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História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 115


IMPORTÂNCIA DOS HADICES


Os Hadices são de importância vital e desempenham ainda o papel de explicar


detalhadamente os factos que são abordados de forma abreviada no sagrado


Al-Qur’án. ALLAH diz:


“E aquilo que o mensageiro vos der, tomai-o; e aquilo que vos proibir,


abstende-vos disso.” [Al-Qur’án 59:7]


Consta num Hadice muito conhecido em que o Profeta  disse: “Deixei


entre vós duas coisas, se vós as assegurardes, jamais vos extraviareis: o Livro


de ALLAH (Al-Qur’án) e as tradições do Seu mensageiro (Sunnat)”.


[Hákim, Muwatta]


E disse ainda: “Sabei que me foi dado o Qur’án e, juntamente com isso, algo


semelhante (ou seja, o Sunnat)”. [Tirmizhi, Ibn Májah]


Portanto, juntamente com o sagrado Al-Qur’án, temos ainda a obrigação de


seguir os Hadices, porque ambos são fontes de revelação (Wahy), pois tudo


o que o Profeta  falava era Wahy [Al-Qur’án 53:3-4].


Quando algum assunto é abordado no sagrado Al-Qur’án, fala-se apenas dos


princípios gerais, sendo os seus detalhes e pormenores explicados através


dos Hadices; logo, este é indispensável para a explicação da mensagem ou


mandamento contido no Al-Qur’án. Por exemplo, quando se fala no Al-


Qur’án sobre o Salát, Zakát, Haj, etc., não se menciona sobre o horário,


modo de praticar ou sobre outros pormenores relacionados com esses actos


de adoração. É por essa razão que ALLAH diz:


“E fi zemos descer para ti a Mensagem, para que expliques às pessoas aquilo


que lhes foi revelado, para que eles possam refl ectir.” [Al-Qur’án 16:44]


Aquele que ignorar o Hadice ou desprezá-lo, na realidade, estará a desprezar


o Al-Qur’án e a desafi ar ALLAH, mesmo que se intitule de muçulmano. O


profeta Muhammad  já previa a vinda deste tipo de pessoas, ao afi rmar:


“Chegará um tempo em que um homem de entre vós, de barriga cheia, sentado


e reclinado sobre o seu coxim, dirá (ao ouvir o meu Hadice): Entre nós e vós


existe o Livro de ALLAH (Qur’án), o que consta nele Halál declarai-o Halál


e o que consta nele Harám declarai-o Harám”. [Abu Dawud, Tirmizhi]


116 Parte II – História do Hadice


Isto quer dizer que esse tipo de pessoas, para além de não manifestarem


consideração e respeito pelo conhecimento religioso, irão advogar que para


cumprir o Isslam basta seguir apenas o sagrado Al-Qur’án.


PRESERVAÇÃO DOS HADICES


Todos sabemos que ninguém veio neste Mundo para permanecer eternamente,


nem mesmo o Profeta , pois ALLAH diz:


“E nunca concedemos a imortalidade a homem algum antes de ti; porventura,


se tu morreres, poderão eles viver eternamente?” [Al-Qur’án 21:34]


“Sem dúvida morrerás (ó Muhammad), e eles também morrerão.”


[Al-Qur’án 39:30]


Por isso, ALLAH fez com que se preservasse cada palavra do Profeta . E os


Hadices são como as próprias palavras do Profeta , descrevendo os actos,


hábitos, atitude ou reacção mediante uma determinada situação, exercida por


ele ou por algum dos seus companheiros.


Isto mostra que os Hadices, juntamente com o sagrado Al-Qur’án, permanecerão


eternamente com os muçulmanos. O desvio e as seitas começam


sempre quando alguém tenta separar o Hadice do Al-Qur’án ou vice-versa.


Os Hadices do Profeta  também foram escritos pelos Sahábah  ainda


durante a sua vida. Contudo, é óbvio que seria impossível escrever tudo


aquilo que o Profeta  falou, fez ou tolerou, pois um registo dessa natureza e


tão completo assim necessitaria dum esforço extraordinário, tal como consta


no sagrado Al-Qur’án [82:10-12]; isso poderia ser feito apenas pelos anjos.


Os Sahábah  não deixavam de registar os dizeres do Profeta . Certa vez,


Urwa ibn Mass’ud As-Saqafi , que ainda não era muçulmano, contou o que


viu no momento de Hudaibiyyah:


“Ó gente! Juro por ALLAH, eu tive a oportunidade de estar presente nos


palácios dos reis César (Romano), Khoshroe (Pérsia) e Négus (Abissínia) mas,


juro por ALLAH, que nunca vi um rei a ser respeitado como Muhammad é


respeitado pelos seus companheiros.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 117


Juro por ALLAH, quando ele cospe, eles (os companheiros) não deixam a


sua saliva cair; logo chega a mão de alguém que depois a esfrega na sua cara


e no seu corpo. Quando Muhammad lhes ordena algo, eles concorrem para o


executar; quando Muhammad efectua a ablução, todos competem para alcançar


a água utilizada; quando Muhammad fala, todos baixam as suas vozes e, por


respeito, nem olham para a sua cara.”


Este é o testemunho de alguém que nem era muçulmano. O amor que os Sahábah


 nutriam para com o Profeta  era tão grande que não deixavam escapar nada


de si. Quando fi cavam a saber que alguém possuía algum Hadice, viajavam ao


seu encontro para obtê-lo, independentemente da distância ou dos gastos.


Quando o Profeta  faleceu, existiam mais de cem mil Sahábah  que


ouviram as suas palavras, homens e mulheres de entre eles. Todos narraram


aquilo que ouviram do Profeta  [Al-Issába].


Na realidade, o facto de tanta gente ter ouvido do Profeta  é algo de


importância relevante para a veracidade das suas palavras, que encontramos


presentes até aos dias de hoje.


Comparemos o mesmo facto com aquilo que aconteceu com os Evangelhos.


Qual será o número de pessoas que ouviu Jesus a falar e, posteriormente,


registou cada uma das suas palavras? Porque razão existe o Evangelho segundo


S. Marcos, segundo S. Mateus, segundo S. Lucas e segundo S. João? Como é


que milhões de pessoas baseiam a sua fé nas palavras de uma pessoa, seja de


S. Marcos, S. Mateus, etc.?


Para o apuramento da credibilidade de certos dizeres, pode-se comparar o


que uma pessoa escutou com aquilo que mais de cem mil pessoas escutaram?


Naturalmente, aquilo que foi escutado por um maior grupo de pessoas tem


mais credibilidade.


