139
que a terra devia necessariamente existir antes de ser estendida e que ela existia,
por consequência, quando Deus construiu o céu. Destaca-se, então, a noção de
uma concomitância de duas evoluções, celeste e terrestre, com emaranhar dos
fenômenos. Não é preciso, portanto, encontrar nenhuma signifi cação particular
à menção que é feita no texto alcorânico, a propósito da criação da terra antes
dos céus e dos céus antes da terra; o lugar das palavras não prejudica a ordem
na qual a criação se efetuou, se as precisões não são, aliás, dadas.
O PROCESSO FUNDAMENTAL DA FORMAÇÃO DO
UNIVERSO E SUA COLOCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO
DOS MUNDOS
O Alcorão apresenta em dois versículos uma síntese breve dos fenômenos
que constituíram o processo fundamental da formação do universo:
- Capítulo 21. Versículo 30:
“Não veem, acaso, os incrédulos, que os céus e a terra eram uma só massa, que desagregamos,
e que criamos todos os seres vivos da água? Não creem ainda?”
- Capítulo 41, Versículo 11:
“Então, abrangeu, em Seus desígnios, os céus quando estes ainda eram gases, e lhes disse,
e também à terra...”
Seguem-se os mandamentos de submissão aos quais a alusão foi feita
mais acima.
Voltaremos mais adiante sobre a origem aquática da vida, que será examinada
ao lado de outros problemas biológicos, evocados no Alcorão. E preciso
deter-se, agora, no que se segue:
a) A afi rmação da existência de uma massa gasosa com fi nas partículas,
pois é exatamente assim que se deve interpretar a palavra fumaça (dukhan, em
árabe). A fumaça é geralmente constituída por um substrato gasoso com, em
suspensão mais ou menos estável, fi nas partículas que podem pertencer aos
estados sólidos e menos líquido da matéria e encontra-se em uma temperatura
140
mais ou menos elevada;
b) A menção de um processo de separação fatq que uma massa inicial
única, cujos elementos estavam inicialmente ligados entre si (fatq). Esclareçamos
que, em árabe, fatq é a ação de romper, de dessoldar, de separar, e que fatq é o
ato de ligai ou costurar os elementos para fazer um todo homogêneo.
Este conceito de separação de um todo em várias partes é acentuado
em outras passagens do Livro pela evocação de mundos múltiplos. O primeiro
versículo do primeiro capítulo do Alcorão proclama, depois da invocação da
abertura: “Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso”. “Louvado seja
Deus, Senhor dos Mundos”.
A expressão “Mundos” reaparece dezenas de vezes no Alcorão. Os céus
são também evocados como múltiplos, não somente sob a forma do plural, mas
ainda com a numeração simbólica sob a égide do número sete.
Sete é empregado vinte e quatro vezes em todo o Alcorão para enumerações
diversas. Tem, em geral, o sentido de múltiplo sem que se conheça
de modo exato a razão do uso assim feito do número nesse sentido. Entre os
gregos, entre os romanos, o número sete parecia também ter o mesmo sentido
de pluralidade não defi nida. No Alcorão, sete vezes o número sete se refere aos
céus, propriamente dito (samawaat); uma vez o número sete é empregado apenas
para designar os céus que fi cam subentendidos. Uma vez é feita a menção
dos sete caminhos do céu:
- Capítulo 2, Versículo 29:
“Ele foi Quem vos criou tudo quando existe na terra; então, dirigiu Sua vontade até o
fi rmamento do qual fez, ordenadamente, sete céus, porque é Onisciente.”
- Capítulo 23, Versículo 17:
“E por cima de vós criamos sete céus em estratos, e não descuramos da Nossa criação.”
- Capítulo 67, Versículo 3:
“Que criou sete céus sobrepostos; tu não acharás imperfeição alguma na criação do Clemente!
Volta, pois, a olhar! Vês, acaso, alguma fenda?”
- Capítulo 71, Versículos 15-16:
141
“Não reparastes em como Deus criou sete céus sobrepostos, E colocou neles a lua reluzente
e o sol, como uma tocha?”56
- Capítulo 78, Versículo 12 e 13:
“E não construímos, por cima de vós, os sete fi rmamentos? Nem colocamos neles um
esplendoroso lustre?”
A lâmpada muito ardente aí é o sol. Para todos esses versículos, os
comentadores alcorânicos estão de acordo: o número sete designa uma pluralidade
sem qualquer especifi cação.57
Os céus são, portanto, múltiplos; as terras são também e não é uma das
menores surpresas do leitor moderno do Alcorão encontrar, num texto dessa
época, o anúncio do fato de que terras como a nossa pudessem se encontrar
no universo, o que os homens ainda não verifi caram em nosso tempo.
