de ser de Moisés”.
A Bíblia já foi traduzida várias vezes para a língua inglesa:
1. A primeira tradução foi feita por Tyndale em 1525;
2. A segunda foi feita por Coverdale em 1535;
3. A terceira tradução, conhecida por “Great Bible Translation”, foi feita em 1539;
4. A quarta foi realizada em 1540;
5. A quinta tradução, chamada “The Geneva Bible”, foi feita em 1560;
6. A sexta, denominada “Bishop Bible”, foi feita pelo Bispo Parker.
Quando o rei James da Inglaterra subiu ao trono em 1603, foi questionado
sobre a autenticidade da Bishop Bible, pois estava repleta de erros geográfi cos,
históricos e factuais. Então, o rei nomeou uma comissão constituída por 47
teólogos cujo objectivo era eliminar os erros desta última versão da Bíblia. A
comissão traduziu então a Bíblia mais uma vez e a publicaram em 1611, que
foi chamada de “Authorized Version of the Bible”.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 149
Em Português, os mais antigos registos traduzidos da Bíblia provêm do fi nal
do século XV. Porém, passaram vários anos até que em 1753, a primeira
versão completa estivesse disponível em três volumes.
Em 1663, João Ferreira de Almeida foi quem iniciou a tradução do Novo
Testamento directamente do grego. Embora tenha terminado o seu trabalho
somente treze anos depois, começou também a tradução do Antigo Testamento
a partir dos originais em hebraico.
Em 1681, foi publicada na Holanda a tradução de Almeida do Novo Testamento.
Porém, foi imediatamente recolhida pois apresentava erros tipográfi cos e requeria
um trabalho de revisão urgente; uma nova impressão foi feita em 1693.
Almeida não chegou de ver o Novo Testamento revisto a ser impresso, pois
faleceu em 1691 sem terminar também o Antigo Testamento. A tradução
deste último foi terminada por Jacobus Akker em 1694, mas problemas de
revisão novamente atrasaram a publicação do trabalho.
Em 1748, foi publicado na Holanda o primeiro volume do Antigo Testamento,
e em 1753, o segundo volume do trabalho iniciado por Almeida. A primeira
impressão completa da Bíblia em português, num único volume, aconteceu
em Londres no ano de 1819.
No fi nal do século XIX, foi feita uma grande revisão na versão de Almeida e
esse trabalho fi cou conhecido como “Bíblia na Versão Revista e Corrigida de
Almeida”. Embora com palavras bem eruditas e construções gramaticais de
difícil compreensão, ainda hoje é uma versão muito apreciada.
No século XX, uma comissão de especialistas passou anos a rever essa tradução
e publicou-se então a versão Revista e Actualizada de Almeida (1ª edição). Essas
duas versões, a Revista e Corrigida (RC) e Revista e Actualizada (RA), passaram
posteriormente por actualizações gramaticais e são actualmente conhecidas
como “Versão de Almeida Revista e Corrigida” (2ª edição, 1995) e “Versão de
Almeida Revista e Actualizada” (2ª edição, 1993), respectivamente.
São versões após versões, quer sejam revistas, rectifi cadas ou actualizadas,
que nos suscitam várias dúvidas:
a) Onde está a versão original da Bíblia que foi revelada a Jesus? Será que se
pode encontrar uma Bíblia na sua língua genuína, falada por Jesus e ditada
por este aos seus discípulos?
150 Parte III – História da Bíblia
b) Como é que cada povo falante duma língua diferente possui a sua versão
da Bíblia? Afi nal não existe uma universalidade da palavra de Deus?
c) Como é que se admite que a palavra do Criador apresente várias versões, ao
ponto das Suas criaturas terem a autoridade de alterar, omitir e acrescentar algo
no Seu Livro e mesmo assim este continuar a ser objecto de veneração?
d) Será que Ele está susceptível ao erro, para que o Seu Livro sofra constantes
actualizações mediante a era ou época em que nos encontremos?
Será que as pessoas representam palavras dum “deus humano” e não temem
as verdadeiras palavras de Deus, que dizem:
“Eu declaro a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro: Se
alguém lhe acrescentar algo, Deus fará vir sobre ele os fl agelos descritos neste
livro, e se alguém tirar alguma palavra da profecia deste livro, Deus tirar-lheá
a sua parte da árvore da vida e da cidade santa descrita neste livro.”
