O período mais brilhante da civilização islâmica foi sem dúvida o dos califas abássidas de Bagdá (750-1258) e dos omíadas espanhóis (755-1492).
Durante dois séculos, o fermento intelectual não diminuiu por um único instante. Al Ma’mun foi o califa que mais fez pela expansão cultural de Bagdá. Ele buscava o conhecimento onde estivesse, manteve relações com os imperadores de Bizâncio, escolheu os melhores tradutores para traduzirem os trabalhos de Aristóteles, Hipócrates, Galeno, Euclides, etc. Mamun cercou-se de eruditos, tradicionalistas, teólogos racionalistas, gramáticos, analistas, etc.
A observação astronômica iniciou-se em Bagdá; peritos dedicaram-se a medir o ângulo elíptico e a fixar a posição das estrelas; Al Farazi foi o primeiro no mundo árabe a fazer astrolábios.
O ocidente devia publicamente expressar sua gratidão aos eruditos do período abássida, que ficaram conhecidos na Europa durante a Idade Média, por seus estudos e descobertas.
Mamun fundou em Bagdá a Casa da Sabedoria, inspirada na universidade persa de Jandaisapur, e logo tornou-se um centro científico atuante. A enorme biblioteca da Casa da Sabedoria foi enriquecida com as traduções das obras gregas promovidas por ele.
Sábios de todas as raças e religiões eram convidados a trabalhar ali. Eles se preocupavam em preservar a herança universal, e não apenas a muçulmana. Os mais qualificados especialistas vieram para Bagdá de todas as partes de império. O que não faltava eram homens talentosos, trabalhando para descobrir o pensamento da antigüidade.
Harun Al Rashidpai de Al Ma’mun, teve um particular interesse pelos médicos que chegavam à capital. Os que tinham ficado famosos durante o período dos primeiros califas em Bagdá, tinham sido estudantes na universidade persa de Jandaisapur. A biografia de um desses médicos indica que o exame de urina era uma prática comum naquela época.
Cabe mencionar o homem a quem a ciência arábica deve muito, o homem que pode ser chamado de pai da medicina árabe, Hunain ibn Ishaq. Ele traduziu diversas obras e também dirigiu um equipe de sábios. Seu entusiasmo foi responsável pelo grande progresso na área.
Ao criar termos filosóficos e médicos ele possibilitou a criação de uma linguagem científica. Graças a ele, e a seus colaboradores, os autores árabes produziram uma cultura progressista por um século ou dois. No campo da ética e da moral, sua escola foi a primeira a traduzir o Juramento de Hipócrates.
Razi foi um físico conceituadíssimo na Europa medieval. Sua obra no campo da medicina foi ampla. Kindi, que passou à posteridade como o “filósofo dos árabes”, viveu em Bagdá neste rico período intelectual.
Desempenhou funções como tradutor, professor e astrólogo. Foi o responsável por conciliar as posições de Aristóteles e Platão. O sucessor de Al Kindi, Al Farabi, que viveu nos anos seguintes na corte dos príncipes hamdanidas em Alepo, estudou em Bagdá. Continuando os passos de Al Kindi, ele afirmou a semelhança entre os pontos de vista de Aristóteles e Platão.
Nesse meio tempo, a indústria do papel nascia. Depois da Batalha de Talas, no vale de Ili, ao final do período omíada, um prisioneiro de guerra chinês foi trazido a Samarkanda. Lá, ele começou uma indústria de papel, usando linho e cânhamo, que imitava o que ele tinha visto em seu próprio país. Em 795, há menção à criação da primeira fábrica de papel em Bagdá.
Por um longo tempo, Samarkanda permaneceu como o centro da indústria, mas, além de Bagdá, o papel era feito em Damasco, Tiberias, Trípoli, Iêmen, Maghrib e Egito. A cidade de Jativa, na Espanha, foi famosa por seu papel espesso e vidrado.
Depois do surgimento do papel, inúmeros manuscritos se multiplicaram no império muçulmano. Este período próspero para a publicação e venda de livros foi essencial para o desenvolvimento cultural. O papel foi, portanto, de grande importância século IX.
A partir de então, o comércio do livro se estabeleceu no oriente. Foram abertas livrarias em volta da mesquita principal. Sábios e escritores costumavam se encontrar nelas e os copistas podiam ser contratados ali. Além das livrarias abertas ao público, podiam ser encontradas salas de leituras, onde as pessoas, pagando uma taxa, podiam consultar os livros.
Os leitores disputavam as obras copiadas pelos calígrafos mais famosos, cujos nomes eram escrupulosamente registrados nas crônicas. As principais livrarias tinham seus copistas oficiais e seus próprios encadernadores.
Os escritores de posses tinham uma equipe trabalhando para eles. A caligrafia foi uma arte muito importante nos países muçulmanos, conforme se depreende dos monumentos e manuscritos que chegaram até nós, o mais famoso da época foi Ibn Muqla.
Bagdá tornou-se uma metrópole intelectual, uma conquista que eclipsou os esforços feitos por suas duas cidades rivais, Kufa e Basra. O trabalho dos tradutores entusiastas foi só o começo; havia um elo entre os escritores árabes e o pensamento grego, e a assimilação entre eles muitas vezes foi bem sucedida.
“Em uma época quando o resto da Europa estava mergulhado no mais sombrio barbarismo,” declara Gustave Le Bon, “Bagdá e Córdoba, as duas grandes cidades onde o Islam dominava, eram centros de civilização que iluminaram todo o mundo com a luz de seu brilhantismo.”