Por isso, a maior parte da colecção dos Hadices é Mutawátir, ou seja, foi


transmitida de geração para geração e se espalhou em todos os cantos do


Mundo, razão pela qual se nota que existe uma convergência e unanimidade


entre todos os muçulmanos ao longo dos tempos em matérias que estejam


relacionadas com crença, ablução, banho, ritos religiosos, Salát, Jejum,


Zakát, Haj, código penal, lícito e ilícito, etc.


118 Parte II – História do Hadice


REGISTO DE HADICES PELOS


COMPANHEIROS DO PROFETA 


A compilação dos Hadices tinha sido iniciada mesmo durante a vida do Profeta


. A primeira Constituição de um Estado na história do Mundo foi escrita


quando o profeta Muhammad , juntamente com outros muçulmanos, emigrou


para Madina. Esse documento existe até hoje e está na posse dos muçulmanos.


Inúmeros Hadices já tinham sido escritos e compilados ainda durante a vida


do Profeta  e dos Sahábah .


Os Muhaddicin (comentadores de Hadice) mencionam que o número de


Hadices narrados por Abu Hurairah  é de 5374, tendo sido provado que ele


os compilou para o seu próprio registo e recordação.


Háfi z Ibn Abdul-Barr menciona no seu Jámi (compilação) uma passagem


relacionada com este tema. Hassan, fi lho de um Sahábi de nome Amr ibn


Umaiyah Dhambari , narra:


“Relatei um Hadice perante Abu Hurairah  e ele rejeitou esse Hadice; então eu


disse: “Eu ouvi este Hadice de si”. Abu Hurairah  disse: “Se ouviste de mim,


então estará escrito comigo”, e a seguir, segurou a minha mão e levou-me ao seu


quarto, onde mostrou vários livros de Hadices do Profeta ; nessas colecções,


encontrou também o tal Hadice que eu havia relatado. Depois, Abu Hurairah 


disse: “Eu disse que se narrei algum Hadice então estaria escrito comigo”.”


[Al-Jámi, Fathul-Bári]


Esta narração mostra-nos que Abu Hurairah  não só possuía alguns Hadices


escritos como também tudo aquilo que ele narrava estava numa compilação sua.


Bashir ibn Nahik, um dos alunos de Abu Hurairah , preparou uma compilação


de Hadices narrados pelo professor e apresentou-os a ele dizendo: “Estes são


os Hadices que ouvi de si”, ao que respondeu positivamente [Dárimi].


Um outro aluno de Abu Hurairah , de nome Humám ibn Munabbih, que


viveu muito tempo com ele e se tornou num dos governantes de Iémen,


também registou Hadices do seu professor, compilação essa que denominou


por “Sahifa Ibn Humám”. O Imám Ahmad ibn Hambal aplicou uma boa parte


dessa colecção e juntou-a ao seu “Mussnad”. Isto serve de indicação que já


nessa altura existiam compilações de Hadices.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 119


Consta no Bukhari em que Abu Hurairah  diz: “De entre os companheiros


do Profeta, não existia alguém que tivesse narrado mais Hadices do que eu,


com excepção de Abdullah ibn Amr ibn Al-Áss”. Portanto, se Abu Hurairah


narrou acima de cinco mil Hadices, então certamente que Abdullah ibn Amr


 narrou mais do que isso.


Abu Hurairah  justifi ca-se do facto de ter narrado tantos Hadices do Profeta


 ao afi rmar: “Enquanto os meus outros irmãos emigrantes estavam ocupados


no comércio, eu acompanhava o Profeta todos os lados”. [Bukhari]


Certa vez, Abdullah ibn Amr  disse: “Ó mensageiro de ALLAH! Posso escrever


tudo o que oiço de ti?”, ao que o Profeta  respondeu afi rmativamente. “Posso


escrever tudo aquilo que falas, quer no estado de zanga ou satisfação”? O Profeta


 disse: “Sim, pois em todas as circunstâncias eu não falo senão a verdade”.


[Abu Dawud]


Abdullah ibn Amr  deu o nome de “As-Sahifa As-Sádiqa” (o Registo Verdadeiro)


a essa compilação de Hadices. Este Sahifa manteve-se preservado na


sua família por vários anos; o seu neto Amr ibn Shuaib costumava recitá-lo e


mencioná-lo nas suas palestras. Imám Ahmad ibn Hambal (RA) incorporou todo


este Sahifa no seu Mussnad, sob o capítulo “Abdullah ibn Amr ibn Al-Áss” cujo


Sanad é descrito como “Amr ibn Shuaib An-Abihi An-Jaddihi”, salvaguardando


assim o original.


Segundo os Muhaddicin, Ánass bin Málik  também narrou 1286 Hadices.


Consta no Dárimi de que ele dizia aos seus fi lhos (que eram muitos): “Ó


meus fi lhos! Registai (escrevei) esta ciência de Hadices”; isto indica que a


sua colecção de Hadices também já estava escrita [Musstadrak Hákim].


Saíd ibn Hilál narra que quando faziam muitas perguntas a Ánass, ele pegava uma


colecção e dizia: “Eis os Hadices que ouvi do Profeta ; eu registei-os e depois


de escrever, apresentei-os ao Profeta  para a sua aprovação”. Portanto, Ánass


 não só tinha o hábito de escrever aquilo que ouvia do Profeta  como também


lhe submetia as suas anotações para a apuração e correcção necessárias.


Jábir ibn Abdullah  é um outro Sahábi que narrou muitos Hadices. Segundo


Ibn Al-Jauzi, o número de Hadices por ele relatados é de 1500. Jábir 


dava aulas de Hadice no Massjid Nabawi e também tinha as suas narrações


120 Parte II – História do Hadice


registadas. Consta no Musslim de que ele escreveu uma colecção de Hadices


relacionados com Haj e sermões que o Profeta  proferiu nessa ocasião.


Ibn Hájar menciona que um dos alunos de Jábir  que compilou os seus


Hadices era Wahab ibn Munabbih, irmão de Humám, que por sua vez era


aluno de Abu Hurairah (anteriormente referido).


Salmán bin Qaiss Yashkari também havia preparado uma colecção de Hadices


de Jábir  e grandes Álimos como Shábi, Sufi yán, entre outros.


Aisha (RTA), a esposa do Profeta , possuía uma grande colecção de Hadices


compilados pelo seu sobrinho e aluno Urwa bin Zubair  e por uma outra


aluna de nome Amra bint Abdur-Rahmán, que cresceu na sua casa. Para além


disso, só os Hadices narrados por Aisha (RTA) era de 2210.


Consta no Bukhari que o sobrinho de Amra bint Abdur-Rahmán, chamado Abu


Bakr bin Muhammad bin Amr bin Hazam, compilou todos os Hadices de Amra


por ordem de Umar ibn Abdul-Aziz. A seguir, este mandou fazer cópias dessas


colecções e enviou-as para as principais cidades dos países isslâmicos.