[Apocalipse 22:18-19]
E consta também no sagrado Al-Qur’án:
“Mas, a desgraça que atinja aqueles que escrevem o livro com as suas próprias
mãos, depois dizem: “Isto provém de Deus”, para disso conseguirem algum
benefício. Assim, a desgraça seja para eles pelo que escreveram com as suas
mãos e a desgraça para eles pelo que ganharam.” [Al-Qur’án 2:79]
Todas estas questões requerem respostas e são dúvidas que qualquer pessoa
que se diga ser cumpridora da Bíblia actual deveria parar e ponderar. É por
essa razão que os muçulmanos, seguidores do único livro Divino considerado
e provado autêntico e original – o sagrado Al-Qur’án, têm as suas limitações
sobre os conteúdos da Bíblia existente actualmente.
ALGUMAS CONTRADIÇÕES NA BÍBLIA
a) “E Jacob gerou José (ou seja, José é fi lho de Jacob).” [S. Mateus 1:16]
“José é fi lho de Eli.” [S. Lucas 3:23]
b) “E que Jesus foi visto em Cefas, e depois pelos doze.” [I Coríntios 15:5]
“Jesus apareceu aos onze depois de ser ressuscitado.” [S. Mateus 26:16]
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 151
c) “Vós que me seguistes, quando na regeneração, o fi lho do homem se
assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos,
para julgar as doze tribos de Israel.” [S. Mateus 19:28]
“Respondeu-lhes Jesus: Não vos escolhi a vós doze! E um de vós é um
diabo.” [S. João 6:70]
d) “Ainda que eu testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro.”
[S. João 8:14]
“Se eu testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro.”
[S. João 5:31]
e) “E Aquele que me enviou está comigo; o Pai não me tem deixado só.”
[S. João 8:29]
“Deus meu, Deus meu, porque é que me abandonaste”? [S. Mateus 27:46]
f) “A história do pescador aconteceu no início da missão de Jesus.” [S. Lucas 5:1]
“A história do pescador aconteceu depois de Jesus ser ressuscitado dos mortos.”
[S. João 21:1]
g) “Jesus purifi cou o templo dos vendedores antes dele passar pela fi gueira
que ele amaldiçoou.” [S. Mateus 21:18]
“Jesus purifi cou o templo dos vendedores depois dele ter passado pela fi gueira
que ele amaldiçoou.” [S. Marcos 11:12]
h) “A ira do Senhor tornou-se a acender contra Israel, e incitou a David contra
eles dizendo: Vai, numera a Israel e a Juda.” [II Samuel 24:1]
“Satanás se levantou contra Israel e incitou David a numerar Israel.”
[I Crónicas 21:1]
i) “Tinha Joaquim, dezoito anos de idade quando começou a reinar, e reinou
três meses em Jerusalém.” [II Reis 24:8]
“Era Joaquim, da idade de oito anos quando começou a reinar, e três meses
e dez dias reinou em Jerusalém.” [II Crónicas 36:9]
j) “E David feriu de entre os sírios, aos homens de setecentos carros.”
[II Samuel 10:18]
“E feriu David dos sírios, sete mil cavalos de carros.” [I Crónicas 19:18]
152 Parte III – História da Bíblia
Consta na Bíblia: “É impossível que Deus minta” [Hebreu 6:18]. Portanto,
se Deus não mente nem se engana, como poderia um livro Seu estar repleto
de fl agrantes incoerências e signifi cativas discrepâncias, e mesmo assim ser
chamado “palavra de Deus”?
AS MÚLTIPLAS VERSÕES DA BÍBLIA
Existem várias versões da Bíblia e cada uma se afi rma como sendo a mais
correcta. Os Protestantes possuem no catálogo de textos sagrados da sua
Bíblia somente 66 livros, 39 no Antigo Testamento e 27 no Novo, já a Igreja
Católica inclui além destes, mais sete livros e dois textos no Antigo Testamento
como parte da sua Bíblia, para além de ligeiras diferenças entre os textos dos
restantes livros. Os Ortodoxos e outras igrejas orientais incluem ainda mais
alguns livros, para além de todos já citados.
Entretanto, os Protestantes consideraram todos os textos adicionais como
apócrifos, ou seja, que carecem de inspiração Divina.
