UM OUTRO EXEMPLO
Existe um outro insecto chamado “exciclop”, que vive sozinho e morre
imediatamente depois de colocar os ovos. Daí, nascem os fi lhotes, sem patas e
incapazes de se proteger contra inimigos e de adquirir a própria alimentação.
Mesmo assim, a sua vida exige que vivam cerca de um ano num local fechado,
caso contrário, fi cam sujeitos à morte.
32 Parte I – História do Al-Qur’án
Acontece que quando chega a altura da desova, a mãe procura uma árvore ou
qualquer outra madeira onde possa cavar um túnel. Depois de pronto, começa a
acumular alimentos nele, sufi cientes para servir aos fi lhotes durante um ano. O
alimento é constituído basicamente por rebentos de fl ores e outras folhas doces.
No mesmo túnel, cria espaço para colocar um ovo e depositar o alimento ao
lado. Com palha de madeira, faz uma massa (pasta) para construir o tecto que
servirá de protecção ao ovo; a seguir, traz mais alimento e coloca-o sobre o
referido tecto. Depois, coloca outro ovo e assim sucessivamente, até terminar
a desova por completo. Por fi m, depois de deixar tudo pronto, a mãe morre.
Colocam-se aqui algumas questões:
— Quem ensinou à mãe que iria morrer depois de colocar todos os ovos, uma
vez que ela própria já nascera sem mãe?
— Quem lhe informou que, após o nascimento, os fi lhotes iriam necessitar de
alimento para se auto sustentarem durante um ano, em condições de fraqueza
e incapacidade?
— Quem implantou no seu íntimo a preocupação e capacidade de suportar
todo esse transtorno durante o período que coloca os ovos?
— Será que tudo isto é uma obra do acaso?
A concepção de criaturas e sistemas de vida tão perfeitos como os demonstrados
acima não pode ser uma obra do acaso. O Al-Qur’án diz:
“Glorifi ca o nome do teu Senhor, o Sublime, que criou (tudo) e aperfeiçoou,
fi xou o destino (de toda a criatura) e a seguir guiou-o.”
[Al-Qur’án 87:1-3]
A principal questão que se coloca é: Quem ensinou esses trabalhos espantosos
a estas e outras criaturas existentes na natureza?
Não restam dúvidas de que se trata de fenómenos extraordinários que provam
a existência de um Criador e Harmonizador, que concede a todas as criaturas
do Universo, conhecimento sufi ciente para poderem sobreviver de acordo
com as suas características.
É fútil quando alguns aceitam isso como uma inspiração divina para criaturas
insignifi cantes tais como estes insectos, mas que se recusam a aceitar o
mesmo facto quando se trata do ser humano, a melhor de todas as criaturas,
que precisa muito mais de tal inspiração e revelação.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 33
Existem muitos outros exemplos de criaturas que possuem capacidades
invulgares e que superam o ser humano em muitos campos, capacidades essas
concedidas pelo Criador do Universo através de inspiração e revelação.
Foi também com base na revelação que os profetas receberam Orientações Divinas,
para com elas guiarem outras criaturas. O primeiro foi Ádam e o último
foi Muhammad , que recebeu a revelação à qual denominamos Al-Qur’án.
AL-QUR’ÁN – A REVELAÇÃO DIVINA
Em termos gerais, “Al-Qur’án” representa a palavra de ALLAH revelada
ao profeta Muhammad e encontra-se perante nós na forma de livro, cuja
recitação é também um acto de adoração.
Literalmente, é uma palavra árabe que signifi ca “Leitura” e encontra-se bem
guardado no Lawh Al-Mah’fuz:
“Mas isto é uma leitura, gloriosa, inscrita numa Tábua bem conservada.”
[Al-Qur’án 85:21-22]
De Lawh Al-Mah’fuz, o Al-Qur’án foi revelado sob duas formas diferentes:
1. Uma revelação integral para Baitul Izzah (ou Baitul Ma’mur):
“O mês de Ramadhán, nele foi revelado o Qur’án.” [Al-Qur’án 2:185]
“Na verdade, Nós revelámos o Al-Qur’án numa noite abençoada.”
[Al-Qur’án 44:3]
“Na verdade, Nós revelámos o Al-Qur’án na noite de Al-Qadr.”
[Al-Qur’án 97:1]
Imám Abu Shama afi rma que esta revelação integral ocorreu para demonstrar
a grandeza do Al-Qur’án, manifestando aos habitantes celestiais que este
seria o último Livro de ALLAH e que posteriormente seria enviado ao último
Profeta, para servir de orientação à humanidade.
2. A segunda revelação foi feita gradualmente e consoante as necessidades do
profeta Muhammad , que ocorreu durante um período aproximado de 23 anos,
tendo começado através do Anjo Gabriel, quando o Profeta tinha 40 anos.
34 Parte I – História do Al-Qur’án
É por essa razão que o Al-Qur’án é denominado também por “Al-Furqán”,
que signifi ca “o que separa”, pois este Livro veio para separar e distinguir
a verdade da falsidade. Para além disso, os seus versículos foram revelados
separadamente, ou seja, de forma gradual e consoante as necessidades que
surgiam, e não integralmente, tal como aconteceu com outros livros Divinos.
No versículo 4 do capítulo 3, ALLAH empregou a palavra “Nazzala” relativamente
ao Al-Qur’án, indicando a repetição da revelação, enquanto que para
outros Livros Divinos, a palavra utilizada foi “Anzala”, demonstrando uma
revelação integral e duma só vez.
Sheikh Zarqáni diz que as duas revelações do Al-Qur’án servem para demonstrar
que este Livro está absolutamente livre de qualquer dúvida ou suspeita.
É um livro que mudou a história religiosa, social e política do mundo, algo
que nenhum outro livro providenciou a tanta gente e para tanto tempo. Tem
respostas compreensivas para questões como: Qual o objectivo da vida?
Como se deve viver a fi m de alcançar esse objectivo?
Assim como a vinda do profeta Muhammad terminou o ciclo da profecia,
o Al-Qur’án é o livro com o qual ALLAH terminou os Livros Divinos e
contém todas as leis básicas da crença, adoração e comportamento contidos
nos livros anteriores, com pequenas diferenças nos pormenores:
“Ele (Deus) prescreveu para vós a mesma religião que havia instruído a
Noé, a qual te revelamos, a qual havíamos ordenado a Abraão, a Moisés e
a Jesus, dizendo-lhes: Estabelecei a religião e não divirjais nela (não vos
separeis em seitas).
É insuportável aos idólatras aquilo para o qual os chamais (esta religião).
