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54 Parte I – História do Al-Qur’án


ESCRITA DA REVELAÇÃO DURANTE A VIDA DO PROFETA 


Aquando da primeira revelação ao profeta Muhammad , ALLAH ordenouo


para recitar o Al-Qur’án, mas não disse claramente para escrevê-lo, pois


ele não sabia ler nem escrever:


“E antes dele (do Livro), tu não recitavas livro algum nem o escrevias com a


tua mão direita; se o tivesses feito, os defensores da falsidade teriam duvidado


ainda mais.” [Al-Qur’án 29:48]


Porém, a preocupação do Profeta  em relação ao Al-Qur’án não só levoulhe


a incentivar as pessoas a memorizarem o Al-Qur’án como também


autorizou os Sahábah a registarem os versículos, logo após a sua revelação,


como forma de garantir a sua conservação e autenticidade.


É possível que o Profeta  deduzira a sua escrita através dos versículos


revelados nessa primeira vez, em que ALLAH diz: “ALLAH ensinou com a


caneta”; portanto, começou a recitar em nome de ALLAH e utilizar a caneta


como forma de registar a sabedoria.


ALLAH quis manter o Profeta  no seu estado natural de analfabetismo,


pois isso representava uma virtude para ele. E recitar seguindo alguém (nesse


caso, Jibraíl ), não lhe tirava do estado de analfabetismo, mas se escrevesse


copiando alguém, tirar-lhe-ia desse estado.


Por isso, o Profeta  ordenava e ditava aos Sahábah que sabiam escrever,


para registarem o Al-Qur’án logo que era revelado. Eles escreviam perante


o Profeta  e na presença do anjo Gabriel, que corrigia caso pudesse haver


alguma falha. Consta no Al-Qur’án:


“Se ele (Muhammad) tivesse inventado alguns ditos falsos para Nós, tê-loíamos


agarrado com a mão direita, depois ter-lhe-íamos cortado a aorta e


nenhum de vós teria podido impedir-Nos. Na verdade, este Qur’án é uma


recordação para os piedosos.” [Al-Qur’án 69:44-48]


Isto mostra claramente que o texto al-Qur’ânico está protegido desde o início


e não há dúvida alguma sobre a sua autenticidade, pois ALLAH próprio


assumiu essa responsabilidade.


Apesar dos Sahábah  terem dedicado toda a sua concentração na memorização,


o Al-Qur’án era também escrito e registado logo após a revelação de algum


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 55


versículo ou capítulo, a fi m de garantir uma maior autenticidade e conservação.


Ussman bin Affan  narra: “Habitualmente, quando alguma parte do Al-


Qur’án era revelada, o Profeta  instruía o escrivão para redigir e colocar num


determinado capítulo a seguir a um certo versículo, sob as ordens de Jibraíl,


que por sua vez se baseava nas ordens de ALLAH.” [Fathul-Bári]


Zaid bin Sábit , escrivão do Profeta , narra: “Eu costumava escrever a revelação;


quando o Profeta  recebia a revelação, sentia muito calor e o corpo


transpirava, deitando suor como pérolas; quando terminava, eu me apresentava


com um pedaço de osso de carneiro (ou outro animal), o Profeta  me


ditava e eu ia escrevendo no tal osso. Quando terminava de escrever, o Profeta


 dizia: Leia, e eu lia para a sua verifi cação. Caso houvesse alguma falha, ele


mandava-me corrigir de imediato e de seguida, apresentava ao público.”


[Tabaráni]


Além de Zaid bin Sábit , o Profeta  tinha vários escrivães, cerca de 43 dos


melhores Sahábah, de entre eles: Abu Bakr, Umar, Ussman, Ali, Mu’áwiyah,


Khalid bin Walid e Ubay bin Káb  [Fathul-Bári, Zádul-Mád].


Como nessa altura ainda não havia papel em abundância na Arábia, os


materiais utilizados para a escrita da revelação eram: pedra (Likháf – lousas


fi nas de pedra branca), cabedal (Riqá’a – pedaço de cabedal fi no), ossos de


animais (Katf – ossos redondos do ombro do camelo), troncos de tamareira


(Assib – parte larga da raiz do ramo da tamareira), bambu, folhas de árvores


e raras vezes se utilizava o papel.


Dessa forma, o Al-Qur’án todo já tinha sido escrito sob os auspícios do


Profeta , não em forma de livro e nem com os capítulos em ordem, mas


disperso e em material diverso.


Quanto aos Sahábah, além de memorizarem, também escreviam para si


cópias pessoais e exclusivas de versículos e capítulos que chegavam ao seu


alcance. Uns tinham apenas alguns versículos ou capítulos e outros vários,


o que sempre foi uma tradição já desde que se iniciara a revelação. Mesmo


antes de Umar  abraçar o Isslam, a sua irmã e cunhado já tinham partes do


Al-Qur’án escrito em casa [Sirat Ibn Hishám].


56 Parte I – História do Al-Qur’án


COMPILAÇÃO DO AL-QUR’ÁN NA ERA DE ABU BAKR 


Quando Abu Bakr Siddiq  foi nomeado Khalifa, logo após o falecimento


do Profeta  (ano 632 DC), ocorreram eventos muito sérios. De entre eles, a


Batalha de Yamáma, no ano 12 de Hijrah, que foi uma guerra dura e sangrenta,


travada entre muçulmanos e os seguidores de Mussailima (o mentiroso), que


reivindicava a profecia, na qual se martirizaram muitos Sahábah , sendo a


maior parte deles Háfi zes, pois estes estavam sempre na vanguarda da defesa


do Isslam, o que preocupou bastante os muçulmanos.


Alguns historiadores afi rmam que foram setenta e outros chegam ao ponto de dizer


que faleceram 500 Háfi zes, estando entre eles Sálim Maulá de Abi Huzaifa.


Segundo relato de Bukhari, Zaid bin Sábit  narra:


“Logo após a Batalha de Yamáma, Abu Bakr enviou-me uma mensagem


convocando-me. Quando lá cheguei, encontrei Umar também presente, e Abu


Bakr disse: Umar veio ter comigo e disse-me que na Batalha de Yamáma, se


martirizou um grande número de Háfi zes. Se isto continuar assim, receio que


no futuro uma grande parte do Al-Qur’án venha a desaparecer; por isso, sugiro


que mandes compilar o Al-Qur’án através dum decreto (em forma de livro).