Abdullah ibn Abbáss , narrador de 2660 Hadices, também escrevia os seus


relatos no tempo do Profeta . Imám Tirmizhi escreve no seu livro “Kitábul-


Ilál” que um grupo de pessoas de Taif pegou nos livros de Ibn Abbáss, foi ter


com ele e começou a lê-los à sua frente. Isso prova que os Hadices que ele


narrou já estavam todos compilados ainda durante a sua vida.


Quando Imám Mussa ibn Aqaba se referiu aos livros de Abdullah ibn Abbáss,


disse: “Kuraib, escravo de Ibn Abbáss, deixou connosco livros deste que


pesavam o equivalente à carga dum camelo. Quando Ali ibn Abbáss necessitava


de algum livro dessa colecção, dizia ao Kuraib: “Envia-me o Sahifa tal e tal”,


e então Kuraib transcrevia uma cópia ou enviava o original”.


Consta ainda que Ibn Umar  narrou 10630 Hadices. É mencionado no


Tabaqát de Ibn Sád que Náfi , escravo que foi liberto por Ibn Umar depois


de ter vivido 30 anos com ele, sentava-se a escrever os seus Hadices. Imám


Málik narra de Náfi e este por sua vez relata de Ibn Umar, formando assim a


conhecida corrente (Sanad) dourada: “Málik An-Náfi An Ibn Umar”.


Além de todos estes narradores, existiam muitos outros Sahábah que escreviam


Hadices. Por exemplo, Wáil ibn Hájar , que era um dos príncipes de


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 121


Hadramaut, veio a Madina e no seu regresso, depois de ter abraçado o Isslam,


o Profeta  mandou escrever alguns ensinamentos sobre o Salát, Jejum, proibição


de bebidas alcoólicas, entre outros, que lhe deu para levar consigo à sua


terra [Bukhari].


Aquando do Haj de despedida, o Profeta  mandou escrever o seu último


sermão, a pedido de Abu Sha Yamani [Bukhari].


Consta no Dárimi que o Profeta  mandou escrever que apenas pessoas purifi cadas


podem tocar o sagrado Al-Qur’án, que não há divórcio antes do casamento e que


o escravo não pode ser liberto antes de ser comprado, e enviou estas regras para


o Iémen. Se uma brochura assim continha todos estes pormenores, então é óbvio


que abrangia também outros aspectos importantes da religião.


Portanto, existem muitos outros exemplos que provam que a maior parte dos


Hadices já estava compilada ainda no tempo do profeta Muhammad , sendo


transmitidos de geração para geração. Depois dos Sahábah , foram os seus


sucessores e, subsequentemente, os juristas e historiadores.


Inclui-se nisto a carta de Madina, que continha mais de 52 secções sobre


os direitos e deveres de várias entidades que formavam uma parte dessa


sociedade. Entre outros aspectos, essas colecções continham uma reportagem


sobre o recenseamento dos muçulmanos, homens, mulheres e crianças, cartas


dirigidas a vários governantes e chefes tribais, incluindo convites ao Isslam,


correspondências com líderes locais, instruções para governantes, tarifa de


Zakát e outros deveres, traduções do sagrado Al-Qur’án, etc.


Após o falecimento do Profeta , Abu Bakr  compilou 500 Hadices


na forma de livro, assim como menciona Aisha (RTA) [Az-Zahabi], que a


entregou para guardar.


Consta no “Tabaqát” de Ibn Sád que quando surgisse alguma situação perante


Abu Bakr , de cuja solução ele não encontrasse no Al-Qur’án nem no


Sunnat (na colecção de Hadices que tinha compilado), ele dizia: “Vou fazer


Ijtihád com a minha opinião; se acertar, é porque provém de ALLAH, e se


errar, é da minha parte e peço perdão a ALLAH por esse erro”.


Apesar dos vários afazeres ligados à governação e de ser muito rigoroso e


cuidadoso na matéria de Hadice, o segundo Khalifa Umar  narrou mais de


200 Hadices [Talquih].


122 Parte II – História do Hadice


E quanto a Ali , o quarto Khalifa, também escreveu num Sahifa sobre alguns


assuntos que ouviu do Profeta  [Mussnad Ahmad]. Cópias desta colecção de


Hadices escrita por Ali  estavam também na posse de Hájar ibn Adi, Muhammad


ibn Hanafi yah (fi lho de Ali ) e de Imám Jáfar As-Sádiq [Tahzib At-Tahzib].


Tudo isto comprova que os Hadices do Profeta  já estavam escritos e


compilados mesmo durante a sua vida.


Além das colecções e brochuras, havia muitos outros Hadices que estavam sendo


transmitidos oralmente; é sabido que nessa altura os árabes eram muito particulares


na memória. Portanto, para além da escrita, baseavam-se também na memória.


Existiam muitos Sahábah  (acima de trinta) que viveram quase cem anos


depois do Profeta  falecer. Portanto, durante esta fase, não houve altura alguma


em que deixou de existir um companheiro presente do Profeta . Por exemplo,


Ibn Abbáss  viveu mais 78 anos depois do falecimento do Profeta , Abu


Hurairah  69 anos e Aisha (RTA) viveu mais 68 anos a ensinar Hadices.


Portanto, no aspecto geral pode-se dizer que os cem anos depois do Profeta 


foram a época de Hadices dos Sahábah . Durante esse período, os Tabi-in’s


(muçulmanos que viveram com os Sahábah ) memorizavam Hadices e faziam


a sua revisão da mesma forma como acontecia com os versículos do Al-Qur’án.


COMPILAÇÃO DE HADICES


APÓS A ÉPOCA DOS SAHÁBAH 


Depois dessa época, surgiram grandes Ulamá que dedicaram a vida inteira,


aplicando toda a sua energia e meios, viajando longas distâncias numa altura


em que não existia meios de transporte como hoje, somente com o objectivo


de recolher e compilar Hadices.


Eram pessoas muito piedosas que quando compilavam algum Hadice, não o


incluíam na sua colecção enquanto não o ouvissem várias vezes através de


pessoas credíveis, para além de preestabelecerem regras religiosas como forma


de fi ltrar tudo aquilo que era duvidoso.


São exemplos dessas grandes individualidades, pessoas como Saíd ibn Al-


Mussayib, Fudhail ibn Ayád, Abdullah ibn Mubárak, Ibn Uyaina, Abu Isshaq


Al-Fazari, Málik ibn Ánass, Ahmad ibn Hambal, Ibrahim bin Maimun


As-Sáigh, Yáhya ibn Main, entre outros.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 123


Eis os mais conhecidos autores das seis compilações de Hadices, conhecidas


como “Siháh Sittah” e consideradas as mais autênticas:


a) IMÁM AL-BUKHARI (194 H – 256 H)


De origem persa, nasceu em Bukhára (antiga URSS) no dia 13 de Shawwál


do ano 194 de Hijrah. O seu nome completo é Muhammad bin Issmail bin


Ibrahim bin Mughira Al-Bukhari.