Deus escolhe para Si quem Ele entende e conduz para Si os que voltarem
arrependidos.” [Al-Qur’án 42:13]
O sagrado Al-Qur’án representa ainda a prudência e a beleza de expressão e é o
último guia para a humanidade. Foi revelado segundo três objectivos principais:
1. Servir de guia e orientação aos seres humanos e aos jinn’s, mostrando-lhes
o caminho recto;
2. Um milagre vivo para servir de apoio ao profeta Muhammad . Embora o
Profeta tenha providenciado vários milagres, o maior e o mais importante
de todos eles foi o Al-Qur’án;
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 35
3. Para ser recitado como meio de adoração, mesmo sem a sua percepção.
“Na verdade, aqueles que recitam o Livro de Deus e cumprem a oração com
assiduidade, e gastam em caridade daquilo que Nós lhes demos, em segredo
ou em público, contam com um comércio que nunca falirá. Deus lhes pagará
os seus salários aumentados com a Sua graça. Na verdade, Ele é Perdoador
e Agradecido.” [Al-Qur’án 35:29]
ALLAH designou vários títulos para o sagrado Al-Qur’án, indicando as suas
inúmeras fi nalidades e abrindo uma nova dimensão no estudo deste Livro.
Alguns desses títulos são: Al-Kitáb, Al-Burhán, Al-Hudá, Al-Furqán, Az-Zikr,
Tazkirah, Al-Hikmah, Ar-Ruh, Ash-Shifá, Al-Muhaimin, An-Nur, Al-Haqq,
Ahsanul-Hadice, At-Tanzil, Majid, Mubin, Fassl, Mubárak, entre outros.
Esses títulos representam várias formas do seu argumento, fazendo com que
este sagrado Livro seja estudado na base do seu próprio mérito e com uma
visão mais alargada.
PRIMEIRO E ÚLTIMO VERSÍCULO A SER REVELADO
Consta no Bukhari que, segundo Aisha (RTA), a revelação teve início com
sonhos verdadeiros; o que o Profeta sonhava realizava-se claramente no
dia seguinte.
Depois disso, criou-se nele a vontade de adorar o seu Senhor na solidão. Para
tal, isolava-se das pessoas durante várias noites e retirava-se já preparado
para uma cave chamada Hirá, localizada numa montanha nos arredores de
Makkah, conhecida hoje por “Jabal An-Nur” ou “Montanha da Luz”.
Quando acabava o seu mantimento, regressava à casa e a sua esposa Khadija
(RTA) preparava-lhe tudo novamente; assim, ele voltava outra vez à cave.
Certo dia e na mesma cave, apareceu o Anjo Jibraíl (Gabriel), enviado
por parte de ALLAH, e disse-lhe: “Recita”.
Assustado, o Profeta respondeu: Eu não fui alfabetizado.
Conta o Profeta que a seguir, Jibraíl se aproximou, comprimiu-o ao
máximo e de seguida largou-o, obrigando-o novamente a recitar.
Então o Profeta repetiu a resposta anterior: Eu não fui alfabetizado (eu
não sei ler).
36 Parte I – História do Al-Qur’án
Este cenário voltou a repetir-se com a mesma afi rmação do Anjo e igual
resposta do Profeta , até que Jibraíl disse:
“Recita em nome do teu Senhor que criou; criou o Homem de um coágulo.
Recita, e o teu Senhor é o Mais Generoso.
Que ensinou com a caneta; que ensinou ao Homem o que este não sabia.”
[Al-Qur’án 96:1-5]
Com estes versículos se iniciou a revelação; isso aconteceu em Makkah, na
17ª noite do mês de Ramadhán, durante o 41º ano do nascimento do Profeta
[Tárikhul-Muss’haf], correspondente ao ano 610 DC [Bukhari, Musslim].
ALLAH diz no sagrado Al-Qur’án:
“Por certo, nós revelamos o Al-Qur’án numa noite abençoada.”
[Al-Qur’án 44:3]
“Nós revelamos o Qur’án na noite de Al-Qadr.” [Al-Qur’án 97:1]
“Ramadhán é o mês em que foi revelado o Qur’án.” [Al-Qur’án 2:185]
Nos primeiros versículos que foram revelados, pode-se ver claramente a importância
do conhecimento (ciência). É por essa razão que o Isslam é uma religião
que incentiva a aprendizagem e combate a ignorância e o analfabetismo em
todas as suas formas.
Após a revelação dos versículos mencionados, ela foi interrompida durante
cerca de três anos, período este denominado por Fatratul-Wahy. Depois desta
paragem, reiniciou-se a revelação sem cessar até à morte do Profeta .
O último versículo a ser revelado foi o seguinte:
“E temei o Dia em que regressareis para ALLAH; depois, cada alma será
recompensada pelo que ganhou e elas não serão prejudicadas.”
[Al-Qur’án 2:281]
Após a revelação deste versículo, o Profeta viveu apenas 9 noites e faleceu no
mês de Rabiul-Awwal (terceiro do calendário isslâmico), no 10º ano de Hijrah,
com os seus 63 anos lunares. Assim, o período total que durou a revelação foi
de aproximadamente 22 anos e 5 meses [Tárikhul-Muss’haf].
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 37
BREVE HISTORIAL DA ALFABETIZAÇÃO NA ARÁBIA
O Profeta foi enviado para um povo que na sua maioria era “Ummy”, ou
seja, analfabeto, excepto um número muito restrito de pessoas que sabia ler
e escrever. Em árabe, “Ummy” deriva de “Umm” que quer dizer “mãe”; o
iletrado mereceu este nome pois se encontra ainda na situação em que a mãe
o pariu, sem saber ler ou escrever.
No seu conhecido livro “Futuhul-Buldán”, Allamah Balázari conta que quando
o profeta Muhammad foi enviado com a sua missão, havia apenas dezassete
pessoas que sabiam ler e escrever; dentre elas, algumas eram quraishitas e
outras eram habitantes de Madina e arredores, especialmente judeus. Aqui,
havia um professor judeu que alfabetizava as crianças.
Eis algumas personagens de Makkah que sabiam ler e escrever e que merecem
ser mencionadas: Abu Bakr, Umar, Ussman, Ali, Abu Sufi an, Tal-ha bin
Ubaidullah, Mu’áwiyah bin Abi Sufi an, Aban ibn Saíd, Ubai ibn Al-Muqri;
de entre as de Madina, constam: Umar bin Saíd, Ubai bin Ká’ab, Zaid bin
Sábit, Mundhir ibn Amr.