Eu respondi: Como podemos fazer algo que o Profeta  não fez (hesitou,


pois não queria praticar algo considerado inovador na religião)?


Umar retorquiu: Por ALLAH, este trabalho é bom e nobre e deve ser feito.


Depois disso, Umar continuou a insistir na sua ideia (explicando as vantagens


e objectivos, que tranquilizaram Abu Bakr), até que ALLAH abriu também o


meu peito para isso, e nesse momento, era já da mesma opinião (de Umar).


Abu Bakr disse-me: Tu és um jovem inteligente, não temos desconfi ança


nem suspeita alguma em ti; tu foste o escrivão da revelação junto do Profeta


. Por isso, incumbo-te que compiles o Al-Qur’án.


Zaid bin Sábit  diz ainda: Por ALLAH! Se eles me tivessem ordenado para


transferir alguma montanha, não seria tão pesado para mim como compilar


o Al-Qur’án. Comecei então a procurar os versículos do Al-Qur’án para os


compilar sob forma dum livro. Encontrei-os gravados (escritos) nos ramos


das tamareiras, pedras e na memória das pessoas.”


Esta narração demonstra a grande preocupação que os Sahábah  tinham em


conservar o Al-Qur’án e manter a religião autêntica, assim como foi deixada


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 57


pelo Profeta , não permitindo que qualquer inovação fosse alguma vez


introduzida. Tudo isso porque achavam que compilar o sagrado Al-Qur’án na


forma de livro era um acto que o Profeta  não fez e nem disse para fazer.


Este exemplo serve de lição para os muçulmanos que, desleixadamente e


mergulhados na ignorância, consentem práticas inovadoras no Din; serve


também para aqueles que acham que o Salátul-Tarawih é constituído por oito


e não vinte rakátes. De salientar que o Profeta  disse: “Se depois de mim


houvesse profeta, esse seria Umar”!


Quando Abu Bakr  aceitou a ideia de Umar  e, com a Luz de ALLAH,


chegou o momento da sua implementação, escolheu Zaid bin Sábit  para


fazê-lo, por este ser um dos nobres companheiros do Profeta  e possuir


qualidades que o ajudariam na compilação do Al-Qur’án. Era um jovem


muito piedoso e fi rme na religião, razão pela qual hesitou inicialmente, por


temor a ALLAH.


MÉTODO SEGUIDO POR ZAID BIN SÁBIT 


Para garantir uma maior autenticidade ao compilar o Al-Qur’án, Zaid 


baseou-se na sua memória, pois era Háfi z e tinha sido escrivão do Profeta


, e na de muitos outros Háfi zes. Deste modo, formou-se uma comissão que


começou por recolher material diverso que havia sido escrito no tempo do


Profeta  e que se encontrava de forma dispersa.


Para a recolha desse material, foi feito um anúncio público, no qual quem


possuísse versículos do Al-Qur’án escritos, que contactasse com Zaid bin Sábit.


Quando alguém aparecia com um ou mais versículos, Zaid  seguia os


seguintes passos:


1. Confi rmava-os com a sua memória, uma vez que também era Háfi z;


2. Ele e Umar , que também fazia parte da mesma comissão nomeada por


Abu Bakr , verifi cavam os versículos em causa e só depois disso é que


passavam para a compilação [Fathul-Bári];


3. Nenhum versículo era incluído na compilação sem que fosse testemunhado


verbalmente e por escrito por duas pessoas idóneas e justas e que haviam


presenciado a escrita do mesmo perante o Profeta  [Al-Itqán];


58 Parte I – História do Al-Qur’án


4. Depois de incluídos na compilação, os versículos eram comparados


cuidadosa e rigorosamente com os que se encontravam na posse de muitos


Sahábah, que tinham escrito para si próprios [Al-Burhán].


Isto fi cou registado na história como uma virtude eterna de Abu Bakr , de


Umar  pela sugestão concedida, de Zaid  pela dedicação aplicada e dos


Sahábah  em geral pela colaboração dispensada.


Ali  disse: “A maior recompensa reservada para quem serviu o Al-Qur’án


estará destinada para Abu Bakr, que ALLAH tenha misericórdia sobre ele;


ele foi o primeiro a compilar o Livro de ALLAH” [Abu Dawud].


Deste modo e com o consenso dos Sahábah , Zaid bin Sábit  compilou o


Al-Qur’án no papel pela primeira vez na história, em menos de um ano e com


todo o cuidado e rigorosidade, embora ainda não estivesse encadernado sob


forma de livro [Al-Itqán]. Esta primeira compilação foi escrita na pronúncia


da tribo Mudhar, uma ramifi cação da família Quraish à qual pertencia o


profeta Muhammad ), pois fora inicialmente revelado nesse dialecto.


A compilação do sagrado Al-Qur’án não é considerada uma inovação praticada


pelos Sahábah  pois o próprio Profeta  já tinha instruído aos crentes:


“Segui o meu Sunnat e o Sunnat dos meus sucessores bem guiados”.


É nesta base que foi realizado todo este trabalho assim como outros importantes


feitos tais como efectuar vinte rakátes de Tarawih “em congregação” (pois


esse número já era praticado individualmente pelo Profeta ) na época de


Umar , o segundo Khalifa, introdução de mais um Azán (o primeiro) para o


Jumu’ah na época de Ussman, o terceiro Khalifa, entre outros actos praticados


pelos sucessores bem guiados do Profeta .


Nesta compilação, os versículos foram colocados em ordem no respectivo


capítulo, tal como o Profeta  havia indicado, embora os capítulos não


estivessem ordenados, pois cada um deles foi escrito separadamente [Al-


Itqán]; a possibilidade de outros Quirátes (formas de recitação) também se


tomou em consideração [Manáhilul-Irfán].


O objectivo principal desta compilação foi o de salvaguardar a autenticidade


do Al-Qur’án e servir como base para futuras cópias. Nela, não estavam


incluídos os versículos cuja recitação havia sido revogada [Manssukh].


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 59


Esta compilação continuou na posse de Abu Bakr  e, após a sua morte, passou


para as mãos de Umar , que durante o seu khalifado, estabeleceu várias


escolas para o ensino do Al-Qur’án nas zonas de abrangência isslâmica.