O Versículo 12 do Capítulo 65 indica o fato:
“Deus foi Quem criou sete fi rmamentos e outro tanto de terras; e Seus desígnios se cumprem,
entre eles, para que saibais que Deus é Onipotente e que Deus tudo abrange, com
a Sua onisciência.”
Com o sete indicando, como já vimos, uma pluralidade indeterminada,
podemos concluir o que o texto alcorânico indica claramente que não existe
apenas uma terra, a terra dos homens (ard); há outras semelhantes no universo.
Outro motivo de perplexidade para o leitor do Alcorão no século 21: versículos
mencionam três grupos de coisas criadas, que são:
- aquelas que se encontram nos céus;
- aquelas que se encontram sobre a terra;
- aquelas que se encontram entre os céus e a terra.
56 - Nota-se que a lua e o sol, chamados dois luzeiros na Bíblia, são designados aqui, como
sempre no Alcorão, de maneira diferente; a primeira pela claridade (nur), enquanto que
a segunda é comparada nesse versículo, à tocha (sira), que produz a luz. Veremos mais
longe a aplicação ao sol de outros epítetos.
57 - Fora do Alcorão, nos textos da época de Muhammad ou de todos os primeiros séculos
que a seguiram, relatando suas palavras (Hadiths), encontramos com frequência o número
sete para indicar simplesmente uma pluralidade.
142
Eis aqui alguns versículos:
- Capítulo 20, Versículo 6:
“Seu é tudo o que existe nos céus, o que há na terra, o que há entre ambos, bem como o
que existe sob a terra.”
- Capítulo 25, Versículo 59:
“... Quem criou, em seis dias, os céus e a terra, e tudo quanto existe entre ambos...”
- Capítulo 32, Versículo 4:
“Foi Deus Quem criou, em seis dias, os céus e a terra, e tudo quanto há entre ambos”
- Capítulo 50, Versículo 38:
“Criamos os céus e a terra e, quanto existe entre ambos, em seis dias, e jamais sentimos
fadiga alguma.”58
A menção no Alcorão “o que está entre os céus e a terra” encontra-se,
ainda, nos versículos seguintes: Capítulo 21, Versículo 16; Capítulo 44, versículos
7 e 38; Capítulo 78, Versículo 37; Capítulo 15, Versículo 85; Capítulo 46, Versículo
3; Capítulo 43, Versículo 85.
Esta criação fora dos céus e fora da terra, mencionada repetidamente, é,
a priori, pouco imaginável. É preciso apelar para compreender o sentido desses
versículos, pelas constatações humanas modernas sobre a existência de uma
matéria cósmica extragaláctica e, para isso, tomar, procedendo do mais simples
ao mais complicado, as noções estabelecidas pela ciência contemporânea sobre
a formação do universo. Isto será objeto do parágrafo seguinte.
Mas antes de passar a essas considerações puramente científi cas, é bom
resumir os pontos essenciais sobre os quais o Alcorão nos informa a propósito
da criação. Conforme o que precede, esses pontos são os seguintes:
1 – Existência de seis períodos palra a criação em geral;
58 - Esta afi rmação, segundo a qual a criação não havia absolutamente fa gado Deus,
aparece como uma evidente réplica ao parágrafo da narração bíblica, citada na primeira
parte deste livro, segundo a qual Deus teria repousado no sé mo dia do trabalho que
havia feito nos dias precedentes.
143
2 – Enredamento de fases da criação dos céus e da criação da terra;
3 – Criação do universo a partir de uma massa inicial única, formando
um bloco que se separou a seguir;
4 – Pluralidade dos céus e pluralidade das terras;
5 – Existência de uma criação intermediária “entre céus e terra,”.
ALGUNS DADOS DA CIENCIA MODERNA
SOBRE A FORMAÇÃÒ DO UNIVERSO
O SISTEMA SOLAR
A Terra e os planetas, que giram em torno do Sol, constituem um mundo
organizado, cujas dimensões parecem colossais à nossa escada humana. A
Terra não está a uma distância aproximada de 150.000.000 de quilômetros do
Sol? Esta distância é considerável para um ser humano, mas ela é ainda muito
pequena em relação à distância média que separa o Sol do planeta mais distante
dele no sistema solar: em números redondos, quarenta vezes a distância
Sol-Terra; isto é aproximadamente 6 bilhões de quilômetros. O dobro dessa
distância, isto é, doze bilhões de quilômetros, representa a maior dimensão de
nosso planeta solar. A luz do Sol leva perto de seis horas para chegar a esse
planeta, Plutão, e, no entanto, ela completa seu trajeto na terrifi cante velocidade
de 300.000 quilômetros por segundo. Mas a luz levará bilhões de anos para
nos chegar de estrelas situadas nos confi ns do mundo celeste conhecido.
