A eternidade das civilizações é medida pelo montante das contribuições que elas oferecem à história da humanidade deixando eternas marcas em vários aspectos do pensamento, das ciências e da ética. Nós já apresentamos o grande papel desempenhado pela civilização islâmica na história do desenvolvimento humano e, podemos agora, identificar essas marcas e contribuições por meio do que a Europa ou o renascimento europeu alcançou.
Isso ocorre porque as conquistas da civilização européia tiveram a influência da civilização islâmica, que a precedeu. Sem exagero, a história européia moderna é a extensão natural da história da civilização islâmica quando esta estava em sua época de florescimento. Não havia separação entre elas.
Os Caminhos da Civilização Islâmica para a Europa
Os historiadores são quase unânimes em afirmar que a civilização islâmica entrou em contato com os cristãos da Europa Ocidental durante os tempos medievais, quando a Europa estava passando por escuridão total, através de três vias principais, que variaram em nível de atividade e impacto cultural.
Andaluzia, um dos Caminhos da Civilização Islâmica para a Europa
A Andaluzia é a principal via da civilização muçulmana, a ponte mais importante através da qual a civilização islâmica se transferiu para a Europa e teve um impacto em várias áreas científicas, intelectuais, sociais e econômicas. A Andaluzia, que é parte da Europa, permaneceu por oito séculos (92-897 dH / 711-1492 dC) como um farol irradiante da civilização durante o tempo em que os muçulmanos estavam lá, mesmo quando era politicamente fraco, e quando os reinos dos partidos apareceram. Isso ocorreu através de suas universidades, escolas, bibliotecas, fábricas, palácios, jardins, cientistas e homens de letras. A Andaluzia tornou-se ponto de atenção dos europeus, cujos países tinham contatos íntimos e contínuos com a Andaluzia[1].
Logo após os muçulmanos se estabelecerem na Espanha, eles se dedicaram ao conhecimento e concentraram sua atenção sobre as ciências, a literatura e as artes. Nesse sentido, os muçulmanos superaram o progresso alcançado por seus irmãos no Oriente, fizeram grandes inovações em todas as ciências, o que deu à Europa enormes fontes das quais continuou a assimilar o conhecimento desde o final do século XI até o renascimento italiano, no século XV.
Gustav Lobon disse: “Tão logo os árabes completaram a conquista da Espanha, eles começaram a cumprir a mensagem da civilização nela. Em menos de um século, eles conseguiram dar vida a uma terra árida, reconstruir as cidades destruídas, instituír magníficos edifícios e fortalecer estreitas relações comerciais com outras nações. Eles então passaram a se dedicar ao estudo das ciências e artes e à tradução dos livros do grego e do latim, e fundaram as universidades que continuaram a ser um lugar para a cultura na Europa por muito tempo.”[2]
A política de tolerância islâmica teve um grande impacto sobre a Ahl al-Zhimma (não-muçulmanos que vivem sob a proteção do Estado Muçulmano), incluindo judeus e cristãos. Os espanhóis arabizados tiveram interesse em estudar a língua árabe e a usaram em suas vidas cotidianas. Eles até mesmo a preferiram em vez da língua latina. E muitos judeus estudaram nas mãos dos professores árabes.
A Tradução na Andaluzia
A tradução do árabe na Andaluzia prosperou muito, principalmente em Toledo, durante os séculos XII e XIII. A tradução costumava ser feita do árabe para o espanhol e, depois, para o latim, ou do árabe para o latim diretamente. A tradução não ficou restrita aos livros escritos por cientistas árabes sobre todos os ramos do conhecimento, mas abrangeu grandes livros gregos que foram traduzidos no Oriente dois séculos antes. Alguns livros de escritores gregos, como Galeno, Hipócrates, Platão, Aristóteles, Euclides e outros foram traduzidos.
Um dos mais famosos tradutores de Toledo foi Gerard de Cremona, que é chamado de “o toledense”. Ele chegou da Itália, em 1150 dC, e lhe é atribuída a tradução de cerca de cem livros, entre eles: 21 de medicina, incluindo a Al-Mansuri, escrito por Al-Razi e al-Qanun (A lei) por Ibn Sina. Alguns dos livros parecem ter sido traduzidos pelos seus alunos sob sua supervisão e alguns em colaboração com outros, principalmente com “Galipus”, que era arabizado. Durante o século XII, a tradução também foi praticada por espanhóis e outros que vieram para a Espanha. Afonso X, o rei de Castela (1252-1284 dC) criou várias instituições de ensino superior e incentivou a tradução do árabe para o latim e, às vezes, para a língua castelhana[3].