Certa vez, Umar  escreveu para vários comandantes seus a fi m de dispensarem


dos seus exércitos aqueles que eram Háfi zes, com o objectivo de enviá-los para


Madina como professores. Sá’ad ibn Abi Waqqass , seu comandante no


Iraque, respondeu: Só no exército que está sob meu comando, existem trezentos


homens com essa qualidade.


Consta que só Abud-Dardá , que ensinava o Al-Qur’án no grande Massjid


de Damasco, tinha 1.600 alunos.


Depois de Umar  ter sido martirizado, foi Hafssa (RTA) quem tomou conta


desta compilação. E após o seu falecimento, a cópia original passou para as


mãos de Marwán ibn Al-Hakam.


COMPILAÇÃO DO AL-QUR’ÁN NA ERA DE USSMAN 


Quando Ussman  se tornou Khalifa (o terceiro), as conquistas isslâmicas


já se tinham alastrado e atingido lugares bem distantes. Áreas remotas como


a dos impérios Romano e Persa, a Arménia e Azerbeijão, já tinham sido


conquistadas pelos muçulmanos.


Em qualquer zona de infl uência isslâmica, os habitantes aprendiam o Al-Qur’án


conforme os muçulmanos que aí chegavam, depois de abraçarem o Isslam.


Uma vez que o Al-Qur’án tinha sido revelado em várias formas (Quirát) para


as diferentes tribos que tinham dialectos distintos, a sua recitação também era


permitida nessas formas e os Sahábah  aprendiam a leitura com o Profeta


 de acordo com a tribo a que pertenciam. Portanto, quando cada um deles


chegava a uma determinada zona, também ensinava aos outros na forma como


aprendera, que eram sete no total.


Por exemplo, na Síria recitava-se o Quirát de Ubay bin Ká’ab , em Kufá


(Iraque) recitava-se o de Abdullah ibn Mass’úd  e noutras zonas, o de Abu


Mussa Al-Ash’ari . Deste modo, a variação na forma de leitura chegou a


lugares longínquos.


60 Parte I – História do Al-Qur’án


Em Madina e arredores, não havia esse problema porque os seus habitantes


tinham convivido com o Profeta  e aprenderam que o Al-Qur’án fora


revelado em várias formas; por isso, a divergência na leitura (e pronúncia)


nunca criou problemas.


Mas com o alastramento do Isslam e com a entrada de novos muçulmanos


nas áreas remotas e pouco esclarecidas, começaram a surgir disputas acerca


das formas de recitação. Cada um afi rmava que a sua forma de recitar era a


mais correcta, surgindo assim desavenças entre os crentes, o que mais tarde


poderia eclodir numa enorme confusão, que envolveria toda a nação isslâmica,


chegando quase a se matarem uns aos outros.


A razão para tais desavenças era de que ainda não havia um exemplar do Al-


Qur’án que contivesse indicações sobre as diferentes formas de leitura e que


servisse de referência, pondo termo a essas disputas. Por essa razão, surgiu a


necessidade de se preparar uma exemplar do Al-Qur’án com tais indicações.


Consta num Hadice relatado por Bukhari, em que Ánass bin Málik  narra


que quando Huzaifa ibn Al-Yamán , o fi el depositário do segredo do Profeta


 acerca dos nomes dos hipócritas, encontrava-se na frente da batalha durante


a conquista da Arménia e Azerbeijão, no segundo ou terceiro ano do khalifado


de Ussman (25 H), dois grandes exércitos muçulmanos se cruzaram: um deles


vinha de Iraque, que lia o Quirát de Abdullah ibn Mass’úd , e outro vinha


da Síria, que lia o Quirát ensinado por Ubai bin Káb e Abud-Dardá .


Como tinha uma grande visão, ele reparou que os muçulmanos estavam a


divergir quanto à leitura do Al-Qur’án e fi cou bastante preocupado com o


sucedido. Por exemplo, uns liam o versículo 196 do capítulo 2 da seguinte


forma: “Wa atimmul hajja wal umrata lil bait”, enquanto que outros liam:


“Wa atimmul hajja wal umrata lillah”.


Então, ele deixou a frente da batalha, regressou para Madina e foi directamente


ao encontro de Ussman , dizendo-lhe: Ó líder dos crentes! Trate deste Ummat


antes que sejamos vítimas de divergências quanto ao Livro de ALLAH, assim


como aconteceu com os judeus e cristãos.


Quando Ussman  lhe perguntou o que estava acontecendo, Huzaifa


respondeu: Estive na frente de batalha, na Arménia, e lá vi pessoas a


divergirem quanto à forma de recitar o Al-Qur’án, ao ponto de intitularem


descrentes uns aos outros.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 61


O próprio Ussman  já tinha pressentido esse perigo, pois já lhe tinham chegado


informações de situações similares ocorridas dentro de Madina, em que um


professor ensinava numa forma de recitação aos seus alunos e outro ensinava


noutra forma, e assim, quando os alunos de professores diferentes se juntavam,


começavam a divergir. Essas divergências atingiam também os professores e,


por falta de esclarecimento, estes também declaravam que as outras formas de


recitação estavam erradas.


Quando Huzaifa  chamou à atenção de Ussman  sobre o perigo eminente,


este convocou os grandes Sahábah para uma reunião a fi m de lhes consultar


acerca deste grave assunto: Chegou ao meu conhecimento de que algumas


pessoas afi rmam que “o meu modo de recitar é melhor que o teu”; estas


discussões podem arrastar as pessoas para a descrença, por isso, quero conhecer


a vossa opinião sobre este assunto.


Ao invés de responder à pergunta, os Sahábah  retorquiram: Qual é a tua


opinião? Ussman  respondeu: Juntemo-nos na base de um só Al-Qur’án


para assim acabarmos com as divergências e divisões.


Os Sahábah  gostaram da ideia de Ussman e manifestaram o seu total apoio.


Então, Ussman  reuniu todos os muçulmanos e dirigiu-lhes as seguintes


palavras: Estando aqui em Madina e perto de mim, vós divergis na recitação


(leitura) do Al-Qur’án e desmentis uns aos outros; isto demonstra que a


divergência entre aqueles que estão longe de mim deve ser ainda maior; por


isso, juntai-vos todos e preparai uma cópia do Al-Qur’án que deve ser seguida


por todos, obrigatoriamente.