Através de uma inscrição encontrada sobre a entrada das universidades na Espanha durante a época muçulmana, pode se perceber a importância atribuída ao conhecimento:
“O mundo é sustentado por quatro pilares: a sabedoria do instruído, a justiça do grande, as orações dos virtuosos, e o valor do bravo.”
Deve ser notado que a sabedoria encabeça a lista, o que não surpreende quando se recorda que o Islam glorifica o aprendizado em vários versículos do Alcorão, proclama através dos lábios de seu Profeta que “a pena dos sábios é mais preciosa que o sangue dos mártires”, e invoca o crente para “procurar o conhecimento, mesmo que tenha que ir tão longe quanto a China para encontrá-lo.”
Por vários séculos os muçulmanos permaneceram fiéis a este princípio de sua religião, por quinhentos anos, ” escreve Jacques C. Riesler,:
“O Islam dominou o mundo através de seu poder, seu conhecimento, e sua civilização superior. Sucessor do tesouro filosófico e científico dos gregos, o Islam transmitiu este tesouro, após enriquecê-lo, para a Europa ocidental. Assim foi capaz de ampliar o horizonte intelectual da Idade Média e causar uma impressão profunda na vida e pensamento europeu.”
A fundação em 830 da Bait al Hikmat (Casa do Conhecimento) em Bagdá pelo califa Al Mamun (813-833) foi um dos eventos notáveis da Idade Média. Não se pode negar a importância do papel desempenhado por esta instituição – uma espécie de amálgama de academia, biblioteca e centro de traduções – na transmissão para o mundo ocidental do legado da civilização da Antigüidade.
Este estabelecimento ilustre, composto de sábios cristãos, judeus e árabes, ocupou-se inicialmente de “conhecimento estrangeiro”.
A ciência e a filosofia gregas, os trabalhos de Galeno, Hipócrates, Platão, Aristóteles, e de comentadores como Alexandre de Afrodis, Temístenes, John Filoponos, etc.
A Bait al Hikmat foi a pedra fundamental da Escola de Bagdá, que exerceu sua influência a partir da segunda metade do século XV. Esta escola detém o mérito de ter garantido a continuidade da civilização, restaurando a cadeia do conhecimento humano que foi quebrada brutalmente no século VI, pelo declínio e queda de Roma.
Se a civilização islâmica tivesse se restringido meramente a salvar conhecimentos da Antigüidade, guardando-os cuidadosamente e transmitindo-os intactos para as gerações futuras, o serviço prestado à humanidade já teria sido inestimável.
Mas não foi este o caso, os sábios e filósofos da Escola de Bagdá herdaram o espírito e a tradição da Escola de Alexandria, ampliaram e enriqueceram o conhecimento da Antigüidade através de adições novas e originais em todos os ramos da ciência, através de incontáveis descobertas nas artes aplicadas, e também, e acima de tudo, através de novos métodos de pesquisa e investigação.
“O que caracteriza a Escola de Bagdá,” escreve Sedillot, cuja autoridade no assunto é incontestável:
“É o espírito verdadeiramente científico que governa todos os seus trabalhos: prosseguir do conhecido ao desconhecido, observar fenômenos acuradamente de modo a deduzir causas de efeitos, aceitar como fato somente o que havia sido provado por experimentos, estes eram os preceitos ensinados pelos mestres.
Os árabes do século IX estiveram em poder de um rico método científico que muito tempo depois, nas mãos de cientistas modernos, concorreu para suas maiores descobertas.”
H. A . R. Gibb confirma em nossos dias a declaração feita um século atrás por Sedillot :
“Através da concentração de seus pensamentos em eventos individuais”
Diz ele:
“Os sábios muçulmanos foram capazes de desenvolver um método científico muito superior ao dos seus predecessores gregos ou alexandrinos. Foram responsáveis pela introdução ou restauração do método científico na Europa medieval.”
A Escola de Bagdá não apenas fez uma contribuição poderosa ao Renascimento da Europa, como escreveu de Sismondi, mas também trouxe esclarecimento à toda a Ásia.
O conhecimento islâmico encontrou seu rumo no Hindustão por volta de 1016 sob os auspícios de Mahmud de Ghazna; alcançou os Seljúcidas, via Omar Khayyam, por volta de 1076; os mongóis via Nasr Ed Din Thusi, fundador do Observatório de Maragá, em 1260, e os otomanos por volta de 1337.
Foi introduzido na China por volta de 1280 durante o reinado de Kublai Khan, através de Ko-Cheu-King, e o timurida Ulug Beg ergueu um novo e imperecível monumento em sua honra em 437 em Samarkanda.
É impossível negar, à luz de estudos recentes, que a totalidade do conhecimento grego foi completamente repensado pelos árabes, e que sem este trabalho de renovação de sua parte, a Renascença não poderia ter surgido.
Pesquisas científicas na Espanha muçulmana dirigidas pela nova Escola Francesa de Estudos Orientais, lideradas por Levi Provençal, e o trabalho de historiadores espanhóis notáveis como Sanchez-Albornoz, Asin Palacios, Gomez Moreno e Emile Garcia Gomez confirmam totalmente esta teoria.
“Sem dúvida, não se pode falar atualmente sobre ‘as trevas da Idade Média’”, escreve Sanchez-Albornoz; deve lembrar-se que lado a lado com uma Europa enfraquecida pela miséria e decadência, existiu uma civilização resplandecente da Espanha muçulmana.
Os líderes de estudos árabes na Espanha estão abrindo hoje novos horizontes onde a disseminação, efeito e brilhantismo desta cultura hispano-mourisca estão relacionados.
Eles demonstraram o papel decisivo que ela desempenhou no desenvolvimento da filosofia, ciência, poesia, e na verdade em todos os aspectos da cultura na Europa cristã.