Cordeiro de Deus
Não há nada pior do que uma imagem nítida de um conceito confuso.
- Ansel Adams
Muitos cristãos afirmam encontrar a prova da crucificação e da expiação em João 1:29, que chama Jesus Cristo de “Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo”. Outros são mais especulativos, e por boas razões. Para começar, os cristãos discordam sobre o significado ea importância deste conceito de “cordeireza”. Alguns questionam a tradução da Bíblia enquanto outros ainda não conseguem vincular as referências de “Cordeiro de Deus” no Antigo e Novo Testamentos numa cadeia razoável de lógica. Até João Batista,a quem este versículo cita, parecia ter problemas com o termo. A alegação cristã é que João Batista sabia quem era Jesus, e identificou-o como o “Cordeiro de Deus” em João 1:29. Mas se ele conhecia Jesus tão bem para o identificar com certeza num versículo, por quequestiona Jesus
anos mais tarde: “És tu Aquele que haveria de vir ou devemos aguardar outro?
” (Mateus 11:3) Entre aqueles que têm dificuldade na retificação das inconsistências do Antigo e Novo Testamentos estão os próprios clérigos católicos. A Nova Enciclopédia Católica admite a incapacidade em determinar a origem do título “Cordeiro de Deus”, pois embora tentativas sejam feitas para rastrear o termo através de Isaías (Capítulo 53) por meio de Atos 8:32, “este texto é incapaz de explicar a expressão…
” O Dicionário Teológico do Novo Testamento tem a dizer: “O aramaico também pode oferecer uma base com o seu uso da mesma palavra para ambos „cordeiro‟ e, „menino ou servo‟. Assim,João Batista em Jo 1:29, 36 poderia estar a descrever Jesus como o servo de Deus que tira o pecado do mundo em servitude vicária (Is. 53).” Desculpe-me, mas você disse servo de Deus?
Hm… cordeiro/servo; animal/humano… Talvez devêssemos estar contentes que os tradutores confinaram as suas diferenças ao mesmo reino animal, mas mesmo assim… Então poderia o aramaico nativo de João Batista ter sido danificado na tradução para o Novo Testamento grego amnos? Poderia a tradução correta ser “menino” ou “servo”em vez de “cordeiro”?
Se assim for, qualquer ligação entre as referências no Antigo e Novo Testamentosao “Cordeiro de
Deus” destruir-se-ia mais rápido do que uma fita num turboélice. Por isso, é com grande interesse que nos deparamos com a Nova Enciclopédia Católica a concordar que a palavra aramaica talya‟pode ser traduzida para “menino” ou “servo”, bem como “cordeiro”.
Além disso, a proposta de que a frase dita por Batista foi “Eis o Servo de Deus”, e não “Eis o Cordeiro de Deus” é, nas suas palavras, “muito plausível” e “muito mais fácil de explicar”. Tal como acontece com pais theou, a primeira tradução do qual é “servo de Deus” em vez de “Filho de Deus”, poderia isto ser ainda mais um exemplo de má tradução teologicamente preconceituosa?
Muito possivelmente. Finalmente, há o padrão agora familiar de Jesus a ser rotulado de “Cordeiro de Deus” no Evangelho de João, mas em nenhum dos outros evangelhos, o que implica uma opinião minoritária ou, no mínimo, falta de comprovação. Mais uma vez, a votação é de três autores do evangelho para um de que a frase nunca foi dita em primeiro lugar, ou não declarada com o sentido em que foi traduzida. Se o significado original fosse “servo de Deus”
(assumindo que a frase foi proferida em primeiro lugar) os outros três autores do evangelho devem ser aplaudidos por se recusarem a corromper a mensagem numa receita abstrata de “cordeireza”. Por outro lado, se queremos confiar na Bíblia como sendo a palavra de Deus, temos de nos
perguntar por que Deus não inspirou este conhecimento aos outros três autores do evangelho. Supondo que o objetivo de Deus seja o de espalhar a Sua verdade tão amplamente e corretamente possível, temos de perguntar o que é mais provável:
1. O nosso Deus infalível falhou em propagar a Sua verdade três vezes
(hmm – não).
2. O autor do livro de João, versículos 1:29 e 1:36, defendeu uma doutrina falsa duas vezes. (Possível, mas vamos assumir que não, pois se esse fosse o caso torna-se difícil confiar em qualquer parte da Bíblia.)