Foi então que Ussman , durante o seu khalifado, se preocupou em concretizar


este grande trabalho. Para tal, pediu emprestado a compilação original que se


encontrava na posse de Hafssa (RTA) e nomeou uma comissão constituída


por quatro pessoas: Zaid bin Sábit (que fora escrivão do Profeta  e escolhido


por Abu Bakr  para compilar o Al-Qur’án), Abdullah ibn Zubair, Said Al-


Ass e Abdur-Rahmán bin Háriss bin Hishám .


Incumbiu-lhes a tarefa de colocar os capítulos ordenadamente e reproduzir o


Al-Qur’án em várias cópias a partir do original preparado por Abu Bakr .


Nesta comissão, três pessoas eram quraishitas (de Makkah) e apenas Zaid bin


Sábit  era Anssar (de Madina); por isso, Ussman  disse: Quando vocês


divergirem com Zaid na forma de caligrafi a (escrita) de qualquer palavra,


então escrevei-a à maneira quraishita, pois o Al-Qur’án foi revelado na língua


62 Parte I – História do Al-Qur’án


de Quraish. Mais tarde, o número dos Sahábah nesta comissão foi alargado


para apoiar este delicado trabalho.


Ubai ibn Káb  faleceu nesse mesmo ano e Abdullah ibn Mass’úd , que


era um famoso Qári e escrivão da revelação, não fora seleccionado para este


trabalho, pois nessa altura se encontrava em Kufá. Como Ussman  não


quis adiar o trabalho devido à sua importância, escolheu os melhores Qáris


que estavam em Madina.


A comissão realizou o seguinte trabalho:


1. Colocou ordenadamente todos os capítulos do Al-Qur’án num só livro, tal


como temos hoje, uma vez que na compilação realizada no tempo de Abu


Bakr , os capítulos haviam sido escritos individualmente, em livrinhos


separados [Musstadrak].


2. Na escrita (caligrafi a), foi tomado em consideração cada um dos Quirátes


Mutawátir (leituras aprovadas por unanimidade); como os árabes ainda não


conheciam os pontos ou acentos nas letras, isso ajudou na inclusão de outros


Quirátes, tornando possível assim todas as formas de recitação (que foram a


causa de desavenças entre os muçulmanos). Por exemplo, escreveu-se assim


___-__, que se pode ler __-___ e também ___-__, pois as duas formas de


leitura são Mutawátir.


3. Até à data, havia apenas uma compilação do Al-Qur’án feita por consenso


unânime dos Sahábah. Esta comissão transcreveu sete cópias a partir deste


original, que foram enviadas às mais importantes cidades do mundo isslâmico


de então, nomeadamente para Makkah, Síria, Iémen, Bahrein, Bassra, Kufá e


uma foi guardada em Madina [Fathul-Bári].


4. Para uma maior segurança e cuidado na transcrição das cópias acima


mencionadas, a comissão não só se baseou na primeira compilação original


realizada na era de Abu Bakr , mas também pediu novamente os pergaminhos


e várias cópias individuais que os Sahábah possuíam, para uma última


comparação após a transcrição e antes da divulgação das cópias;


5. Depois das cópias serem estritamente confi rmadas e prontas para a divulgação,


Ussman  mandou recolher e queimar todos os versículos que os Sahábah


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 63


 possuíam como registo pessoal, escritos no tempo do Profeta , para que


todas as cópias do Al-Qur’án existentes fossem idênticas na caligrafi a, forma de


leitura (Quirát) reconhecida e na ordem dos capítulos, acabando para sempre as


divergências que daí advinham.


Os Sahábah  prestaram todo o apoio e colaboração necessários para este


grandioso e louvável trabalho de Ussman , que foi bem recebido por todos os


muçulmanos. De salientar que Ussman  não introduziu algo de novo da sua


parte, apenas reproduziu cópias a partir do original compilado no tempo de Abu


Bakr . Com este trabalho, ele não só conservou o Al-Qur’án como também


uniu os muçulmanos, encerrando-se as portas de desavenças que poderiam vir


a causar um grande perigo para o Isslam.


O Ummat (comunidade isslâmica) aceitou por unanimidade que a partir daí


todo o Al-Qur’án deveria obedecer às regras caligráfi cas estabelecidas pela


comissão nomeada por Ussman . Todas as cópias do Al-Qur’án devem ser


idênticas àquela e não é permitido escrever (imprimir) doutra forma, mesmo


que se procure obedecer às regras da língua árabe corrente.


Até hoje, as cópias do Al-Qur’án continuam a ser feitas na base da versão


autorizada por Ussman  e pelos companheiros do Profeta  no ano 25 de


Hijrah (651 DC), quinze anos após o falecimento do Profeta  [Ibn Hájar].


Pelo facto de Ussman  ter sido o grande obreiro deste trabalho, esta cópia é


denominada por “Al-Mushaf Al-Ussmáni”, que representa a base para todas


as cópias feitas após essa data.


Ali  disse: Ó gente! Temei a ALLAH e acautelai-vos! Não falai algo para


além de bem a respeito de Ussman . Por ALLAH! O que ele fez a respeito


do Al-Qur’án foi na nossa presença e depois de nos consultar” [Fathul-Bari].


E disse mais: “Se eu fosse Khalifa no tempo de Ussman, faria o mesmo que


ele fez” [Manáhilul-Irfán].


Que ALLAH abençoe e recompense a Ussman  por este grandioso trabalho


de conservação do Al-Qur’án, que culminou com a união dos muçulmanos


relativamente ao seu Livro sagrado, encerrando-se as portas de discórdia que


poderiam provocar um grande perigo para o Isslam. Os muçulmanos estão e


continuarão a colher os frutos deste grande trabalho de Ussman .


64 Parte I – História do Al-Qur’án


O AL-QUR’ÁN FOI REVELADO EM SETE DIALECTOS


Ubai bin Káb  narra que certa vez o Profeta  encontrou-se com o anjo Gabriel


e disse: “Ó Jibraíl! Eu fui enviado para um Ummat que não consegue ler nem


escrever; entre eles existem aqueles que são fracos, idosos, escravos e os que


nunca leram algum livro na sua vida”. Jibraíl  respondeu: “Ó Muhammad!