Por serem muito poucas as pessoas que sabiam ler e escrever, ALLAH denominou
este povo de “Ummy”:
“Foi Ele Quem enviou aos analfabetos, um mensageiro escolhido de entre
eles, para que lhes recitasse Seus versículos, lhes purifi casse, lhes ensinasse
o Livro e a sabedoria, embora vivessem antes no engano manifesto.”
[Al-Qur’án 2:62]
Segundo os historiadores, foi Harb bin Umaiyah, pai de Abu Sufi yán (um
famoso Sahábi), quem alfabetizou os quraishitas, uma vez que fazia muitas
viagens de negócio, e assim, aprendeu a ler e escrever no estrangeiro, ensinando
depois aos quraishitas em Makkah.
Contudo, os historiadores divergem na designação do professor de Harb bin
Umaiyah; uns acham que foi Abdullah ibn Jad’án e outros acham que foi
Bishr bin Abdul Malik.
Transcreve-se de seguida, um pequeno diálogo entre Ziyád bin An’um
e Abdullah ibn Abbass, narrado por Imám Ad-Dani e extraído do livro
“Tarikhul-Muss’haf”, da autoria de Sheikh Abdul Fattah Al-Qadhi:
38 Parte I – História do Al-Qur’án
— Ziyád perguntou a Abdullah ibn Abbass, contemporâneo de Quraish: Vocês
escreviam com esta caligrafi a árabe na época da ignorância (Jáhiliyah)?
— Abdullah ibn Abbass respondeu: Sim.
— Ziyád: Quem vos ensinou a escrever?
— Abdullah: Foi Harb bin Umaiyah.
— Quem ensinou a Harb bin Umaiyah?
— Foi Abdullah ibn Jad’án.
— E quem ensinou a Abdullah ibn Jad’án?
— Foram os habitantes de Anbar.
— E quem ensinou aos habitantes de Anbar?
— Foi um desconhecido que lhes apareceu, oriundo de Iémen, da tribo Kinda.
— E quem ensinou a esse homem?
— Al-Khaljan ibn Al-Mauham, escrivão do profeta Hud que costumava
escrever a revelação enviada por ALLAH.
Existe uma outra narração de Al-Kalbi, relatada por Awána, onde consta que
Harb bin Umaiyah aprendeu a ler e escrever com Bishr bin Abdul Malik,
contudo, com a mesma fonte inicial: Al-Khaljan, o escrivão do profeta Hud.
De facto, o que nos interessa mesmo é que foi Harb bin Umaiyah quem
ensinou a ler e escrever aos árabes de Makkah.
Os eruditos afi rmam que a caligrafi a que Harb bin Umaiyah aprendeu e ensinou
aos quraishitas se chamava “Al-Khat Al-Anbári”, que em Hijáz era conhecida por
“Al-Jazm” ou “Al-Hijázi”. Foi essa mesma caligrafi a utilizada pelos escrivães
nas suas cartas, poemas, etc.
A alfabetização continuou de forma muito limitada na Península Arábica,
até à altura em que o Profeta emigrou para Madina, quando começou a
encorajar e incitar a todos para aprenderem a ler e escrever, utilizando todos
os meios possíveis.
Quando os muçulmanos derrotaram os quraishitas na Batalha de Al-Badr,
a primeira batalha decisiva travada contra os descrentes, setenta líderes e
outros descrentes caíram nas mãos dos muçulmanos.
Para a sua libertação, o Profeta impôs certas condições; assim, quem não
tivesse a possibilidade de pagar mas que fosse alfabetizado, seria liberto se
ensinasse dez crianças de Madina a ler e escrever.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 39
A alfabetização expandiu-se mais ainda com o alastramento do Império Isslâmico
por todos os horizontes onde chegava o Isslam e, em consequência disso,
nesse curto espaço de tempo, o Profeta já tinha mais de quarenta escrivães.
Mais tarde, quando o Al-Qur’án foi compilado na época do primeiro Khalifa
Abu Bakr e reproduzido em cópias na época de Ussman , o segundo
Khalifa do Isslam, foi utilizada a mesma caligrafi a (Al-Khat Al-Anbári) e
continuou assim até o alastramento do Isslam. Em Kufá, alguns escrivães
se dedicaram tanto à caligrafi a que a aperfeiçoaram até que ela se distinguiu
da anterior, tomando uma nova forma e nome: “Al-Khat Al-Kufi ”. Assim,
começou a se redigir o Al-Qur’án nesta caligrafi a.
Depois, apareceram outros escrivães no período Abbassida que criaram uma
caligrafi a mista entre as duas atrás mencionadas, que hoje é considerada
como base para a caligrafi a árabe.
A caligrafi a desenvolveu-se bastante e tomou várias formas, continuando a
ser aperfeiçoada e ornamentada, assim como se pode ver nos dias de hoje.
Em todos os pontos do Império Isslâmico, as autoridades muçulmanas
trabalhavam arduamente para a expansão da alfabetização, para provar que
o Isslam e a ciência são dois companheiros inseparáveis e que é a única
religião que luta para a elevação do nível do Homem para o topo da glória.
É por essa mesma razão que o Al-Qur’án está cheio de ciência e o Isslam
considera uma obrigação para todo muçulmano adquiri-la, mesmo que para
tal tenha que percorrer grandes distâncias à sua procura.
Existem muitas virtudes para aquele que deixa a sua casa com intenção de
aprender, seja algo religioso ou não. Tomemos como exemplo, alguns ditos
do Profeta a esse respeito:
– Procurar progredir intelectualmente não é um privilégio mas sim dever de
todo muçulmano, seja homem ou mulher;
– Despender mais tempo a aprender é melhor do que passar muito tempo a
orar (facultativamente);
– É preferível ensinar ou aprender durante uma hora do que passar toda a
noite a rezar;
– Quem procurar o caminho do saber, ALLAH facilitará a sua entrada no
Paraíso. Os anjos estendem as suas asas em honra ao estudante;
40 Parte I – História do Al-Qur’án
– A sapiência é a melhor via para se atingir uma verdadeira liberdade, enquanto
que a ignorância é o pior tipo de servidão e o maior inimigo do Homem;
– A sabedoria é o tesouro que todo o crente deve procurar e onde a encontrar,
deve tomá-la.
O Al-Qur’án dá tanta ênfase à educação ao ponto de ALLAH jurar pela
caneta, assim como consta no primeiro versículo do capítulo 68: “... pelo
Kalam (caneta) e pelo que eles escrevem”.
Consta ainda nos Hadices de que a primeira coisa a ser criada por ALLAH foi
a caneta e que o valor da mão em relação ao pé é por esta ser utilizada para
escrever, pois se não fosse esse o seu objectivo, ela não se diferenciaria do pé.