O bisavô (Mughira) era um zoroastra (adorador de fogo) que mais tarde


abraçou o Isslam. O pai (Issmail), que era rico e também um grande Muhaddice


(comentador de Hadices), faleceu quando o fi lho ainda era criança, tendo


sido criado pela mãe. Imám Bukhari herdou muita riqueza do pai, mas gastou


quase tudo pela causa de ALLAH.


Começou a adquirir conhecimento de Hadice quando tinha dez anos de idade.


Aos dezasseis, viajou para Makkah a fi m de efectuar o Haj, acompanhado pela


mãe e irmão mais velho. Após despedir-se destes, permaneceu em Makkah por


mais dois anos e depois se deslocou para Madina onde fi cou por mais quatro anos.


Durante esses seis anos, conseguiu obter bastante conhecimento de Hadice.


A seguir, viajou para Bassra, Kufá, Bagdad e visitou outros locais incluindo Egipto


e Síria; onde soubesse que existia algum Hadice, dirigia-se para esse local.


Háfi z Ibn Kacir (774 H) conta que Imám Bukhari se deslocou por oito vezes


a Bagdad, mostrando que Iraque já era um centro de conhecimento e virtudes


nessa altura e que grandes Ulamá iam para lá a fi m de procurar e dilatar


os seus conhecimentos. Em Bagdad, encontrou-se com muitos Imámes de


renome, incluindo Ahmad ibn Hambal.


Kufá também já era um dos centros do Isslam, razão pela qual o conhecido


Tábi Muhammad ibn Sirin (110 H) afi rmou: “Quando cheguei a Kufá,


encontrei quatro mil alunos a estudarem Hadice” [Musstadrak Hákim].


O facto de Imám Bukhari se deslocar várias vezes a Kufá serve de testemunho


sobre a prevalência de conhecimento nesse local.


Imám Bukhari esforçou-se bastante para juntar os Hadices; viajou para vários


locais a fi m de reunir as preciosas gemas que saíram pela boca do profeta


Muhammad . Consta que encontrou mais de 300 mil Hadices e que ele


próprio memorizou cerca de 200 mil, pois possuía uma memória miraculosa.


124 Parte II – História do Hadice


Entretanto, alguns desses Hadices eram falsos, pois ele apareceu numa altura


em que se inventava Hadices com o intuito de agradar os reis e governantes


ou para corromper a religião isslâmica.


Separar Hadices fabricados (inventados) dos autênticos era uma grande tarefa


e requeria investigação bastante profunda; para tal, esforçou-se dia e noite


e, apesar de ter memorizado tão grande número de Hadices, ele seleccionou


apenas cerca de 7275 (ou 7397 segundo outras narrações), a respeito dos


quais não há dúvida alguma sobre a sua autenticidade. Se se retirarem os


Hadices repetidos, restam cerca de quatro mil.


Antes de registar algum Hadice, fazia primeiro Wudhú (ablução), efectuava


dois rakátes facultativos, suplicava a ALLAH e só depois é que incluía o


Hadice na sua compilação.


Existem 22 narrações em que Imám Bukhari relata do profeta Muhammad


 com apenas três narradores. Ele escutou Hadices pela voz de mais de


mil Muhaddicin e cerca de 90 mil estudantes ouviram Hadices directamente


dele. De entre os conhecidos alunos de Imám Bukhari, constam os Imámes


Abu Issa At-Tirmizhi (279 H) e Abu Abdur-Rahmán An-Nassaí (303 H).


Imám Musslim, que foi contemporâneo de Imám Bukhari e também ouviu seus


Hadices, disse a seu respeito: “Eu testemunho que não existe Muhaddice semelhante


a ti no Mundo” [Fathul-Bári]. Ibn Khuzaima afi rmou: “Não encontrei debaixo


do céu Álim maior do que Imám Bukhari” [Tahzibul-Assmá Wal-Lugát].


A compilação feita por Imám Bukhari é unanimemente aceite como sendo o


trabalho mais autêntico em matéria de Hadices. Essa autenticidade é tão elevada


que o seu livro, “Sahih Bukhari”, é considerado como o mais autêntico depois


do sagrado Al-Qur’án; não existe um único Hadice fraco nessa perfeita obra.


Faleceu no dia 1 de Shawwál de 256 H e foi sepultado em Khartank, uma


aldeia próxima de Samarkand.


b) IMÁM MUSSLIM (206 H – 261 H)


Nasceu em Nishabur, uma cidade de Khurassán (actual Irão), no ano 206


de Hijrah, altura em que faleceu Imám Sháfei. O seu nome completo é Abu


Hussain Musslim ibn Al-Hajjáj ibn Musslim ibn Ward ibn Khusház Al-


Qushairi An-Nishaburi. Era um comerciante de sucesso, rico, generoso e


possuía muitas propriedades.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 125


Tinha dezoito anos quando ouviu Hadice pela primeira vez; aos vinte,


deslocou-se para Makkah a fi m de efectuar o Haj e lá aproveitou ouvir


Hadices através de vários Ulamá. Viajou várias vezes para Bagdad e viveu


na companhia de Imám Bukhari.


Ahmad Hamdun Al-Qassar conta: “Vi Imám Musslim ir ao encontro de Imám


Bukhari, beijou a sua testa e disse: Deixe-me beijar os seus pés, ó professor


dos professores, ó líder dos Muhadiccin, ó médico dos Hadices fracos!


Depois perguntou-lhe acerca dum Hadice, ao que respondeu. Então, Imám Musslim


disse: Só te odiaria o invejoso e testemunho que não existe (Muhaddice)


algum no Mundo como tu” [Tarikh Bagdad].


Muhammad ibn Bashar disse: “São quatro os Háfi zes de Hadice no Mundo: Abu


Zar’a (em Ray), Musslim (em Nishabur), Abdullah Ad-Dárimi (em Samarqand)


e Muhammad ibn Issmail (em Bukhára)” [Tarikh Bagdad].


No “Sahih Musslim” existem cerca de quatro mil Hadices (tirando os repetidos)


que o autor seleccionou a partir de 300 mil que escutara. A maior parte dos


professores de Imám Musslim e de Imám Bukhari foram os mesmos.


Imám Musslim faleceu no dia 25 de Rajab de 261 H em Nishabur e a sua


campa é conhecida e visitada.


Observação: É importante esclarecer uma das graves dúvidas na matéria de


Hadice que são levantadas por alguns orientalistas.