Certamente, este Qur’án foi revelado em sete dialectos diferentes”. [Tirmizhi]


Numa outra narração de Ubai bin Káb  consta que certa vez, Jibraíl  veio


ter com o Profeta  e disse: “ALLAH ordena-te a ensinares ao teu Ummat a


recitarem o Qur’án num Quirát”; o Profeta  disse: “Eu peço a ALLAH o Seu


perdão! Certamente que o meu Ummat não tem a habilidade de fazer isso”.


Jibraíl  veio ter com ele pela segunda vez e disse: “ALLAH ordena-te a


ensinares ao teu Ummat a recitarem o Qur’án em dois Quirátes”; o Profeta 


disse, pela segunda vez: “Eu peço a ALLAH o Seu perdão! Certamente que


meu Ummat não tem a habilidade de fazer isso”.


Jibraíl  veio ter com ele pela terceira vez e disse: “ALLAH ordena-te a


ensinares ao teu Ummat a recitarem o Qur’án em três Quirátes”; o Profeta


 deu a mesma resposta: “Eu peço a ALLAH o Seu perdão! Certamente que


meu Ummat não tem a habilidade de fazer isso”.


Então, pela quarta vez Jibraíl  veio ter com o Profeta  e disse: “ALLAH


ordena-te a ensinares ao teu Ummat a recitarem o Qur’án em sete Quirátes e


qualquer um que eles recitem estará correcto”. [Musslim]


Umar  narra que certa vez ouviu Hishám Ibn Hizám  a recitar no Salát o


Surat Al-Furqán em letras diferentes àquelas que havia ouvido do Profeta .


Após o Salám perguntou-lhe: “Quem te ensinou a recitar este Surat dessa forma?


Ao que respondeu: “Foi Rassulullah  quem me ensinou a ler este Surat”.


Então, Umar  disse: “Certamente, o Profeta  ensinou-me duma forma


diferente daquela que tu recitaste”. De seguida, foram ao encontro do Profeta


: Ó Mensageiro de ALLAH! Ele (Hishám) está a recitar o Surat Al-Furqán


duma forma diferente daquela que tu me ensinaste”.


O Profeta  disse: “Leia, ó Hishám”. Ele leu da mesma forma como Umar


 o ouvira a recitar, ao que o Profeta  disse: “Foi revelado dessa forma.


A seguir, o Profeta  disse: “Leia, ó Umar”. Então, ele recitou da forma como


aprendera do Profeta , ao que este disse: “Foi revelado dessa forma. Certamente,


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 65


o Qur’án foi revelado em sete Quirátes (dialectos); recitai em qualquer um que


seja fácil para ti”. [Bukhari, Musslim]


Destas três narrações autênticas, torna-se claro de que o Al-Qur’án foi revelado


em mais do que uma forma de recitação. Para facilitar a sua leitura pelas várias


tribos existentes na arábia, cujos dialectos diferiam ligeiramente, ALLAH


permitiu que o mesmo fosse lido (recitado) de sete formas diferentes. Estas


formas foram posteriormente ensinadas pelo Profeta  e transmitidas mais


tarde sob consenso unânime dos Sahábah  a respeito da sua autenticidade.


O QUE DIFERENCIA OS SETE QUIRÁTES?


Os Ulamá têm várias opiniões acerca do signifi cado desses sete dialectos,


sendo duas delas as mais aceites, através das quais se torna claro o signifi cado


desses Quirátes.


Imám Abu Fadhl Ar-Rázi afi rma que se reparar em todas as mudanças e narrações


de Quirát, depara-se que todos apresentam uma das seguintes mudanças:


1. O substantivo do versículo em questão varia em número: por exemplo,


“Ta’ámu Misskin” que está no singular muda-se para o plural “Ta’ámu


Massákin”; o substantivo pode ainda alterar-se em género: por exemplo, do


masculino “Lá Yuqbalu Min-há Shafá-Atun” para o femenino “Lá Tuqbalu


Min-há Shafá-Atun”.


2. Nos tempos verbais, de passado para presente, futuro ou vice-versa: “Tatawwa’a


Khairan” para “Yatawwa’a Khairan” ou “Qála Rabbi” para “Qul Rabbi”.


3. Nos Harakát (Fatha, Dhamma e Kassra): por exemplo, “Kalimátin” para


“Kalimátun”.


4. Nas palavras: “Wa Tawakkal” para “Fa Tawakkal”.


5. Acréscimo ou diminuição de letras: por exemplo, “Sári’ú” para “Wa Sári’ú”.


6. Alteração da sequência das palavras: “Wa Qátalu Wa Qutilú” para “Wa


Qutilú Wa Qátalu”.


7. Na pronúncia ou sotaque: por exemplo, de boca cheia para boca vazia, etc.


Por sua vez, Allama Jazari conta que por mais de trinta anos ponderou acerca


dos Hadices que falam dos sete Quirátes, até que descobriu que todas as


mudanças que poderiam ocorrer entre eles eram as seguintes:


66 Parte I – História do Al-Qur’án


1. Nos Harakát duma palavra, embora o signifi cado e a característica não se


alteram: por exemplo, “Yahssabu” para “Yahssibu”.


2. Nos Harakát e signifi cado das palavras, embora a característica da frase


se mantém inalterada: “Fatalaqqá Ádamu Min Rabbihi Kalimátin” para


“Fatalaqqá Ádama Min Rabbihi Kalimátun”.


3. Nas letras e signifi cado, sem alterar a característica da frase: “As-Swirát”


(com Sád) para “As-Sirát” (com Sin).


4. Nas letras, no signifi cado e na característica: “Tabluw” para “Tatluw” ou


“Nunaj-jika” para “Nunjika”.


5. Acréscimo ou diminuição de letras: “Wa Awssá” para “Wa wassá”.


6. Alteração da sequência das palavras: “Fayaqtuluna Wayuqtalun” para


“Wayuqtaluna Fayaqtulun”.


7. Na pronúncia ou sotaque, que podem ser incluídas nas palavras acima


mencionadas.


OS SETE QÁRIS E SEUS RESPECTIVOS RÁWIS (NARRADORES):


1. Náfi Al-Madani, natural de Issfáhan (Irão) e faleceu em Madina no ano


169 H; seus dois Ráwis foram: Imám Qálun e Imám Warsh.


2. Ibn Kacir Al-Makki At-Tábeí, faleceu em Makkah no ano 120 H; seus


Ráwis: Imám Bazzi e Imám Qumbul.