RAZÕES DA REVELAÇÃO GRADUAL DO AL-QUR’ÁN
Já se referiu que o Al-Qur’án foi revelado gradualmente durante cerca de 23 anos.
Certas vezes, Jibraíl trazia um versículo pequeno ou parte de um, assim
como foi o caso de: “A não ser aqueles que são inválidos”. Estas palavras
fazem parte de um longo versículo que pertence ao capítulo An-Nissá [4:95];
todavia, estas palavras vieram posteriormente à parte, pois quando foi
revelado “não se igualam os crentes que permanecem em casa, ausentandose
do combate”, um Sahábi que era cego lamentou a sua invalidez e então
ALLAH revelou as tais palavras.
Noutras ocasiões, a revelação chegava com vários versículos ou mesmo
capítulos completos, como foi o caso de Al-Fátiha, Al-Assr, Al-Kauçar, Al-
Ikhláss, Al-Mu’awazatain, entre outros, e Al-An’ám – um capítulo longo que
foi revelado integralmente e duma só vez [Ibn Kacir, Vol. II].
Temos ainda exemplos em que eram reveladas apenas parte dos capítulos,
como foi o caso do Suratul-Alaq, em que foram revelados os primeiros cinco
versículos numa única vez.
Pode-se questionar sobre a razão de ALLAH revelar o Al-Qur’án em partes
e não duma só vez, pois os outros Livros Divinos foram revelados duma só
vez na sua íntegra. Esta pergunta foi também feita pelos idólatras, assim como
consta no sagrado Al-Qur’án:
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 41
“E aqueles que não crêem dizem: Porque é que o Qur’án não lhe foi revelado
duma só vez? Ele foi revelado desta forma para com ele fortalecer o teu
coração, e Nós recitámo-lo lenta e distintamente.” [Al-Qur’án 25:32]
“E dividimos o Qur’án em partes, para que recites aos humanos à pouco e
pouco, e o fi zemos descer gradualmente (segundo as circunstâncias).”
[Al-Qur’án 17:106]
Em resposta a estas questões, ALLAH não desmentiu a forma de revelação
dos Livros anteriores, mas deu os motivos da revelação gradual do Al-Qur’án.
De seguida, citam-se alguns deles:
a) Para fortalecer o coração do profeta Muhammad , pois ele enfrentava
massacres e perseguições constantes por parte dos descrentes; assim, as
repetidas vindas de Jibraíl com a revelação do Al-Qur’án lhe serviam
de consolo, aliviavam as afl ições e fi rmavam o seu coração, criando nele
mais ânimo pelo contacto com ALLAH.
Às vezes, ALLAH fi rmava-o revelando histórias de profetas e mensageiros
anteriores consoante a necessidade, os incómodos que eles enfrentavam
na divulgação da verdade e mostrando o fi m dos bons e dos maus:
“Tudo o que te revelamos das histórias dos mensageiros destina-se a
fortalecer o teu coração.” [Al-Qur’án 11:120]
A revelação das histórias dos profetas anteriores servia ainda para alertar
os descrentes acerca do seu fi m, que poderá ser semelhante caso eles
continuem a insistir na teimosia e na descrença:
“Então, eles não esperam senão dias iguais aos dos que passaram antes
deles?” [Al-Qur’án 10:102]
“Os vossos descrentes são melhores do que aqueles?” [Al-Qur’án 54:43]
“Se eles virarem as costas e se afastarem, diz-lhes: Advirto-vos da vinda
dum raio igual ao que foi enviado aos povos de Ád e Samud.”
[Al-Qur’án 41:13]
Outras vezes, revelava versículos que encorajavam a fi rmeza e paciência e
proibia-o de se preocupar devido à rejeição do povo. Revelava ainda versículos
42 Parte I – História do Al-Qur’án
de advertência e ameaça aos renegados e provas contra eles, como forma de
refutar as suas falsidades no que concerne ao Shirk, recusa da Ressurreição,
da vida após a morte, etc.
b) Se o Al-Qur’án fosse revelado por completo duma só vez, tornaria
obrigatória a sua aplicação e prática imediata e essa mudança brusca seria
um transtorno enorme, o que é contrária à natureza fácil do Isslam.
c) A revelação do sagrado Al-Qur’án só poderia ser gradual, pois contém
respostas às perguntas feitas pelas pessoas, respeitantes a várias passagens,
ocasiões e assuntos.
d) Facilitava ainda a sua compreensão e memorização para os crentes, pois
com a reversão ao Isslam, eles se encontravam em constantes perturbações
(guerras, preocupações familiares, etc.).
e) Como o profeta Muhammad era iletrado, se o Al-Qur’án fosse revelado
no seu todo e de uma só vez, a sua memorização tornar-se-ia difícil.
f) Uma vez que um único versículo ou o Al-Qur’án no seu todo representa
um milagre, de cada vez que fosse revelado, o milagre se renovava e
relançava-se assim o desafi o contra os descrentes que tentassem produzir
algo semelhante.
g) O objectivo do Al-Qur’án foi o de educar e preparar uma nova geração
para assumir a liderança do mundo, no seio de corruptos, e hoje, sabe-se
que apenas uma educação e preparação gradual é que são efi cazes.
Consta no sagrado Al-Qur’án:
“Deus prometeu àqueles de entre vós que crêem e praticam o bem, fazêlos
governantes na terra, assim como fez com aqueles que os antecederam;
prometeu-lhes estabelecer fi rmemente a religião que escolheu para eles e darlhes
a segurança (tranquilidade) após o medo em que viviam, (na condição
de) que Me adorem e nada Me associem. Mas aqueles que depois disto
renegaram, esses são os transgressores.” [Al-Qur’án 24:55]
SABABUN-NUZUL – MOTIVO OU CAUSA DA REVELAÇÃO
O principal motivo pelo qual ALLAH revelou o Al-Qur’án foi para nos guiar
e mostrar o caminho recto, assim como consta:
“Esse é o Livro; não há dúvida alguma nele! Um Guia para aqueles que
temem o Senhor.” [Al-Qur’án 2:2]
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 43
“ALLAH quer esclarecer-vos e guiar-vos pelos caminhos daqueles que vos
precederam e aceitar vosso arrependimento. E ALLAH é o Sábio e Prudente.”