Sarton disse: “Os muçulmanos, os gênios do Oriente, realizaram grandes conquistas na Idade Média. Os livros mais valiosos, mais originais e mais ricos em conteúdo, foram escritos em árabe. A partir de meados do século VIII até o final do século XI, o árabe era a língua da ciência que elevava a raça humana, a tal ponto que qualquer pessoa que queria estar familiarizado com a cultura de sua época e com sua forma mais recente tinha que aprender a língua árabe, e muitos estrangeiros aprenderam o árabe. Eu não creio que precisamos ressaltar os progressos científicos dos muçulmanos nas áreas de matemática, física, astronomia, química, botânica, geografia e medicina.”[4]
A Influência de Córdoba no Renascimento Europeu
Falando sobre o status de Córdoba, em especial no movimento da civilização islâmica, John Brand Trand disse: “Córdoba, que superava todas as cidades européias em termos de vida urbana, no século X dC, de fato era ponto de admiração do mundo, como a cidade de Veneza, aos olhosdas nações dos Balcãs. Os turistas que vêm do Norte ouviam o que exigia reverência por tal cidade que tinha 70 bibliotecas e 900 banhos públicos. Quando os governantes de Lion, Navarra ou Barcelona precisavam de um cirurgião, engenheiro, arquiteto, costureiro ou músico, só achavamsuas necessidades em Córdoba“[5].
O pensador Leopold Weiss[6] sublinhou o papel de Córdoba na preparação do caminho para a era do renascimento, dizendo: “Não estamos exagerando se dizemos: A era da ciência moderna em que vivemos não começou nas cidades européias, mas nos centros islâmicos, em Damasco, Bagdá, Cairo e Córdoba”.[7]
Falando sobre Andaluzia, em geral, como uma ponte entre a civilização islâmica e o Ocidente, Sigrid Hunke diz: “As montanhas dos Pirenéus não foram uma barreira para impedir esses contatos. E assim, a civilização árabe andalusa encontrou o seu caminho para o Ocidente.”[8]
Ela acrescenta: “A tocha da civilização árabe foi carregada através da Andaluzia por milhares de cativos europeus, que retornaram de Córdoba e Saragoça e outros centros da cultura andalusa. Além disso, os comerciantes de Leon, Gênova, Veneza e Nuremberg desempenharam o papel de mediador entre as cidades européias e as cidades andalusas. Em seu caminho para Santiago, milhões de peregrinos cristãos europeus entraram em contato com os comerciantes árabes e peregrinos cristãos provenientes do norte da Andaluzia. O fluxo de cavaleiros, comerciantes e clérigos religiosos vindos anualmente a partir da Europa para a Espanha também contribuiu para transferir os alicerces da civilização andalusa aos seus países. E os comerciantes, médicos e aprendizes judeus carregaram a cultura dos árabes para os países ocidentais. Eles também participaram de trabalhos de tradução em Toledo e traduziram do árabe um grande número de histórias, mitos e epopéias.”[9]
A Andaluzia foi, portanto, um importante centro da civilização islâmica e foi uma das rotas mais importantes, através da qual esta civilização se transferiu para a Europa.
Dr Ragheb Elsergany
Tradução: Sh Ahmad Mazloum
[1] Hani al-Mubarak e Shawqi Abu Khalil: Dawr al-Hadarah al- Islamiyah al-Arabiyah fi al-Nahda al-Urubiyah (Papel dos árabes, a civilização islâmica no renascimento europeu), p 51,52.
[2] Gustav Le Bon: A civilização dos árabes p 273.
[3] Veja: Mahmud al-Jalili: Ta’thir al-tib Al-Arabi fi al-hadarah al- urubiyah (O impacto da medicina árabe na civilização européia). Link: http://www.islamset.com/ arabic/aislam/civil/civil1/algalely.html.
[4] Hassan Shamsi Basha: Hakaza kanu iauma kunna (assim eram quando éramos) p 8. Veja: Ahmad Ali Al-Mulla: Athar al-Ulama al-Muslimin fi al-hadarah al-urubiyah (Impacto dos estudiosos islâmicos na civilização européia) p 110, 111.
[5] John Brand: Espanha e Portugal, o estudo publicado no livro A Herança do Islam supervisionado por Arnold, p. 27.
[6] Leopold Weiss: (1900-1996 dC) Um austríaco de origem judaica, estudou filosofia e artes na Universidade de Viena e, em seguida, virou-se para o jornalismo, onde ele fez um trabalho fantástico e tornou-se um correspondente no Oriente árabe e islâmico. Ele se converteu ao Islamismo e adotou o nome de “Muhammad Assad”.
[7] Muhammad Assad: Al-Islam ala muftaraq Al-turuq (O Islam no cruzamento das vias) p 40.
[8] Sigrid Hunke: Shams al-Arab, p 31.
[9] Sigrid Hunke: Idem, p 532.