3. Abu Amr Al-Bassri, faleceu em Kufá (Iraque) no ano 154 H; seus Ráwis:


Imám Duri e Imám Sussi.


4. Ibn Ámir Ash-Shámi, foi juiz de Damasco durante o khalifado de Al-Walid


e faleceu no ano 118 H; seus Ráwis: Imám Hishám e Imám Ibn Zakwán.


5. Ássim Al-Kufi , faleceu em Kufá no ano 128 H; seus Ráwis: Imám Sha’bah


e Imám Hafss.


6. Hamza Al-Kufi bin Habib Az-Zaiyát, faleceu em Halawán (Síria) no ano


156 H; seus Ráwis: Imám Khalaf e Imám Khallád.


7. Al-Kissái Al-Kufi , faleceu perto de Ar-Ray (Iraque) no ano 189 H; seus


Ráwis: Imám Abul Hárice e Imám Duri.


Estes são os sete Qáris cujos Quirátes (dialectos ou formas de recitação)


são Mutawátir por unanimidade. Pode-se ler o Al-Qur’án sob qualquer uma


destas formas, seja para recitação assim como no Salát.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 67


Esses Quirátes estão ligados a estes Imámes pois cada um se dedicou inteiramente


no ensino da respectiva forma de recitação, formas essas que foram permitidas


por ALLAH e, posteriormente, pelo profeta Muhammad  como meio de


facilitar a leitura e compreensão do Al-Qur’án para as tribos árabes.


Actualmente em quase todo o mundo, exceptuando os países do Norte de


África, recita-se o Quirát de Imám Hafss, discípulo de Imám Ássim Al-Kufi ,


cujo nome completo é Hafss ibn Sulaiman Al-Mughira Al-Kufi , que nasceu


no ano 90 H e faleceu no ano 180 H em Kufá. O presente livro também é


baseado nesta forma de recitação, conforme se mencionou inicialmente.


O seu professor (Ássim) aprendeu o Quirát com Ibn Habib As-Sulamiyi e com


Zur bin Hubaish; estes por sua vez aprenderam com Ussman, Ali, Ibn Mass’ud,


Ubai bin Káb e Zaid bin Sábit , que aprenderam directamente do Profeta .


INTRODUÇÃO DE PONTOS E ACENTOS


Os historiadores divergem no que diz respeito à utilização de pontos existentes


em algumas letras do alfabeto árabe tais como Jim, Khá, Zal, Zá, Shin, etc.


Alguns acham que já eram utilizados antes da época do Profeta , só que


foram deliberadamente deixados para assim poder-se incluir outras formas


de recitação. Outros acham que não existiam antes dessa era e que só foram


introduzidas mais tarde pelo grande teólogo Abul-Asswad Ad-Duwali.


Após a compilação realizada na era de Ussman , o Al-Qur’án não continha


pontos nem sinais de acentuação nas letras, pois os árabes conseguiam ler


com toda a facilidade sem necessitar dos mesmos. Eles sabem por exemplo


que, em regra geral, todo o sujeito numa frase lê-se com Dhamma e todo o


complemento directo lê-se com Fatha.


Porém, quando o Isslam se expandiu para além fronteiras e para os países não


árabes, o muçulmano que não era árabe tinha difi culdades em compreender


esta língua, surgindo então a necessidade de se colocar pontos e acentos nas


letras, para assim todos poderem recitar o Al-Qur’án correctamente e com


toda a comodidade.


Ofi cialmente, os pontos foram introduzidos durante o khalifado de Abdul Malik


bin Marwán, quando o Isslam se expandiu fortemente e os não árabes começaram


68 Parte I – História do Al-Qur’án


a abraçar massivamente esta religião. Certas narrações dizem que foi Abul-Asswad


Ad-Duwali [Al-Burhán], outras afi rmam que ele fez isso sob ordens de Ali


, o quarto Khalifa [Ma’áriful-Qur’án], e outras ainda dizem que ele realizou este


trabalho sob ordens de Ziyád bin Abi Sufi an, o governador de Kufá de então.


Contudo, uma outra narração diz que este grande trabalho foi concretizado por


Hassan Bassri, Yáhya bin Yámar Al-Adwáni e Nassr bin Ássim Laissi, sob as


ordens de Hajjáj bin Yussuf As-Saqafi , o governador de Iraque na era do Khalifa


Abdul Malik bin Marwán [Al-Qurtubi, Ma’áriful-Qur’án, Manáhilul-Irfán].


Yáhya e Nassr foram discípulos de Abul-Asswad Ad-Duwali, que faleceu no


ano 69 de Hijrah.


Deste modo, estas personalidades introduziram pontos às letras ambíguas,


limitando-se a colocar com tinta da mesma cor, no máximo três pontos em cada


uma delas, tais como Bá, Tá, Jim, Shin, etc. Este trabalho contribuiu bastante


para a eliminação da confusão que estava a surgir na recitação do Al-Qur’án


pelos muçulmanos não árabes.


Quanto aos sinais de acentuação, tais como Fatha (Zabar), Kassra (Zer), Dhamma


(Pêsh), etc., também não eram utilizados anteriormente, pois os árabes não sentiam


falta dos mesmos. No entanto, quando os não árabes começaram a abraçar o


Isslam, sentiam fortes difi culdades na recitação do Al-Qur’án. Foi então que


Ziyád, o governador de Bassrah na altura, pediu a Abul-Asswad Ad-Duwali para


colocar sinais que pudessem facilitar a correcta leitura do sagrado Al-Qur’án.


No início, Abul-Asswad hesitou em introduzi-los, pois pensou tratar-se de algo que


o Profeta  e os Sahábah  não haviam feito e, portanto, achou-o desnecessário.


Contudo, numa das suas caminhadas, ouviu um muçulmano não árabe a


recitar erradamente o versículo 3 do capítulo 9 (At-Tauba) na seguinte forma:


“Annalláha Bari’um Minal-Mushrikina Warassulih”, cujo signifi cado fi ca:


“ALLAH nada tem haver com os politeístas e nem com o Seu mensageiro”.


