Sura Al-Kahf:
Entre o orgulho do dono do jardim e a satisfação de seu companheiro
A Surata Al-Kahf é uma das suratas mais grandiosas para proteger o ser humano das provações — e a mais importante delas é a provação do Dajjal. Por isso, o nosso Profeta Muhammad ﷺ nos orientou a recitá-la toda sexta-feira. Eu a leio sempre que posso, mas hoje saí dela com uma lição que aliviou o peso das preocupações mundanas e me colocou diante de um espelho para avaliar minha alma e minhas relações diárias.
A Surata Al-Kahf é repleta de histórias, e o que me encanta é a forma majestosa com que o texto alterna entre cada relato e sua sabedoria — entre a lembrança da ação, da firmeza, da recompensa e da prestação de contas. Esse é o milagre único do Alcorão: abordar as questões de forma que toque o coração puro do muçulmano. A primeira história que me atraiu foi a do homem dono dos dois jardins e seu companheiro. Allah descreve a ele as dádivas que concedeu a esse homem: rios, árvores, palmeiras e colheitas abençoadas. Ele recebeu riqueza, abundância e muitos filhos — enquanto seu amigo tinha menos. Aqui surge a provação do orgulho.
Quando o homem disse ao seu companheiro: “Eu tenho mais riquezas e mais seguidores do que você”, chamou minha atenção o versículo em que Allah o descreve: “Ele entrou em seu jardim sendo injusto para consigo mesmo”. Percebi que quando alguém profere palavras de arrogância ou de descontentamento com as bênçãos de Allah, ele não prejudica senão a si mesmo. Allah é o Rico e Provedor; nós somos os necessitados. Impressionou-me como esse homem passou de abençoado a injusto — apenas por causa do orgulho!
Então me perguntei:
Quantas vezes fomos injustos conosco mesmos ao reclamar das bênçãos de Allah?
Quantas vezes nos vangloriamos sobre outros por terem menos do que nós?
Às vezes, a pessoa crê no decreto de Allah, mas se oprime quando diz: “Por que eu, ó Senhor?” — e caímos nisso com frequência.
O dono do jardim não parou por aí. Ele continuou dizendo:
“Não acredito que isto jamais pereça; e não creio que a Hora chegará. E mesmo que eu seja levado de volta ao meu Senhor, certamente encontrarei algo melhor do que isso.”
Essa é a provação da riqueza: acreditar que a prosperidade nunca acabará e esquecer que Aquele que deu pode tirar num instante.
Ao continuar a leitura, me tocou profundamente a fala do companheiro satisfeito com o que Allah lhe concedeu. Allah nos mostra aqui o valor do otimismo e da aceitação sincera:
“Quanto a mim, Ele é Allah, meu Senhor, e não associo nada a Ele. E quando entraste no teu jardim, por que não disseste: ‘Isso é o que Allah quis; não há poder senão com Allah’? Se me vês com menos riquezas e filhos, talvez meu Senhor me conceda algo melhor que o teu jardim e envie sobre ele um castigo do céu…”
O homem crente nos ensina a não cobiçar o que não nos pertence, a alegrar-nos pela provisão dos outros, e a lembrar de dizer “Masha Allah” quando admiramos alguma bênção. Ele também nos adverte sobre as consequências do orgulho e da ingratidão.
A história termina com o mais doloroso arrependimento:
“E seus frutos foram destruídos, e ele começou a torcer as mãos de desespero por tudo que havia gasto, enquanto tudo jazia em ruínas. E ele dizia: Ah, se eu não tivesse associado ninguém ao meu Senhor!”
Allah descreve o arrependimento de forma vívida: o homem batendo as mãos, consumido pela dor e pela perda.
Allah te dá para que você agradeça — não para que negue.
E te priva para que você seja paciente — não para que se desespere.
Entre a pobreza e a riqueza, há muitas provações. E cabe a você escolher: será como o dono do jardim, ou como seu companheiro crente?
Ó Allah, concede-nos satisfação, pureza e riqueza da alma.
Escrito por: Rana Ahmed