[Al-Qur’án 4:26]
No sagrado Al-Qur’án existem dois tipos de versículos:
a) Aqueles que ALLAH revelou para as criaturas e que não são resposta a
alguma pergunta nem estão ligados a alguma passagem; versículos deste
género são inúmeros e pode-se dizer até que constituem a maioria.
b) Aqueles que foram revelados em resposta a alguma pergunta dirigida ao
Profeta ou que estão ligados a alguma passagem; segundo os Mufassirin
(comentadores do Al-Qur’án), a isso se chama “Sababun-Nuzul” ou “motivo
da revelação”.
Existem muitos exemplos de versículos que têm Sababun-Nuzul e o conhecimento
destes é de extrema importância. Muitos versículos não fi cam completamente
esclarecidos enquanto não se conhecer o motivo da sua revelação.
Por exemplo, pode aparecer num versículo uma palavra tal como “Fi
Sabilillah”, que pode ter dois signifi cados: todos os bons actos no geral ou
apenas o Jihád. Somente com o conhecimento do Sababun-Nuzul é que se
poderá defi nir o signifi cado pretendido no versículo em causa.
Apesar dos motivos da revelação estarem ligados a casos específi cos que
ocorreram na altura, a sua regra é geral e aplica-se a todos aqueles que se
encontrem em situação semelhante, pois o Al-Qur’án é um código de vida
completo para o resto dos nossos dias e para todas as eras e locais.
De seguida, menciona-se alguns exemplos que servem para comprovar todos
estes factos:
1. Na época da ignorância, um Sahábi de nome Marssad bin Abi Marssad
Ghanawi tinha contactos com uma idólatra chamada Unnáq. Depois de ter
abraçado o Isslam, ele emigrou para Madina mas a referida mulher continuou
em Makkah.
Mais tarde, quando Marssad foi para Makkah devido a algum serviço e a tal
mulher o viu, convidou-o para o acto vergonhoso, ao que Marssad recusou
dizendo: “Entre mim e tu existe uma barreira que é o Isslam, mas se quiseres
e após o consentimento do Profeta , poderei me casar contigo”.
44 Parte I – História do Al-Qur’án
Depois de regressar a Madina, quando Marssad pediu autorização ao Profeta
para se casar com tal mulher, foi revelado o seguinte versículo, proibindo
deste modo o casamento com idólatras:
“Não caseis com (mulheres) idólatras até que elas se revertam (ao Isslam);
uma escrava crente é melhor (preferível) do que uma idólatra (livre), mesmo
que esta vos agrade mais. E não deis as vossas fi lhas em casamento aos
idólatras enquanto estes não se reverterem (ao Isslam); um escravo crente
é melhor (preferível) do que um idólatra (livre), mesmo que este vos agrade
mais. Eles convidam-vos para o Fogo, e ALLAH, com a Sua benevolência,
convida-vos para o Paraíso e para o perdão; e Ele esclarece os Seus versículos
aos humanos, para que eles os meditem.” [Al-Qur’án 2:221]
2. Antes da proibição do consumo de bebidas alcoólicas, um Sahábi começou
a fazer o Salát no estado de embriaguez e recitou erradamente o capítulo 109
de tal forma que a tradução se tornou “ó vós descrentes, eu adoro o que vós
adorais” em vez da forma correcta “eu não adoro o que vós adorais”.
Então, foi revelado o seguinte versículo:
“Ó vós que credes; não vos aproximeis da oração (Salát) quando estiverdes
embriagados, até que saibais o que dizeis.” [Al-Qur’án 4:43]
3. Algumas pessoas vieram ter com o Profeta e perguntaram-no acerca de
três coisas: a alma, os companheiros da caverna e Zul-Qarnain. O Profeta
disse: “Responder-vos-ei amanhã”, esquecendo-se de pronunciar Inshá-
Allah (se Deus quiser).
Devido a esse esquecimento, ALLAH atrasou as respostas por um período de
quinze dias e deu uma educação ao Profeta :
“E nunca digas de coisa alguma “farei isto amanhã” sem acrescentar “se Deus
quiser” e, quando te esqueceres, lembra-te do teu Senhor e diz: Talvez o meu
Senhor me guie para um caminho que é mais próximo da rectidão do que este.”
[Al-Qur’án 18:23-24]
E sobre a realidade da alma, ALLAH revelou o seguinte:
“Diz, a alma está sob a ordem do meu Senhor.” [Al-Qur’án 17:85]
4. Quando os Sahábah faziam certas perguntas com o objectivo de aprender
algo acerca dum determinado assunto, ALLAH revelava a resposta ao Profeta :
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 45
“Eles perguntam-te sobre o combate no mês sagrado; responde-lhes: Combater
nele é um grande pecado.” [Al-Qur’án 2:217]
“E perguntam-te o que devem gastar (caridade facultativa); responde: o que
for supérfl uo.” [Al-Qur’án 2:219]
“Eles perguntam-te sobre as Luas Novas; responde-lhes: São marcos de tempo
para os homens e para a peregrinação.” [Al-Qur’án 2:189]
Quando perguntaram acerca da relação sexual com as esposas que estejam
no seu período menstrual, foi revelado o seguinte:
“Consultam-te (ó Muhammad) acerca da menstruação; diz-lhes: Isso é um
Azá (algo malfazente ao ter relações sexuais nesse período). Abstende-vos das
mulheres durante a menstruação e não vos aproximeis delas até que (tomem
o banho e) se purifi quem (desse estado). Portanto, quando elas estiverem
purifi cadas, aproximai-vos delas como ALLAH vos ordenou, porque ALLAH ama
os que se arrependem e ama os que se mantêm limpos.” [Al-Qur’án 2:222]
5. Certa vez um Sahábi encontrou a sua mulher a praticar o adultério. Então,
foi ter com o Profeta e perguntou-lhe o que deveria fazer com ela. O Profeta
pediu para que ele apresentasse provas, caso contrário, seria castigado e
açoitado com oitenta chicotadas, assim como ALLAH o instruiu:
“Os que acusam de adultério as mulheres castas, em seguida, não apresentam
quatro testemunhas, castigai-os com oitenta chicotadas e nunca mais aceiteis
o seu testemunho, e esses são os perversos.