3. O verdadeiro significado é “servo de Deus”, mas o preconceito doutrinal resultou na tradução para “cordeiro de Deus”. Talvez devêssemos considerar esta questão no contexto do credo cristão como um todo, pois a doutrina de Jesus como sendo o “Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo” sangra para as do pecado original e da expiação. Afinal, qual é a necessidade de um cordeiro sacrificial, se não para expiar o pecado (original) do mundo?
Pecado Original
Aquele que cai em pecado é um homem; o que se aflige dele, é um santo; o que se gaba dele, é um demónio.
- Thomas Fuller, The Holy State and the Profane State [O Estado Sagrado e o Estado Profano]
O conceito de pecado original é completamente estranho ao Judaísmo e ao Cristianismo Oriental, tendo obtido aceitação apenas na Igreja Ocidental. Além disso, os conceitos de pecado cristão e islâmico são praticamente opostos em relação a certas nuances. Por exemplo, não existe o conceito de “pecar na mente” no Islam; para um muçulmano, um mau pensamento torna-se uma boa ação quando uma pessoa se recusa a agir de acordo com ele. Superar e ignorar os maus pensamentos que sempre atacam as nossas mentes é
considerado merecedor de recompensa em vez de castigo. Islamicamente falando, um mau pensamento só se torna pecaminoso quando cumprido. Conceber boas ações é mais contrário à natureza básica do homem. Desde a nossa criação, se não vinculada por restrições sociais ou religiosas, a humanidade tem, historicamente, jantado no banquete da vida com luxúria e abandono. As orgias de autoindulgência que alfombram os corredores da história envolvem não apenas indivíduos e pequenas comunidades, mas também grandes potências mundiais que comeram a sua parte de desvio ao ponto de autodestruição.Sodoma e Gomorra podem estar no topo da maioria das listas, mas as maiores potências do mundo antigo
– incluindo os impérios grego, romano e persa, bem como aqueles de Genghis Khan e Alexandre, o Grande
– certamente carregam uma menção desonrosa. Mas, enquanto os exemplos de decadência comunal são inúmeros, casos de corrupção individual são exponencialmente mais comuns. Então, bons pensamentos não são sempre o primeiro instinto da humanidade. Como tal, o entendimento islâmico é que a própria conceção de boas ações é digna de recompensa, mesmo que não seja posta em prática. Quando uma pessoa realmente comete uma boa ação, Deus multiplica a recompensa ainda mais.
O conceito de pecado original simplesmente não existe no Islam, nem nunca existiu. Para os leitores cristãos, a questão não é se o conceito de pecado original existe nosdias de hoje, mas se este existia durante o período das origens cristãs. Especificamente, Jesus ensinou-o? Aparentemente não. Quem quer que tenha inventado o conceito, certamente não foi Jesus, pois ele supostamente ensinou: “Deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, porque de tais é o reino dos céus.”
(Mateus 19:14). Podemos muito bem perguntar como “porque de tais” poderia ser “o reino dos céus” se os não-batizados vão para o inferno. Crianças, ou nascem com o pecado original, ou vão para o reino dos céus.
A Igreja não pode ter as duas coisas. Ezequiel 18:20 registra, “O filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho,
A justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele.” Deuteronómio 24:16 repete este ponto.
A objeção pode ser levantada de que este é o Antigo Testamento, mas este não é mais antigo do que Adão! Se o pecado original data desde Adão e Eva, uma pessoa não o encontraria desmentido em qualquer escritura de qualquer idade! O Islamensina que cada pessoa nasce num estado de pureza espiritual, mas a educação e o fascínio dos prazeres mundanos podem corromper-nos. No entanto, os pecados não
são herdados e, na verdade, nem mesmo Adão e Eva serão punidos pelos seus pecados, porque Deus os perdoou. E como pode a humanidade herdar algo que já não existe?
Não, islamicamente falando, todos nós seremos julgados de acordo com as nossas ações, pois “nenhuma alma pecadora arca com o pecado de outra (…) não há, para o ser humano, senão o que adquire com o seu esforço” (OSA 53:38-39), e “Quem se guia, guiar-se-á, apenas, em benefício de si mesmo,
e quem se descaminha, descaminhar-se-á, apenas, em prejuízo de si mesmo. E nenhuma alma pecadora arca com o pecado de outra…”
(OSA 17:15). Cada pessoa irá assumir a responsabilidade pelas suas ações, mas nenhuma criança irá para o inferno por não ser batizada e sobrecarregada com o pecado como um direito de nascença - ou deveríamos dizertorto de nascença?