Este disparate provocou nele um choque bastante profundo, pois o signifi cado


do versículo alterara-se gravemente, uma vez que correctamente lê-se:


“Annalláha Bari’um Minal-Mushrikina Warassuluh”, e cuja tradução é:


“ALLAH e Seu mensageiro nada têm haver com os politeístas”.


Esta ocorrência mudou de imediato a sua posição e foi imediatamente ao


encontro do governador, dizendo-o que estava disposto para concretizar o


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 69


referido trabalho. Então, chamou um homem pertencente à tribo Abdil-Qaiss


e, com ajuda deste, foram colocando pontos relativamente às letras conforme


e onde fosse necessário, até chegarem ao fi nal do sagrado Al-Qur’án.


Depois disso, Khalil bin Ahmad, o conhecido teólogo gramatical árabe e


professor de Sibawaih, colocou sinais de Sukun (Jazm), Shaddat (Tashdid) e


Hamza. Contudo, outros historiadores acham que os sinais de Sukun, Shaddat


e Madd foram colocados na era dos Abbassidas, depois do tempo de Khalil.


É de notar ainda que os sinais de acentuação utilizados outrora não eram


como os actuais, pois no lugar de Fatha era colocado um ponto por cima da


letra, no lugar de Kassra colocava-se um ponto por baixo da letra e no de


Dhamma o ponto era colocado ao lado da letra.


Como estes pontos eram confundidos com aqueles que foram previamente


colocados nas letras Jim, Khá, Zal, Zá, Shin, etc., surgiu a necessidade de


distinguir uns dos outros. Foi então que esses pontos de acentuação foram


substituídos pelos sinais actualmente existentes. Este trabalho foi feito por


Hassan Bassri, Yáhia bin Yámar e Nassr bin Ássim, sob as ordens de Hajjáj


bin Yussuf [Ma’áriful-Qur’án, Manáhilul-Irfán].


De facto, a colocação dos sinais de acentuação foi um trabalho de grande


mérito e ajuda para os muçulmanos não árabes, sendo considerado algo de


extrema necessidade e importância e não uma inovação, pois o objectivo era


evitar erros ao recitar o Al-Qur’án.


Imám Nawawi (RA) disse no seu livro At-Tibiyán: “Os Ulamá são unânimes


de que as cópias do Al-Qur’án devem levar acentuação, a fi m de impedir que


os leitores cometam erros”.


COMO O AL-QUR’ÁN ESTÁ ESTRUTURADO?


O Al-Qur’án é constituído por 114 capítulos, sendo cada um composto por


versículos de diferentes extensões. Estas duas características – capítulo e


versículo – foram assim defi nidas por ordem Divina.


Para facilitar os leitores e o ensino às crianças em particular, o Al-Qur’án foi


subdividido em 30 partes iguais, denominadas por “Juz”. Muitos até imprimem


o Al-Qur’án em 30 partes (Juzes) separadas, para que a criança não tenha que


70 Parte I – História do Al-Qur’án


levar sempre o Al-Qur’án completo consigo. Esta divisão não foi feita com


base nos tópicos, pois muitas vezes, um Juz termina enquanto o tópico ainda


não terminou. Alguns Ulamá acham que esta divisão foi feita no tempo de


Ussman , contudo não existem provas que atestem tal facto.


Cada Juz é subdividido em quatro partes, sendo o fi m do primeiro quarto


denominado por “Rub’u”, o fi m do segundo por “An-Nisf” (metade) e o fi m


do terceiro quarto por “As-Sulus”.


No Al-Qur’án, existe ainda um símbolo bastante conhecido – o “Rukú”, que


é representado pela letra árabe “Ain” na margem das folhas. Este símbolo é


utilizado para defi nir os tópicos do Al-Qur’án, ou seja, foi colocado onde termina


uma corrente de versículos que estejam relacionados com o mesmo tópico.


O objectivo foi defi nir um número médio de versículos que pudesse ser


recitados num único Rakát (ciclo de Salát) e depois fazerem o Rukú, daí o


nome do respectivo símbolo.


Em todo Al-Qur’án existem 540 Rukú. Se durante o mês de Ramadhán, o


Háfi z recitar um Rukú em cada um dos vinte Rakátes do Salátul-Tarawih,


poderá facilmente terminar a recitação do Al-Qur’án na vigésima sétima noite


do mês. Mas isso não signifi ca que essa seja a noite de Al-Qadr ou que seja


obrigatório terminar a recitação nessa noite.


Uma outra subdivisão feita mais tarde é a de “Hizb” ou “Manzil”, que


identifi ca sete porções do Al-Qur’án e serve para auxiliar aqueles que


pretendem efectuar semanalmente uma recitação completa, recitando


diariamente cada uma dessa porção, tal como acontece quando se pretende


completar mensalmente todo o Al-Qur’án recitando diariamente um Juz.


GRUPOS DE CAPÍTULOS


Os 114 capítulos do Al-Qur’án estão agrupados da seguinte forma:


1. As-Sab’at-Tuwal ou os “sete mais longos” que são os primeiros sete


capítulos do Al-Qur’án.


2. Al-Mi’in ou os capítulos que possuem cerca de cem versículos cada, que


são os onze seguintes.


3. Al-Maçáni ou os capítulos frequentemente repetidos, que são os vinte a seguir.


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 71


4. Al-Mufassal ou “os explícitos”, que são os restantes capítulos até o fi nal


do sagrado Al-Qur’án.


Nos Salátes Fardh (obrigatórios) é Sunnat recitar os capítulos que fazem parte


do grupo Al-Mufassal. Por sua vez, este está subdividido em três secções,


cujos capítulos são recomendados para determinados Salátes, conforme a


seguir se indica:


a) Tiwálul-Mufassal ou “os mais longos de Al-Mufassal”, que são a partir do


Surat Al-Hujurat até o Surat Al-Inshiqáq. Os capítulos desta secção são


recomendados para serem recitados nos Salátes de Al-Fajr e Az-Zuhr.


b) Aussátul-Mufassal ou “os médios de Al-Mufassal”, que vão do Surat Al-


Buruj até ao Surat Al-Qadr. Esta secção é recomendada para os Salátes de


Al-Assr e Al-Ishá.


c) Quissárul-Mufassal ou “os curtos de Al-Mufassal”, do qual fazem parte os


Surat Al-Baiyinah até ao último Surat do Al-Qur’án (Surat An-Náss). No


Salátul-Maghrib, é recomendado recitar capítulos desta secção.