Por exemplo, quando se diz que Imám Musslim seleccionou 4 mil Hadices


duma colecção total de 300 mil, eles acham que a maioria dos Hadices não foi


considerada digna de confi ança, razão pela qual foi rejeitada pelo autor. Logo,


esses orientalistas tiram a conclusão precipitada de que toda a colecção de Hadices


deve ser falsa e consequentemente rejeitada, o que demonstra uma ignorância


total por parte desses críticos quanto ao conhecimento elementar de Hadice.


O Matn (texto) não é a base sobre a qual se calcula o número de Hadices;


estes são determinados na base do Sanad (corrente de transmissão). Portanto,


quando se diz que Imám Musslim coleccionou 300 mil Hadices e desse número


seleccionou apenas 4 mil para a sua compilação, não quer dizer que ele rejeitou


as restantes palavras do Profeta  por não serem fi áveis.


126 Parte II – História do Hadice


O que isso realmente signifi ca é de que os dizeres e acções do Profeta  foram


transmitidas ao Imám Musslim através de várias correntes de transmissão


(Sanad), das quais ele seleccionou 4 mil como sendo as mais autênticas e


narrou o texto (Matn) sob autoridade delas.


Na literatura de Hadice, um Matn que é transmitido através de cem Sanad é


considerado como cem Hadices. Por exemplo, o texto do primeiro Hadice de


Sahih Bukhari, “as acções serão julgadas (por ALLAH) consoante as intenções”,


é uma selecção proveniente de um dos 700 Hadices, pois foi transmitido através


de tão elevado número de correntes.


c) IMÁM ABU DAWUD (202 H – 275 H)


Nasceu numa localidade situada entre Hirát (Afeganistão) e Sindh (Paquistão),


conhecida em árabe como Sijistán, razão pela qual é conhecido como Suleiman


bin As-Sijistáni, seu nome completo.


Na procura do conhecimento, deslocou-se para Bagdad onde passou a maior


parte da sua vida e compilou o seu livro de Hadices intitulado “Sunan Abu


Dawud”; esta compilação contém aproximadamente 4800.


Foi discípulo de vários Imámes tais como Al-Bukhari, Musslim e Ahmad ibn


Hambal. Além de Bagdad, viajou ainda para Síria, Khurassán e Bassra, onde


veio a falecer nesta última cidade.


Imám Hákim afi rmou: “Na sua época, Imám Abu Dawud era o líder dos


Muhaddicin”. Háfi z Mussa ibn Harun disse: “No Mundo, Imám Abu Dawud


foi criado para o Hadice, e no Ákhirah, foi criado para o Paraíso; depois de


compilar o seu livro, apresentou-o ao seu professor Imám Ahmad ibn Hambal,


o qual gostou da obra”.


d) IMÁM AT-TIRMIZHI (200 H – 279 H)


O seu nome completo é Muhammad bin Issa bin Surat bin Mussa At-Tirmizhi;


é também conhecido pela alcunha de “Abu Issa”. Tirmizh, o local onde nasceu,


é uma cidade de Khurassán que se situa na margem do rio Jaihun.


Teve a honra de ser aluno dos Imámes Al-Bukhari, Musslim e Abu Dawud.


No seu livro “Jámi Tirmizhi”, que contém 3956 Hadices, incluiu apenas um


único Hadice que fora narrado por Imám Musslim.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 127


Apesar de ter sido um dos professores de Imám At-Tirmizhi, Imám Al-Bukhari


incluiu na sua compilação dois Hadices mencionados pelo aluno.


Além de ter estudado na sua terra natal, Imám At-Tirmizhi se deslocou várias


vezes para Hijáz, Egipto, Síria, Kufá, Bassra, Bagdad e Khurassán na busca


do conhecimento de Hadices.


Ele possuía uma memória tão forte que os teólogos afi rmam que nessa


questão, Imám Al-Bukhari não deixou outro aluno com memória mais forte


do que Imám Tirmizhi.


No Fiqh (jurisprudência), ele seguia a escola de Imám Ahmad ibn Hambal.


e) IMÁM AN-NASSAÍ (215 H – 303 H)


Nasceu na Pérsia, num local chamado Nassá, situado em Khurassán. O seu


nome completo é Ahmad ibn Ali Abu Abdur-Rahmán An-Nassaí. Muitos o


referem erradamente como “Nissaí”, relacionado com “Nissá”, que em árabe


signifi ca “mulheres”.


Depois de estudar na sua terra natal, que na altura era também um dos centros


de estudo, deslocou-se para outros locais como Hijáz, Iraque, Egipto e, um


ano antes de falecer, foi para Damasco (Síria); alguns dias antes da sua morte,


ainda chegou de ir para Makkah.


Quando tinha quinze anos, aproximou-se do grande Muhaddice de então,


Qutaiba ibn Saíd (240 H) e fi cou na sua companhia por mais de um ano.


Háfi z Ibn Kacir menciona a seu respeito: “Viajou para os cantos do Mundo,


ocupou toda a sua vida auscultando Hadices e no encontro com peritos na matéria;


escutou Hadices de tantos Ulamá que é difícil contá-los” [Tahzib At-Tahzib].


Foi o líder de Hadices no seu tempo; de entre os seus professores, constam os


Imámes Bukhari, Abu Dawud e outros. O seu livro intitulado “Sunan Nassaí”,


é composto por 5761 Hadices.


f) IMÁM IBN MÁJAH (209 H – 273 H)


Nasceu na cidade iraniana de Qazwin. O seu nome completo é Abu Abdullah


Muhammad ibn Yazid ibn Májah Al-Qazwini.


Na busca de conhecimento, deslocou-se para Bassra, Kufá, Bagdad, Makkah,


Madina e Síria. Viajou ainda para Khurassán, onde escutou Hadices de grandes


Ulamá. No seu livro “Sunan Ibn Májah”, que contém 4341 Hadices, tentou


apresentar aqueles que não foram mencionados nos primeiros cinco livros.