E os que acusam de adultério as suas próprias esposas, sem apresentarem
testemunhas além de si mesmo, então o testemunho de cada um deles será de
ele jurar quatro vezes por ALLAH que é dos verdadeiros (na sua acusação),
e o quinto (juramento) consistirá em invocar para si a maldição de ALLAH,
se for dos mentirosos.” [Al-Qur’án 24:4-6]
6. Perguntaram ao profeta : Quando será o Quiyámat, quando irá chover, o
que está no ventre da mãe, o que a pessoa ganhará no dia seguinte e em que
terra morrerá? ALLAH revelou a seguinte resposta:
“Por certo, ALLAH possui o conhecimento da Hora (quando ocorrerá); Ele
faz descer a chuva e sabe o que está nos ventres das mães; ninguém sabe o
46 Parte I – História do Al-Qur’án
que ganhará amanhã e ninguém sabe em que terra morrerá. ALLAH é Sábio
e está a par de tudo.” [Al-Qur’án 31:34]
7. Algumas pessoas perguntaram se ALLAH estava próximo ou longe, a fi m de
Lhe invocarem em voz baixa ou alta, ao que foi revelado o seguinte versículo:
“E quando os Meus servos te perguntarem a Meu respeito, por certo, estou
próximo, atendo à súplica do suplicante, quando Me implora. Que eles também
respondam o Meu apelo e creiam em Mim, para que possam ser levados pelo
bom caminho.” [Al-Qur’án 2:186]
8. Quanto à direcção do Quibla, o Profeta estava ansioso em virar-se para
o Ká’bah ao invés de Baitul-Maqdass (Jerusalém):
“Vimos o revirar da tua cara para o céu, Nós vamos virar-te para um Quibla
que te agradará. Volta, pois, a tua cara (ao cumprires o Salát) na direcção da
Mesquita Sagrada (de Makkah). E vós todos, crentes, onde quer que estejais,
voltai as vossas caras para essa direcção.” [Al-Qur’án 2:144]
9. No início, muitos receavam que caminhar entre as colinas de Safá e Marwá
refl ectia a adoração de ídolos, por se tratar dum ritual que se praticava na era
da ignorância, pelo que ALLAH esclareceu através do seguinte versículo:
“As colinas de As-Safá e Al-Marwá fazem parte dos lugares sagrados
de ALLAH; portanto, quem fi zer o Haj ou Umrah, não cometerá pecado
algum em percorrer a distância entre elas. E quem faz uma boa acção
voluntariamente, por certo, ALLAH é Agradecido e Omnisciente.”
[Al-Qur’án 2:158]
10. Muitos julgam que praticar somente o Salát pode garantir-lhes o sucesso
e um bom fi m; contudo, a resposta está no seguinte versículo:
“A piedade não consiste somente em voltar as vossas caras para o oriente e
para o ocidente; a verdadeira piedade está naquele que crê em ALLAH, no
Dia do Juízo Final, nos anjos, no Livro e nos profetas, que dá dos seus bens em
caridade, apesar de gostar deles, aos parentes, aos órfãos, aos necessitados,
aos viajantes, aos mendigos, em resgate de cativos (prisioneiros), que cumpre
o Salát, que paga o Zakát, cumpre os compromissos contraídos, que é paciente
na adversidade, no infortúnio e em tempo de guerra. Esses são aqueles que
são verídicos e esses são os piedosos.” [Al-Qur’án 2:177]
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 47
11. Quando era prática de certas pessoas jurar em não fazer algo de bom a
favor de alguém e, devido ao juramento, mantinham a sua palavra, então foi
revelado o seguinte:
“E não tomei (o nome de) ALLAH como desculpa, em vossos juramentos
para não serdes bondosos, piedosos e não fazerdes pazes entre as pessoas.
ALLAH escuta e sabe de tudo.” [Al-Qur’án 2:224]
O que signifi ca que não se deve fazer um juramento que impeça a pessoa de
praticar o bem e, caso tenha feito, então deve-se quebrá-lo, praticando o bem
que se jurou não fazer e pagando o Kaffára (expiação) pelo mesmo.
12. Quando os Sahábah ouviram o versículo:
“E se manifestardes o que está no vosso intimo ou guardardes escondido, em
qualquer caso, ALLAH vos pedirá contas de tudo isso.” [Al-Qur’án 2:284]
tiveram medo de prestar contas de tudo aquilo que pudesse passar no seu
íntimo e mencionaram o seu temor ao Profeta , ao que lhes disse para
manterem a calma até que chegasse a revelação:
“ALLAH nunca exige de alma alguma além da sua capacidade; para ela, é
somente o que ganhou, e contra ela, somente o que cometeu de mau.”
[Al-Qur’án 2:286]
13. Certa vez, enquanto o Profeta atendia exclusivamente alguns líderes
quraishitas na esperança destes aceitarem o Isslam, apareceu um Sahábi
cego de nome Abdullah ibn Umm-Maktum que, nesse mesmo instante,
pediu para falar com ele a fi m de aprender algo. No entanto, o Profeta não
gostou dessa atitude e não lhe ligou. Então, ALLAH revelou os primeiros dez
versículos do capítulo 80:
“Ele franziu as sobrancelhas e se afastou, só porque o cego foi ter com ele...”
[Al-Qur’án 80:1-2]
14. Quando o Profeta recebeu a ordem para transmitir a mensagem do Isslam
aos seus familiares, juntou a todos e começou a convidar-lhes. Entretanto,
Abu Lahab disse irritado: Morte para ti! Foi para isso que nos juntaste?
Então, ALLAH revelou o capítulo 111, que começa com o versículo: “Que
pereçam as duas mãos de Abu Lahab, e que ele também pereça”.
48 Parte I – História do Al-Qur’án
VERSÍCULOS DE MAKKAH E MADINA
Depois de ser honrado com a profecia, o Profeta viveu em Makkah
aproximadamente 13 anos; depois disso, emigrou para Madina onde viveu
mais 10 anos e veio a falecer. Portanto, existem partes do Al-Qur’án que
foram reveladas em Makkah, outras em Madina e outras noutros locais.
Os leitores mais atentos já devem ter reparado que no início de alguns
capítulos do Al-Qur’án vem escrito Makkiyah e no de outros encontra-se
escrito Madaniyah.
Geralmente, as pessoas pensam que Makkiyah quer dizer revelado na cidade
de Makkah e Madaniyah revelado na cidade de Madina, o que está errado.
O termo Makkiyah é utilizado para todo o capítulo ou versículo que foi revelado
antes da emigração do Profeta para Madina e os mesmos podem não ter
sido revelados na cidade de Makkah, como por exemplo, todos os capítulos
ou versículos que foram revelados em Miná, Arafah ou durante a ascensão
(Mi’ráj) e até mesmo os versículos que foram revelados durante a emigração.
Da mesma forma, Madaniyah é utilizado para designar todos os capítulos ou
versículos que foram revelados após a emigração, mesmo que não tenham sido
revelados na cidade de Madina. Para este caso, podem-se assinalar os versículos
que foram revelados durante as viagens para fora de Madina, durante a conquista
de Makkah, em Hudaibiyah ou mesmo na cidade de Makkah e arredores.