Os teólogos cristãos confi rmam que os Evangelhos ainda não estavam
compilados pelo menos trinta anos depois do desaparecimento de Jesus e que
foram escritos na língua grega. Alguma parte do seu conteúdo foi registada pela
auscultação verbal, e a outra, consta que provém de escrituras em Aramaico, só
que nenhum dos textos originais existe hoje em dia.
A tradução do Novo Testamento também foi feita por alguns dos companheiros
de Jesus e por pessoas completamente estranhas, com diferenças nas suas
versões. Contudo, o que interessa mencionar é de que não existe qualquer
manuscrito contendo as revelações originais de Jesus ou dalgum outro
profeta bíblico.
O EVANGELHO DE BARNABÉ
Pelo menos dois dos narradores ou autores do Novo Testamento – S. Marcos
e S. Lucas – nem sequer faziam parte dos doze discípulos de Jesus. Algumas
das escritas dos discípulos originais, incluindo o Evangelho de Barnabé,
foram mais tarde rejeitadas pelos cristãos como sendo duvidosas.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 153
Porém, Barnabé era um dos discípulos de Jesus e tinha estado bem próximo
deste, quem o ensinou directamente a sua fé. Foi um pregador bem sucedido
e com uma personalidade distinta, fazendo dele um membro proeminente
do pequeno grupo de discípulos em Jerusalém, no círculo de Tiago, após a
ascensão de Jesus.
Mais tarde, tornou-se uma personalidade de liderança dos primeiros cristãos
e dedicou toda a sua vida na pregação da doutrina de Jesus.
Barnabé veio a saber da realidade sobre Paulo e logo advertiu às pessoas
sobre os ensinamentos distorcidos deste; na introdução e na conclusão
do seu Evangelho, pediu-lhes que não fossem enganadas por Paulo. Daí,
os seguidores deste obviamente não mencionaram o nome de Barnabé
nos seus livros.
Não existe qualquer menção contemporânea sobre as suas actividades
subsequentes, exceptuando algumas referências curtas de Paulo, poucos
anos mais tarde [I Coríntios 9:6].
Barnabé desapareceu das páginas da história do Cristianismo logo que se
separou de Paulo após o confl ito com este; outros historiadores também
fi caram completamente silenciosos acerca da última parte da sua vida. Todos
os registos daquela época que hoje se encontram disponíveis foram escritos
e controlados por Paulo e posteriormente pelos seus seguidores, que eram
inimigos declarados de Barnabé. Portanto, é bem possível que as igrejas
paulistas o tenham erradicado da lista dos discípulos de Jesus.
Só que apesar dos esforços da Igreja Cristã em apagar a vida, actividades
e mensagens de Barnabé, parte do seu Evangelho ainda sobrevive. Este
Evangelho, que tinha sido aceite como legítimo pelas igrejas de Alexandria
até 325 DC, foi listado como um dos livros a ser queimado, após o concílio
realizado nesse ano; cerca de 270 diferentes versões de Evangelhos foram
queimados nessa altura.
Passando por diferentes mãos, o Evangelho de Barnabé parece estar mais
próximo da sua forma original, pois muitos factos nele contidos vão de acordo
com aquilo que relata o sagrado Al-Qur’án; de qualquer forma, chegou à
biblioteca imperial de Viena e ainda hoje permanece lá.
154 Parte III – História da Bíblia
OS DOIS TESTAMENTOS SÃO TEMPORÁRIOS
Paulo deixou uma profecia sobre a vinda de algo perfeito, que cancelaria os
testamentos:
“Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é
perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.” [I Coríntios 13:9-10]
É de salientar que Paulo escreveu as suas cartas muito depois da ascensão de
Jesus; portanto, ele não referia de que o estava para vir era o Espírito Santo.
Portanto, os cristãos devem procurar o perfeito que aniquilará e cancelará as
profecias anteriores.
A Bíblia, que deveria ser toda Divina, é composta actualmente por três tipos
de versículos:
1. Exemplos do Primeiro Tipo:
a) “Suscitar-lhe-ei um profeta como tu, entre os seus irmãos, porei as Minhas
palavras na sua boca e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar.”