A IMPRESSÃO DO AL-QUR’ÁN


Enquanto as técnicas tipográfi cas ainda não tinham sido inventadas, o Al-Qur’án


era escrito manualmente. Em cada era, havia escrivães cuja profi ssão era somente


reproduzir o Al-Qur’án e cada um concorria para escrever com o melhor formato,


com a maior beleza e ornamentação, até mesmo com tinta de ouro.


Toda a gama da caligrafi a árabe deu curso à fantasia na escrita do texto al-


Qur’ânico. O esforço e sacrifício que os muçulmanos fi zeram na escrita


do Al-Qur’án demonstram o seu grande amor por este Sagrado Livro, que


sempre residiu nos seus corações ao longo dos tempos, facto esse que não


tem comparação em qualquer outra religião.


Mais tarde, com o surgimento da imprensa (tipografi a), o primeiro Al-Qur’án


foi imprimido em 1703 na cidade alemã de Hamburgo, cuja cópia ainda se


encontra sob tutela do Darul Kutub Al-Missriya, no Egipto. Depois disso, vários


orientalistas imprimiram o Al-Qur’án, mas isso não produziu qualquer fama.


De entre os muçulmanos, Maulai Ussman foi o primeiro quem mandou


imprimir o Al-Qur’án, na cidade russa de São Petersburgo, no ano 1787. Em


72 Parte I – História do Al-Qur’án


1828, foi impresso em Teerão (Irão) o Al-Qur’án em pedra, após o qual as


cópias impressas foram se tornando conhecidas em todo o mundo.


Assim começou a impressão do Al-Qur’án, que é um grande favor e dádiva


de ALLAH, pois nada que esteja entre os céus e a terra se pode igualar ao


valor do Al-Qur’án. Não existe outro livro que tenha merecido tanto cuidado,


atenção e afecto em todos os aspectos assim como aconteceu e ainda acontece


com o sagrado Al-Qur’án.


A grande felicidade e fortuna do ser humano é ocupar-se com toda a sua força


e capacidade na dedicação ao Al-Qur’án, assim como a pior infelicidade e


desgraça é abandoná-lo. Por isso, todo o muçulmano deve preocupar-se obrigatoriamente


com a leitura e aprendizagem correctas do Al-Qur’án, ensiná-lo


às crianças, perceber e pô-lo em prática, pois somente aí terá o sucesso.


No mundo, não existe outro livro que tenha servido tanto à humanidade assim


como o Al-Qur’án. Foi ALLAH Quem o revelou e é Ele Quem o conservará:


“Nós revelamos a Mensagem e Somos Nós os seus Guardiães.”


[Al-Qur’án 15:9]


O RESPEITO PELO AL-QUR’ÁN


O grau e importância do Al-Qur’án são de tal forma elevados no Isslam


que os muçulmanos têm tanta honra e respeito por este sagrado Livro, algo


incomparável com qualquer outra escritura.


O muçulmano que deseja pegar ou tocar no Al-Qur’án deve antes purifi carse


das impurezas maior e menor, pois fazê-lo sem a devida purifi cação é


considerado Harám (proibido), mesmo que seja para tocar em apenas uma parte


do Al-Qur’án, como por exemplo a primeira e a última página, que geralmente


aparecem em branco, ou os espaços vazios existentes em cada página.


As folhas que estejam separadas, os pergaminhos, as medalhas e tudo onde esteja


escrito algum versículo do Al-Qur’án, não deve ser tocado directamente com o


nosso corpo ou com o vestuário que tenhamos vestido no momento, tal como virar


as folhas com as mangas da camisa, etc., sem estarmos previamente purifi cados.


Não se deve igualmente segurar o Al-Qur’án mesmo que esteja encadernado


com algo inseparável do próprio exemplar. Se a encadernação for separável


História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 73


e o Al-Qur’án não estiver por dentro, então não há problema em pegar nela;


contudo, se estiver dentro, então é proibido tocar ou segurar em ambos.


Se alguém se encontrar no estado de impureza (maior ou menor) e desejar


carregar uma mala que contenha o Al-Qur’án juntamente com outros objectos


(roupa ou algo limpo), então não há problema algum.


No estado de impureza menor, poder-se-á pegar num livro contendo versículos


do Al-Qur’án e Tafssir (comentário) em qualquer língua, mas apenas com a


condição de que as palavras humanas (i.é, Tafssir) existam em maior proporção


do que as Divinas (versículos).


Quanto aos livros de Hadices (dizeres do profeta Muhammad ) ou outros que


contenham versículos do Al-Qur’án, não há proibição em pegá-los no estado de


impureza, pois no geral, contêm sempre uma porção maior de palavras humanas.


Se alguém escrever uma carta e ela contiver alguns versículos do Al-Qur’án, não


há proibição em tocá-la, pois o profeta Muhammad  também escreveu uma carta


para Heracleus – imperador romano – convidando-o para o Isslam, carta essa que


continha versículos do Al-Qur’án, apesar de Heracleus não ser muçulmano.


A proibição de tocar o Al-Qur’án no estado de impureza é baseada no


seguinte versículo:


“Na verdade, este é o Nobre Qur’án; escrito num Livro Lacrado (Lawh Al-


Mahfúz). Ninguém o toca senão os purifi cados.” [Al-Qur’án 56:77-79]


E também Dar-Qutni, Hákim, Baihaqui e outros relatam que o Profeta  proibiu


as pessoas de pegarem o Al-Qur’án quando estiverem no estado de impureza.


Quanto àqueles que estão no estado de impureza maior, no período menstrual


ou pós-parto, todos são unânimes de que é Harám para eles tocar no Al-Qur’án,


uma vez que se não é permitido para aqueles que estão no estado de impureza


menor, então como pode sê-lo para os que estão no estado de impureza maior.


Para aquele que estiver no estado de impureza menor, os Ulamá são unânimes


em afi rmar de que é permitido recitar o Al-Qur’án sem contudo tocá-lo, apesar


de ser recomendável purifi car-se antes da recitação.


Imám Ghazali e Imámul Haramain afi rmam que não há problema em recitar


o Al-Qur’án quando estiver no estado de impureza menor, pois o Profeta 


também o fez nesse estado (algumas vezes).



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