Por exemplo, o versículo seguinte foi revelado numa Sexta-feira em Arafah,
mas é Madaniyah:
“Hoje completei para vós a vossa religião, aperfeiçoei a Minha graça sobre
vós e aprovei para vós o Isslam (a submissão) como religião.”
[Al-Qur’án 5:3]
Tomemos também o seguinte versículo como exemplo, que é considerado
Madaniyah enquanto que foi revelado à frente do Ká’bah, durante a conquista
de Makkah [Al-Burhán, Manáhilul-Irfán]:
“ALLAH ordena-vos que restituís os depósitos aos seus donos, e que julgueis
com justiça quando julgardes entre os humanos; quão excelente é isso a que
ALLAH vos exorta! Na verdade, ALLAH ouve tudo e vê tudo.”
[Al-Qur’án 4:58]
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 49
Há capítulos que são considerados inteiramente Makkiyah ou inteiramente
Madaniyah, como por exemplo, o Suratul-Muddassir, que é inteiramente
Makkiyah e o Surat Ál-Imran que é completamente Madaniyah.
Existem outros capítulos que são denominados Makkiyah mas têm um ou mais
versículos Madaniyah e vice-versa. Por exemplo, o Suratul-A’raf é Makkiyah
mas contém versículos Madaniyah (163 a 172), enquanto que o Suratul-Haj é
Madaniyah mas tem alguns versículos Makkiyah (52 a 56).
Portanto, conclui-se deste modo que um determinado capítulo é considerado
Makkiyah ou Madaniyah dependendo da maioria dos seus versículos.
ALGUMAS PARTICULARIDADES DOS
VERSÍCULOS MAKKIYAH E MADANIYAH
Conhecer os versículos Makkiyah ou Madaniyah é muito importante, pois
isso ajuda a perceber melhor a história do Al-Qur’án e as datas relacionadas
às leis reveladas, as revogadas e as activas. A única forma de conhecê-los é
através das narrações autênticas dos Sahábah .
Depois de fazerem um estudo aprofundado dos versículos, os teólogos
chegaram a certas conclusões:
a) Todo o capítulo em que esteja mencionada a palavra “Kallá” é Makkiyah,
que se encontra por 33 vezes em quinze capítulos da segunda metade do
Al-Qur’án, cuja maioria foi revelada em Makkah.
b) Todos os capítulos que têm versículos contendo Sajdah (prostração) são
Makkiyah.
c) À excepção do Suratul-Baqarah, todos os capítulos que contêm passagem
de Ádam e Ibliss (Satanás) são Makkiyah; os capítulos que falam de
“ó fi lhos de Ádam” também são Makkiyah.
d) Todos os capítulos que começam com letras como Há-Mim, Tá-Há, etc.,
são Makkiyah, exceptuando os capítulos Al-Baqarah e Ál-Imran que são
Madaniyah; quanto ao Suratur-Raád há diferença de opinião.
e) Todos os capítulos que permitem o combate (guerra) ou falam das suas
regras são Madaniyah.
f) Todos os versículos que falam dos Munáfi quin (hipócritas) são Madaniyah.
50 Parte I – História do Al-Qur’án
g) Geralmente, nos capítulos Makkiyah vem “Yá Ayyuhannáss” e nos
Madaniyah vem “Yá Ayyuhallazina Ámanu”, pois em Makkah predominavam
os descrentes. Contudo, não se trata duma regra geral pois, por exemplo,
nos capítulos Al-Baqarah e An-Nissá (que são Madaniyah) vem “Yá
Ayyuhannáss U’budu Rabbakumullazi Khalaqakum” e “Yá Ayyuhannássut-
Taqu Rabbakum”.
h) Geralmente, os versículos e capítulos Makkiyah são curtos e abreviados,
enquanto que os Madaniyah são longos e pormenorizados.
i) No geral, os tópicos dos capítulos Makkiyah são: monoteísmo, profecia,
ordem de paciência ao profeta Muhammad , narrações de povos anteriores,
panorama do Fim do Mundo, Ressurreição, enquanto que os tópicos
dos Madaniyah são: leis familiares e civis, crimes, regras de combate e
códigos de vida.
j) Na sua maioria, os capítulos Makkiyah falam de idolatria e idólatras,
enquanto os Madaniyah falam dos adeptos do Livro e dos hipócritas.
Os primeiros capítulos Makkiyah consistem em frases curtas e concisas e
foram revelados numa linguagem muito fl uente e efectiva de forma a se
adequarem às pessoas a quem primeiramente foram dirigidos. São ricos em
eloquência, ritmo poético e ideias elevadas e brilhantes.
Os capítulos Makkiyah descrevem a Unicidade e Majestade de ALLAH
e os horrores do Dia do Julgamento, denunciam a idolatria e prometem
recompensas generosas (Paraíso) aos que praticam boas acções. São repletos
de referências ilustrativas da natureza, começando a maioria deles com um
ou vários juramentos.
Quando o Profeta e os Sahábah tiveram que deixar Makkah devido à intensa
agressividade por parte dos quraishitas, partiram para Madina e encontraram aqui
um novo ambiente. É óbvio que os capítulos e versículos que fossem revelados
aqui estivessem em conformidade com as ocorrências do local.
Portanto, os capítulos Madaniyah são longos e narram eventos com mais pormenores,
treinam os muçulmanos na metodologia e na conduta sobre diferentes
assuntos da vida e proporcionam passos necessários para a organização duma
comunidade sã e duma boa civilização.
Chamam ainda os adeptos dos livros, os hipócritas e os descrentes para o caminho
recto e também traçam regulamentos morais e reformas sociais.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 51
COMPILAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO AL-QUR’ÁN
Ao contrário do Torah, livro sagrado escrito em tábuas e enviado ao profeta
Mussa (Moisés), que sabia ler e escrever, o Al-Qur’án foi revelado ao
profeta Muhammad através da recitação, pois ele era iletrado e não sabia
ler nem escrever, assim como consta no Al-Qur’án:
“E se fi zéssemos descer sobre ti (ó Muhammad) um livro escrito em pergaminho, e
eles o tocassem com as suas mãos, os que descrêem diriam: Isto é pura magia.”
[Al-Qur’án 6:7]
Já se referiu que o Al-Qur’án não foi revelado duma só vez, mas sim
gradualmente. No entanto, na época do Profeta , não era possível conserválo
na forma de livro logo à priori, sendo portanto, a conservação do Al-Qur’án
baseada somente através da memorização.