[Deuteronómio 18:18]
b) “Sou Eu, sou Eu, o Senhor, não há outro salvador senão Eu.” [Isaías 43:11]
c) “Não há outro Deus para além de Mim; convertei-vos a Mim e sereis salvos,
confi ns todos da terra, porque Eu sou Deus e não há outro.” [Isaías 45:22]
Ao se questionar de quem são estes versículos, poderemos facilmente responder
que são palavras de Deus; são como os versículos al-Qur’ânicos, que contêm
apenas palavras de Deus.
2. Exemplo do Segundo Tipo:
a) “E acerca da hora nona, Jesus clamou em voz alta: “Eli, Eli! Lema Sabactani”,
ou seja, “Meu Deus, meu Deus! Porque me abandonaste”.”
[S. Mateus 27:46]
b) “Jesus disse-lhe: Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus.”
[S. Marcos 10:18]
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 155
c) “Jesus respondeu: O primeiro é, ouve Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único Senhor.” [S. Marcos 12:29]
As palavras “Jesus clamou”, “Jesus disse-lhe” e “Jesus respondeu” refl ectem
afi rmações ou atitudes atribuídas a Jesus ou a ele relacionadas. Portanto; são
como os Hadices, ou seja, palavras, práticas, atitudes ou reacções do profeta
Muhammad , compiladas à base de narrações autênticas dos companheiros
que ouviram directamente dele.
3. Exemplos do Terceiro Tipo:
a) “Chegaram a Jerusalém; Jesus entrou no templo e depois de ter examinado
tudo quanto o rodeava, como já era tarde, saiu para Betânia com os doze. Na
manhã seguinte, ao sair de Betânia, Jesus sentiu fome.” [S. Marcos 11:12]
b) “Vendo ao longe uma fi gueira com folhas, foi ver se nela encontraria
alguma coisa; mas ao se aproximar dela, não encontrou senão folhas, pois
não era tempo de fi gos.” [S. Marcos 11:13]
Certamente, quem narra estes versículos não é Deus e nem Jesus. São
palavras duma testemunha que presenciou os factos, dalgum historiador ou
duma terceira pessoa qualquer. Portanto, como é possível juntar palavras de
Deus, de Jesus e de historiadores num único livro e depois considerá-lo todo
como sendo palavra de Deus?
Grande parte da Bíblia contém este tipo de versículos. Os teólogos bíblicos
reconhecem que “a maior parte dos livros contidos na Bíblia são obras de muitas
mãos”, que por vezes não correspondem à realidade mas são resumos da história;
por isso, não se deve confundir toda a Bíblia como sendo palavra de Deus.
Para se considerar qualquer livro como sagrado e Divino, deve minimamente
obedecer às seguintes regras:
• Estar livre de erros, contradições e discrepâncias;
• Estar livre de omissões, acréscimos e modifi cações;
• Não apresentar linguagem baixa, obscena, violenta, abominável, de falta de
compaixão aos pais, etc. [S. Mateus 10:34-36, S. Lucas 12:49-51, S. Lucas
14:26, S. Mateus 18:21-22];
156 Parte III – História da Bíblia
• Ser livre de acusações contra Deus e Seus profetas [S. Mateus 15:21-28, S.
João 10:7-9, S. João 20:23, S. Mateus 12:23-24];
• Deve descrever Deus da melhor forma e não negativamente ou criando
defeitos n’Ele;
• Não deve permitir o que Deus proibiu e nem proibir o que Ele permitiu.
OS MUÇULMANOS CRÊEM EM TODOS LIVROS DIVINOS
Os judeus só aceitam o Antigo Testamento e rejeitam o Novo, apesar de
Jesus ser o último na linha dos profetas judeus.
O Injil, mencionado no sagrado Al-Qur’án, inclui as seguintes Escrituras
Divinas reveladas aos profetas anteriores a Muhammad e que compõem a
actual Bíblia, abrangendo o Antigo e o Novo Testamento:
a) Taurát – Torah ou Pentateuco revelado a Moisés;
b) Zabur – Salmos ou Cânticos de David;
c) Injil – Evangelho revelado a Jesus, ao qual os cristãos denominam por
Novo Testamento.
Entretanto, a alusão que o sagrado Al-Qur’án faz não se refere a qualquer uma
destas escrituras tal como são conhecidas hoje, apesar de alguma parte dos seus
excertos terem sobrevivido e que são confi rmadas pelo Último Testamento – o
sagrado Al-Qur’án.