128 Parte II – História do Hadice


g) OUTROS IMÁMES


Para além destes seis, existiram ainda outros Imámes que compilaram Hadices;


eis alguns deles:


1. Saíd bin Manssur (227 H), autor de “Sáhibus-Sunan”;


2. Abu Bakr ibn Abi Shaiba (235 H), autor de “Mussannaf Ibn Abi Shaiba”;


3. Abu Muhammad Abdullah ibn Abdur-Rahmán Ad-Dárimi (255 H), autor


de “Sunan Ad-Dárimi”;


4. Ibn Abid-Duniya (281 H);


5. Háfi z Abu Bakr Al-Bazzár (292 H);


6. Háfi z Abu Ya’lá Al-Maussali (307 H);


7. Ibn Jarud Abu Muhammad Abdullah ibn Ali An-Nishaburi (307 H), autor


de “Kitábul-Muntahá Fil-Ahkám”;


8. Háfi z Abu Bishr Ad-Daulabi (310 H);


9. Háfi z Abu Bakr ibn Khuzaima (311 H);


10. Háfi z Abu Awána Al-Assfaraini An-Nishaburi (316 H);


11. Abu Jáfar At-Tahawi (321 H);


12. Abu Bakr Ahmad ibn Ibrahim Issmaili Ali Al-Jurjáni (350 H);


13. Háfi z Muhammad ibn Hibbán Al-Bassti (354 H);


14. Suleiman bin Ayub Abu Qássim At-Tabaráni (360 H), autor de “Tabaráni”;


15. Ahmad As-Sunni (364 H), autor de “Amal Al-Yaum Wal-Laylah”;


16. Háfi z Abu Sheikh ibn Hibbán Al-Anssári Al-Assbaháni (369 H);


17. Abu Hassan Ali bin Umar Ad-Darqutni (385 H);


18. Ibn Abi Sabih (365 H), autor de “Kitábul-Kámil” e “Kitábud-Du’afá”;


19. Háfi z Abu Suleiman Ahmad ibn Muhammad Al-Khattábi (388 H), autor de


“Ma’álimus-Sunan Sharh Abu Dawud”;


20. Abu Abdullah Muhammad ibn Abdullah Al-Hákim (405 H), autor de


“Musstadrak Hákim”;


21. Háfi z Abu Nu’aim Assbaháni (430 H);


22. Ibn Hazm Al-Andalussi (457 H), autor de “Kitábul-Ahkám Al-Muhallá” e


“Kitábul-Fassl Fil-Milal Wan-Nihal”;


23. Abu Bakr Ahmad bin Al-Hussain Al-Baihaqui (458 H);


24. Ibn Abdul-Barr Máliki (463 H), autor de “Jámiul-Bayánul-Ilm”, “Al-Issti’áb”


e “Tajridut-Tauhid”;


25. Khatib Bagdádi (463 H).


Depois do século V de Hijrah, surgiram mais alguns Imámes que também


compilaram Hadices:


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 129


1. Muhammad Hussain Bhagawi (516 H), autor de “Ma’álimut-Tanzil”, “Kitábul-


Massábih” e “Sharh As-Sunnah”;


2. Abu Hassan Razin bin Mu’áwiyah (525 H), autor de “Kitábut-Tajrid Fil-


Jámi Bainas-Siháh”;


3. Al-Mubárak bin Muhammad Al-Jazari (616 H), autor de “Jámiul-Ussul” e


“An-Niháyah”;


4. Sheikh Zakiyuddin Al-Munziri (656 H);


5. Háfi z Qutbuddin Al-Halabi (735 H);


6. Khatib Tabrezi (743 H), autor de “Mishkátul-Massábih”;


7. Háfi z Jamáluddin Az-Zailaí (762 H), autor de “Nassbur-Ráyah”;


8. Nuruddin Abu Hassan Al-Haiçami (808 H), autor de “Majma’uz-Zawá’id


wa Manba’ul-Fawá’id”.


Segundo Hákim, no seu Musstadrak, o número de Hadices autênticos não


chega a dez mil. Se se juntarem os Hadices aceitáveis e fracos, o número pode


atingir trinta mil.


Os Muhaddicin não só compilaram os Hadices autênticos como também os


falsos, inventados, etc., indicando a respectiva classifi cação, para além de mencionar


a característica dos narradores, se eram mentirosos, falsifi cadores, etc.


Na época dos Sahábah  não era necessário mencionar o Sanad (ou seja, a


corrente de narradores) quando se relatava um Hadice, pois tratava-se de pessoas


que viram e conviveram com o Profeta . No entanto, depois dessa época já


era necessário memorizar e mencionar a corrente de narradores envolvidos


até chegar ao Profeta , de forma a confi rmar a ausência de qualquer tipo de


adulteração e invenção.


Nessa altura, as pessoas tinham inicialmente um número limitado de Hadices.


Com o decorrer do tempo, elas começaram a compilar os Hadices que estavam


dispersos. Alguns reuniam Hadices específi cos dum determinado tema, outros


juntavam Hadices somente de narradores duma certa zona, etc. Mais tarde,


despertou-se a atenção das pessoas em ouvir o mesmo Hadice proveniente de


vários narradores.


Entre a época dos Sahábah  até à altura do aparecimento dos mais famosos


compiladores de Hadice, a escrita não era muito vulgar. O método mais usado


130 Parte II – História do Hadice


para a transmissão de Hadices era oral, tendo em conta que os Tabi-in’s


tinham uma boa memória pois, para além de serem Háfi zes, cada um tinha


ainda vários Hadices memorizados.


Todos sabemos que tanto a escrita assim como a memória são ambos essenciais


e indispensáveis quando se pretende compilar algo; esses meios são ainda mais


fortes quando aplicados conjuntamente, pois um corrobora o outro. Portanto,


a única coisa que se deve fazer é tomar o devido cuidado e atenção quando se


utilizam esses meios, pois se se tomar isso em consideração, então a obra ou


a compilação se torna ainda mais credível.


É por essa razão que Urwa bin Zubair  perguntou ao seu fi lho Hishám: “Já


escreveste os Hadices que te narrei”? Respondeu: “Sim”! Depois Urwa 


questionou: “Conferiste com o original”? Hishám respondeu negativamente.


O pai disse: “Então não escreveste nada”. [Al-Kifáyah]


Consta ainda no Al-Kifáyah de que Yáhya ibn Abi Kacir dizia aos seus alunos:


“Quem escrever e não conferir com o original é como aquele que foi à retrete


e saiu sem fazer as necessidades”.


Os Sahábah  eram muito cautelosos quando se tratava de narrar ou escrever


algum Hadice, pois o Profeta  disse: “Quem inventar uma mentira e atribuila


a mim, que prepare o seu lugar no Inferno”. E mentir contra o Profeta  é


semelhante a mentir contra ALLAH, sendo isso um grande crime e pecado,


pois consta no sagrado Al-Qur’án:


“E quem é mais injusto do que aquele que inventou mentiras contra ALLAH.”


[Al-Qur’án 6:21]


Tudo isto indica a forma como se dava ênfase e cuidado na escrita. Entretanto, não


é correcto insistir de que somente as fontes escritas são válidas para se conservar


por completo uma tradição, pois no que se refere ao Hadice, encontramos palavras,


actos, práticas, hábitos, atitudes e reacções do Profeta . Tudo isso se transmitiu


massivamente de geração para geração, tal como aconteceu com o sagrado Al-


Qur’án, em que também se utilizaram os dois métodos anteriormente descritos.


Se por exemplo, o Isslam fosse como o Cristianismo que começou fraco,


talvez poderia despertar alguma dúvida; contudo, o surgimento do Isslam foi


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 131


acompanhado de uma grande força e a religião teve um grande apoio por parte


do Estado, ao ponto de em dez anos já estar a governar várias partes do Mundo,


incluindo grandes cidades como Cairo, Alexandria, etc.