Tal como muitos árabes naquela época, o Profeta também era iletrado e
por isso, preocupava-se mais com a memorização dos versículos quando se
iniciou a revelação, repetindo-os constantemente para não esquecê-los.
Então, ALLAH revelou alguns versículos através dos quais o informou de
que para a memorização dos versículos, não seria necessário a sua repetição
precipitada, pois ALLAH criaria nele uma memória extraordinária, bastando
para tal recitá-los apenas uma única vez:
“Não movimenta demais a tua língua para te apressares na recitação do
Qur’án, porque a Nós incumbe a sua compilação e a sua leitura e, quando a
lemos, segue a sua leitura; a Nós também compete a sua explicação.”
[Al-Qur’án 75:16-19]
“Não te apresses (ó Muhammad) em recitar o Qur’án antes de se completar
a sua revelação, e diz: Senhor meu! Aumentai-me no conhecimento.”
[Al-Qur’án 20:114]
“Nós far-te-emos recitar (ó Muhammad) de modo que nada esqueças dele
(do Al-Qur’án) excepto aquilo que ALLAH quiser (os versículos que ALLAH
quiser revogar, esses ALLAH lhe fará esquecer).” [Al-Qur’án 87:6-7]
Deste modo, o coração e a mente do Profeta se tornaram na fonte e tesouro
mais seguro do Al-Qur’án, onde não era possível existir qualquer falha, alteração,
52 Parte I – História do Al-Qur’án
adição ou diminuição. Durante a noite, o Profeta mantinha-se acordado na
oração, recitando o Al-Qur’án até que os seus pés fi cassem inchados.
Apesar disso, todos os anos durante o mês de Ramadhán, ele fazia revisão
dos versículos revelados, recitando-os perante Jibraíl . No ano em que
veio a falecer, fez duas vezes a revisão do Al-Qur’án.
O Profeta disse: “Ó Aisha! O Jibraíl fazia a revisão do Al-Qur’án comigo todos
os anos uma vez, mas neste ano, fez revisão do Al-Qur’án duas vezes; acho que o
tempo de eu deixar este mundo já chegou (i.é, a minha missão já acabou)”.
[Bukhari]
O Profeta não recitava o Al-Qur’án apenas quando estivesse a sós, mas também
para as pessoas o escutarem, recitando em voz alta e calmamente. Ele explicava
o signifi cado dos seus versículos e incentivava as pessoas a memorizá-los.
Os Sahábah tinham tanta vontade de aprender e memorizar o Al-Qur’án
que até competiam uns com os outros. Deixavam o prazer da dormida e
descanso durante a noite, preferindo recitar o Al-Qur’án até ao amanhecer.
Eram considerados melhores os que tinham mais versículos memorizados ou
que percebiam mais os seus signifi cados, chegando-se ao ponto de algumas
mulheres exigirem como dote no acto de casamento, que os maridos lhes
explicassem ou ensinassem alguns versículos do Al-Qur’án.
Ubádah ibn Sámit relata: Quando alguém emigrava de Makkah para Madina,
o Profeta recomendava a um de nós para que o ensinássemos o Al-Qur’án.
No Massjid Nabawi, criou-se tanto eco devido à recitação do Al-Qur’án (uns
a aprender outros a ensinar) que o Profeta teve que ordenar às pessoas a
baixarem a voz, para não cometerem erros [Manáhilul-Irfán].
Assim, num curto espaço de tempo, um grande número de Sahábah se tornou
Háfi z, i.é, aquele que tem o Al-Qur’án memorizado. Só nas batalhas ocorridas
em Bir Mauna e Yamáma, se martirizaram 140 deles. Não havia um muçulmano
que não tivesse alguma parte do Al-Qur’án decorado.
De entre eles constam os quatro Khalifas, Tal-ha, Sá’ad, ibn Mass’ud, Huzaifa
ibn Al-Yamán, Sálim Maula de Abi Huzaifa, Abu Hurairah, Abdullah ibn
Umar, Abdullah ibn Abbass, Amr ibn Al-Áss e seu fi lho Abdullah, Mu’áwiyah,
Abdullah ibn Zubair, Abdullah ibn Saib, Aisha, Hafssa, Umme Salma, Ubai
bin Káb, Mu’áz ibn Jabal, Zaid bin Sábit.
História do Al-Qur’án, do Hadice e da Bíblia 53
Isto mostra claramente que se dava muita ênfase à memorização do Al-Qur’án,
sendo considerado o método mais seguro e estável para essa época, durante a
vida do Profeta .
Para a sua preservação, o Al-Qur’án não depende somente de livros (papel),
pois se encontra bem guardado no coração e mente dos muçulmanos. O
mesmo não acontece com outras escrituras Divinas, cuja leitura não pode ser
feita através da memória e nem através dos respectivos idiomas originais;
elas só podem ser conservadas por meio de livros e traduções diversas.
Este método foi muito útil e efi caz uma vez que na altura, a maioria das pessoas
eram analfabetas, mas grandes admiradoras de literatura. Não havia tipografi as
nem material para a sua publicação. Portanto, a única forma de eles poderem
desfrutar de trabalhos literários era decorando poemas, discursos, etc. Assim, a
memória forte dos árabes contribuiu decisivamente para este nobre objectivo,
levando o Al-Qur’án até aos pontos mais remotos da Arábia e por aí fora.
E era assim durante a época do Profeta ; porém, logo após a sua morte,
os Háfi zes já existiam aos milhares, tal como ainda acontece nos dias de
hoje em que o número deles está constantemente a aumentar, chegando aos
milhões, pois é uma particularidade deste Ummat (comunidade).
Não restam dúvidas de que o Al-Qur’án que temos hoje é autêntico, completo e
conforme o original. Com o Seu grandioso poder, ALLAH manteve-o inalterado
desde a sua revelação até aos nossos dias e assim o manterá para sempre, pois
Ele próprio assumiu a responsabilidade de o preservar, segundo consta no
sagrado Al-Qur’án:
“Nós revelamos a Mensagem e somos Nós os seus Guardiães.”
[Al-Qur’án 15:9]
Contudo, isto não signifi ca que os anjos descendem para proteger e salvaguardar
o Al-Qur’án; tudo isso acontece neste mundo sob circunstâncias extraordinárias.
Essa responsabilidade foi e será cumprida por nós, seres humanos e muçulmanos,
através de processos históricos e milagrosos.
E isso é considerado um milagre vivo concedido ao profeta Muhammad .
Muitos eruditos, mesmo não muçulmanos, concluíram que o Al-Qur’án que
existe hoje é o mesmo livro que Muhammad recebeu, ensinou e transmitiu
à humanidade, há mais de catorze séculos.