Existem muitas contradições e discrepâncias para aceitar todas elas no seu
todo como sendo puras; não são como o Al-Qur’án que se encontra intacto,
palavra por palavra, por mais de catorze séculos.
a) Taurát ou Torah
Os muçulmanos crêem no Torah, ou seja, nas palavras de Deus reveladas a
Moisés, mas não acreditam na “actual Torah” existente no Antigo Testamento,
pois sofreu modifi cações e já não possui apenas revelações de Deus a Moisés,
assim como se pode depreender do seguinte versículo:
“Moisés, o servo de Deus, morreu ali na terra de Moab, como o Senhor decidira.
Foi sepultado num vale da terra de Moab, mas ninguém até hoje conheceu o
lugar da sua sepultura. Moisés tinha cento e vinte anos quando morreu.”
[Deuteronómio 34:5-7]
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 157
Este versículo não foi revelado a Moisés, pois se assim fosse, ele não poderia
descrever acontecimentos que ocorreram após a sua morte; e se a origem do
mesmo fosse Divina, surgiria a pergunta: Quem recebeu esta revelação após
a morte do mensageiro Moisés?
b) Zabur ou Salmos
O mesmo acontece com os livros de David e outros, onde existem palavras
não Divinas:
“Senhor! Porque Te conservas à distância e Te escondes nos tempos de angústia”?
[Salmos 10:1]
“Até quando Senhor, continuarás escondido? Até quando arderá a Tua ira
como fogo”? [Salmos 89:47]
“Falta-me a força e a esperança que tinha no Senhor”! [Lamentações 3:18]
“Chamo por Ti (ó Deus) e Tu não me respondes; insisto e não fazes caso.
Tornas-Te cruel comigo.” [Job 30:20]
c) Injil ou Evangelho
Os muçulmanos crêem nos versículos autênticos que Deus revelou a Jesus
e também nas palavras verídicas que Jesus transmitiu aos seus discípulos,
mas não acreditam nos Evangelhos contidos na Bíblia, pois não convencem
tratar-se do verdadeiro Injil (Boa-nova).
Nos Evangelhos do Novo Testamento constam versículos como:
“Jesus percorria as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando a
Boa-nova do reino e curando as enfermidades e moléstias.” [S. Mateus 9:35]
“Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas quem perder a
sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la.” [S. Marcos 8:35]
“Num daqueles dias, estando ele no templo a ensinar ao povo e a anunciar a
Boa-nova.” [S. Lucas 20:1]
Se consta nos Evangelhos que Jesus proclamou “o Evangelho”, então signifi ca
que existe um outro Evangelho que Jesus difundiu:
158 Parte III – História da Bíblia
“Depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galileia, pregando
o Evangelho do reino de Deus.” [S. Marcos 1:14, da Bíblia Protestante]
“Percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o
Evangelho do reino.” [S. Mateus 4:23, da Bíblia Protestante]
“E aos pobres é anunciado o Evangelho.” [S. Lucas 7:22, da Bíblia Protestante]
No Novo Testamento, em parte alguma se fala de “Evangelhos” no plural,
mas sempre no singular. Onde na Bíblia Protestante vem escrito “Evangelho”,
na Católica lê-se “Boa-nova”.
Se havia um só Evangelho, revelado por Deus a Jesus, porque existem
hoje quatro versões do mesmo com tantas diferenças entre si, incluindo
inúmeras contradições?
Como é possível que os Evangelhos contenham versículos indicando que
Jesus proclamou o Evangelho! Então de que Evangelho se trata? Certamente
que não são o de Mateus nem Lucas.
De entre os 27 livros do Novo Testamento, apenas uma pequena fracção é atribuída
às palavras de Jesus; contudo, sempre são de acordo com S. Marcos, S. Mateus, S.
Lucas, ou ainda, de acordo com S. João, mas nunca é segundo Jesus.
Os primeiros cristãos não sabiam que os seus livros sagrados se iriam formar
num Novo Testamento, diferente do Antigo; eles consideravam ambos como
sendo um único Testamento. Portanto, quando surgiram os primeiros livros
cristãos, eram considerados mera verdade ou adições suplementares àquilo
que havia sido revelado nas escrituras hebraicas, a lei dos profetas que eram
pronunciadas semanalmente nos templos judaicos e nas igrejas cristãs.