É por essa razão que Ibn Hazm disse: “Quando Umar  foi empossado como


Khalifa, todo o Irão foi conquistado, assim como Síria, Iraque e Egipto; em


todos esses países não havia local algum onde não tivesse sido construído um


Massjid, onde exemplares do Al-Qur’án não tivessem sido distribuídos e os


recitadores o liam e ensinavam às crianças”. Ibn Hazm acrescenta: “Quando


Umar  morreu, se nessa altura não havia mais de cem mil cópias de Al-


Qur’án, então também não havia menos do que isso, desde Egipto até Iraque,


do Iraque até Síria e da Síria até Iémen”.


De facto, os governos isslâmicos tinham na altura poderes sufi cientes para,


de forma ofi cial, ordenarem a compilação de Hadices, assim como se fez


com o sagrado Al-Qur’án. Só em Alexandria se estabeleceu uma biblioteca


que continha cerca de 600 mil livros.


Os cinco Salátes já eram feitos em congregação ao longo de todo o mundo


isslâmico, quer na Espanha, Índia, Arménia, Iémen, etc. E todos faziam


os Salátes da mesma forma, assim como acontece com o Jejum do mês de


Ramadhán, em que é praticado de geração em geração sem qualquer dúvida;


em todos esses locais, todos aqueles que abraçavam o Isslam cumpriam com


esses mandamentos de forma igual. Outro exemplo é o Haj, em que ainda hoje


os muçulmanos oriundos de qualquer parte do Mundo cumprem na mesma


altura e com os mesmo rituais [Al-Milál wan-Nahal de Ibn Hazm].


Portanto, se o governo isslâmico propagou tudo isso, podia muito bem e com


a mesma perspicácia, ordenar também a compilação de Hadices.


Existiam muitas individualidades que escreveram Hadices e as suas colecções


eram tão volumosas que seria necessário carregá-las com ajuda de camelos;


é o caso de Abu Qalába que faleceu em 104 AH, tal como refere Az-Zahabi


[Miftahus-Sádah de Abu Muhammad Muzani]. Mussa ibn Uqba diz: “Ibn


Abbáss  deixou com o seu escravo Quraib ibn Abi Musslim, que mais tarde


foi liberto, um camelo carregado de seus livros” [Tabaqát de Ibn Sád].


Portanto, uma boa parte dos Hadices do Profeta  que existem ainda hoje


são os mesmos que foram compilados e transmitidos de geração para geração


e sem interrupções.


132 Parte II – História do Hadice


Não há dúvida de que antes o Profeta  havia proibido o registo de Hadices,


ordenando que se escrevesse apenas o sagrado Al-Qur’án; contudo, isso


aconteceu somente numa fase inicial, pois mais tarde, o próprio Profeta 


ordenou o registo de Hadices.


Abdullah ibn Amr ibn Al-Áss  relata: “Alguns Sahábah estavam na presença


do Profeta  e eu também estive com eles e era o mais novo de todos; nessa


ocasião, o Profeta  disse: “Quem inventar uma mentira contra mim, que


prepare o seu lugar no Inferno””.


Quando os Sahábah saíram, Abdullah  disse-lhes: “Vocês atribuíram palavras


ao Profeta  mesmo depois de ouvir o que ele disse”. Então, os Sahábah 


começaram a sorrir e disseram: “Ó fi lho do nosso irmão! Tudo o que ouvimos


do nosso Profeta está escrito connosco”. [Tabaráni, Majmu Az-Zawáid]


Portanto, esta narração é uma prova clara de que os companheiros do Profeta 


tinham o hábito de procurar escrever tudo o que ouviam dele. Quando alguns


Sahábah  foram se queixar ao Profeta  devido à sua fraca memória, então


este recomendou-lhes o seguinte: “Prendei o Ilm (conhecimento) através da


escrita” [Jámi Bayánul-Ilm].


Abdullah ibn Amr  conta que quando escrevia tudo aquilo que ouvia do


Profeta  a fi m de memorizar as suas preciosas palavras, um quraishita o


repreendeu dizendo: “Tu escreves tudo aquilo que ouves do Profeta  enquanto


que ele é um mortal (humano) e fala no estado de alegria e de zanga?


Ao ouvir isso, Abdullah  parou de escrever e foi ter com o Profeta 


informando-o do sucedido; então, com o gesto do seu dedo indicando a sua


boca, o Profeta  disse: “Escreve! Juro por Aquele em cujas Mãos está a minha


alma, desta boca só sai a verdade” [Abu Dawud, Ahmad].


PARTE III


HISTÓRIA


DA BÍBLIA





História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 135


COMPILAÇÃO DOS EVANGELHOS


Os muçulmanos acreditam em todos os profetas e escrituras sagradas enviados


por Deus, pois a fonte de livros celestiais como Torah (Taurát), Salmos


(Zabur), Evangelho (Injil) e Al-Qur’án é a mesma – ALLAH, o único Deus


de todas as eras e gerações.


Em todas as eras e sempre que surgisse necessidade para tal, ALLAH enviava


profetas e mensageiros juntamente com a Sua mensagem. Entretanto, os povos


em geral sempre se afastaram dos ensinamentos Divinos revelados aos profetas,


chegando ao ponto de agir de forma a eliminar essas mensagens sagradas.


Não só os livros de Adão, Set, Enoque ou Noé desapareceram, tratando-se de


mensagens bastante remotas, como também desapareceram as brochuras de


Abraão, que foram referenciadas no sagrado Al-Qur’án [87:19].


O mesmo espírito de subversão fez o Homem profanar o Pentateuco sagrado de


Moisés e destruir a totalidade dos seus manuscritos; algumas partes do mesmo


foram reconstruídas mais tarde à base da memória, mas passado algum tempo


acabaram por desaparecer. Hoje, o Pentateuco que existe é fruto duma terceira


tentativa de restaurar as memórias e ensinamentos do passado.


Nos períodos subsequentes, tudo o que se escreveu sob o título de Talmud,


Mishna e Haggadan era tão complicado que até os crentes mais piedosos


sentiam difi culdades em praticar na íntegra as suas recomendações.


Portanto, foi um grande favor de ALLAH ter enviado o profeta Issa  (Jesus)


com uma mensagem de amor e compaixão. Consta no sagrado Al-Qur’án:


“Depois deles, Nós enviámos nas suas pegadas, Jesus, fi lho de Maria, confi rmando


o Torah que tinha sido revelado antes dele; e lhe concedemos o


Evangelho, no qual havia guia e luz, e confi rmava o Torah que existia antes


dele e era guia e exortação para os piedosos.” [Al-Qur’án 5:46]


Contudo, na baixeza do seu espírito, as pessoas não deixaram este enviado de


Deus propagar em paz, mesmo por um período de três ou quatro anos. Jesus


teve que cumprir com a sua missão trabalhando somente de forma clandestina


durante esse tempo todo.


A dureza das pessoas tornou a sua tarefa tão difícil que ele não teve sequer a


oportunidade de ditar o seu Evangelho ou de garantir que os princípios ou doutrina


da sua fé fossem registados e compilados pelos seus discípulos e/ou seguidores.


136 Parte III – História da Bíblia


Anos após Jesus ter deixado este Mundo, os seus discípulos e alunos destes


compilaram os respectivos ensinamentos e recomendações através do seu


professor; contudo, existiam diferenças nas anotações e no signifi cado


entre essas compilações, fazendo com que as contradições viessem a


confundir os crentes.


OS QUATRO EVANGELHOS PRINCIPAIS


Os Evangelhos, do grego “Euaggelion” (boa-nova), referem-se ao nascimento


do Messias prometido e focam a vida, morte e ressurreição de Jesus, bem


como os seus ensinamentos.


A origem dos Evangelhos é objecto de controvérsia; os seus autores procuraram


fi xar por escrito aquilo que até então circulava de boca em boca, onde suscitaram


opiniões divergentes.


O Novo Testamento da Bíblia actual é constituído por 27 livros, dos quais os


mais conhecidos são os quatro Evangelhos, nomeadamente:


1. Evangelho de Marcos, seguidor de Pedro e também de Paulo; terá sido


provavelmente o primeiro dos Evangelhos, havendo quem o afi rme, apesar


de seguir o Evangelho de Mateus.


2. Evangelho de Mateus, cobrador de impostos e apóstolo; afi rma-se que foi


o segundo dos Evangelhos e que teria conhecido os textos de Marcos.


3. Evangelho de Lucas, discípulo de Paulo; também conheceu os textos


de Marcos.


4. Evangelho de João, pescador e apóstolo, autor do quarto Evangelho.


1.1 EVANGELHO DE MARCOS


Este foi o primeiro Evangelho a ser compilado. A opinião geral é de que foi


escrito nos anos 65 a 67 DC, enquanto outros mencionam que foi cerca de


40 anos após a dita crucifi cação de Jesus. Alguns teólogos acham ainda que


o que Marcos citou no capítulo 13 foi escrito depois de 70 DC.


Consta na Micropaedia [Vol. 6, 1983] de que Papias (falecido em 130 DC),


sacerdote de Hieropólis, disse: “Na verdade, Marcos, interpretador de Pedro,


escreveu de acordo com a sua memória, o que foi narrado acerca das obras e


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 137


afi rmações de Jesus sem manter o arranjo”. Isso aconteceu porque Marcos (que


era judeu) não foi discípulo de Jesus nem daqueles que ouviram directamente


dele, mas sim foi aluno de Pedro.


Recorde-se que Marcos é considerado como aquele que transcreveu o Evangelho


mais antigo e do qual dependeram Mateus e Lucas. Arenous afi rma que “depois


da morte de Pedro e Paulo, Marcos – um discípulo interpretador de Pedro – nos


deu por escrito o que tinha sido narrado por Pedro [Fredrik Grant].


Portanto, do que se sabe, não existiu discípulo algum de Jesus que se chamava


Marcos e que tivesse uma ligação ou relação especial com ele, ou uma


reputação particular na igreja.


Marcos fez viagens missionárias para Antioquia e Chipre; porém, a sua


actividade de propagação estava concentrada no Egipto. Consta que morreu


em Alexandria.


1.2 PROBLEMAS NO EVANGELHO DE MARCOS


a) Um dos problemas deste Evangelho é que os documentos cristãos remotos


não indicam o local onde o mesmo foi escrito. Clemente, Alexandre e Orjein


dizem ter sido escrito em Roma, enquanto outros mencionam o Egipto.


Por não haver informação clara no que concerne ao local da sua escrita, os


teólogos pesquisaram no próprio Evangelho a fi m de encontrar dados que


lhes pudesse indicar algo a esse respeito; foram apresentados alguns locais


tal como Antioquia, mas Roma foi o mais aceite [Dines Nenham].


Portanto, ninguém sabe ao certo quem foi este Marcos nem de onde veio o


seu Evangelho.


b) Existem diferentes registos (ou seja, documentos originais) deste


Evangelho, o que levou os teólogos cristãos a afi rmar que foram feitas


mudanças com ou sem intenção, tendo sido difícil evitá-las, e que apesar


de ainda hoje haver centenas de manuscritos do Evangelho de Marcos, não


existem duas escritas iguais.


c) Ao ler este Evangelho, não se encontra qualquer indicação de que foi


Mateus quem o compilou, pois o autor sempre fala na terceira pessoa. Se ele


fosse discípulo directo de Jesus, teria utilizado a primeira pessoa do verbo


dizendo “eu vi”, “eu ouvi”, “nós estivemos”, etc.


138 Parte III – História da Bíblia


d) Outro problema no Evangelho de Marcos é o que está relacionado com o seu


fi m; os números, iniciando de 9 a 20 que narram eventos sobre Jesus e o seu


chamamento aos discípulos para trazerem boas-novas ao Mundo concernente ao


Evangelho, foram considerados como ligados grosseiramente 110 anos mais tarde.


Isso veio à luz pela primeira vez por volta dos anos 180 DC [Dines Nenham].


Consta no Evangelho de Marcos [10:29-30]:


E Jesus, respondendo disse: “Em verdade vos digo que ninguém há que tenha


deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou mulher, ou fi lhos, ou


campos, por amor de mim e do Evangelho, que não receba cem vezes tanto...”.


Isto não aconteceu nem mesmo aos seus discípulos, pois as pessoas teriam


concorrido e se matado para alcançar isso.


2.1 EVANGELHO DE MATEUS


O segundo Evangelho a ser compilado foi o de Mateus, escrito em grego na


Antioquia entre os anos 85 e 105 DC. Pode-se afi rmar de que foi preparado no


último quarto do primeiro século ou no início do segundo [Fredrik Grant].


Mateus (que era judeu) foi um dos doze discípulos de Jesus que o seguiu desde


o início da sua missão. Após a ascensão de Jesus, dedicou-se à propagação do


Cristianismo na zona da antiga Abissínia; consta que é por lá onde veio a falecer.


Existem muitas evidências indicando que este Evangelho foi compilado


em Anticay, sendo considerada a sua “casa” original. Na realidade, é difícil


fazer uma ligação entre este Evangelho e uma cidade específi ca (como a


mencionada); portanto, seria melhor afi rmar que este Evangelho veio dalgum


lugar próximo de Anticay ou do norte da Palestina [John Phanton].



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