AS GALÁXIAS
O Sol do qual somos um satélite, do mesmo modo que os outros planetas
que o rodeiam, não é senão um pequeno elemento entre uma centena de
bilhões de estrelas que formam um conjunto chamado Galáxia. Aquilo que se
144
vê cobrindo todo o espaço por uma bela noite de verão constitui o que chamamos
de Via Láctea. Esse grupo apresenta dimensões consideráveis. Enquanto
a luz pode, em unidade da ordem de horas, percorrer todo o sistema solar, ela
requer um tempo da ordem de 90.000 anos para ir de uma extremidade a
outra do grupo mais compacto das estrelas que constituem nossa Galáxia.
Ora, essa Galáxia à qual nós pertencemos, por tão prodigiosamente vasta
que seja, não é senão um pequeno elemento do céu. Há aglomerações gigantes
de estrelas análogas à Via Láctea fora de nossa Galáxia. Elas foram descobertas
há pouco mais de cinquenta anos, quando a exploração astronômica pôde
benefi ciar-se de instrumentação óptica tão aperfeiçoada como aquela que
permitiu realizar o telescópio do monte Wilson dos Estados Unidos. Desta
maneira, pôde-se revelar um número prodigiosamente elevado de aglomerações
de Galáxias e de Galáxias isoladas, situadas a distâncias tais, que foi necessário
constituir uma unidade especial de anos-luz, o parsec (distância percorrida pela
luz em 3,26 anos, na velocidade de 300.000 quilômetros por segundo).
FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS GALÁXIAS
DAS ESTRELAS E DOS SISTEMAS PLANETÁRIOS
O que existiria originariamente no espaço imensamente vasto ocupado
pelas Galáxias? A ciência moderna não pode responder a esta questão, senão
a partir de uma certa época da evolução do universo, da qual ela não pode
calcular a duração que dela nos separa. Para os tempos mais recuados sobre
os quais ela é capaz de se pronunciar, a ciência moderna toma a posição de
considerar que o universo era formado de uma massa gasosa, composta, principalmente,
de hidrogênio e por uma parte de hélio em rotação lenta. Esta
nebulosa, a seguir, dividiu-se em múltiplos fragmentos de dimensões e massas
consideráveis, a tal ponto que os astrofísicos podem calculá-los na ordem de
um bilhão a 100 bilhões de vezes a massa atual do Sol (isto representa mais de
300.000 vezes a massa da Terra). Essas cifras demonstram a importância desses
fragmentos de massa gasosa inicial que vão dar nascimento às Galáxias.
Uma nova fragmentação vai formar as estrelas. Intervém, então, um processo
de condensação no qual entram em jogo as forças da gravidade (porque
esses corpos estão em movimento de rotação cada vez mais rápido), as pressões,
a infl uência dos campos magnéticos e das radiações. As estrelas tornam-se bri145
lhantes, contraem-se, transformando em energia térmica as forças da gravidade.
As reações termonucleares entram em logo e, pela fusão, átomos mais pesados
se formam às custas de outros mais leves; é assim que se passa do hidrogênio ao
hélio, depois ao carbono e ao oxigênio, para chegar aos metais e aos metaloides
(semimetais). As estrelas têm, assim, uma vida, e a astronomia moderna fez uma
classifi cação em função de seu estágio evolutivo. As estrelas têm uma morte:
observou-se no último estágio evolutivo a implosão brutal de certas estrelas
que se tornaram verdadeiros “cadáveres”.
Os planetas, e a terra em particular, provêm, eles também, de um processo
de separação a partir do constituinte inicial que foi a princípio, a nebulosa
primitiva. É um dado que não é mais controvertido, depois de quarto de século,
o fato que o sol foi condensado no meio da nebulosa única e que os planetas
se formaram também no meio do disco nebuloso que o envolvia. Lembremo-
-nos - e é de interesse capital para o assunto que nos preocupa aqui - de que
não houve uma sucessão na formação de elementos celeste como o Sol, e na
do elemento terrestre. Há um paralelismo evolutivo com identidade de origem.
Aqui, a ciência nos informa sobre a época durante a qual os acontecimentos
que acabam de ser evocados se passaram. Quando se calcula aproximadamente
em dez bilhões de anos a antiguidade de nossa galáxia, em pouco
mais de cinco bilhões de anos mais tarde, nesta hipótese, teríamos assistido a
formação do sistema solar. O estudo da radioatividade natural permite situar
idade da Terra e o momento da formação do Sol a 4,5 bilhões de anos, com
uma precisão atual, de, ao menos, 100 milhões de anos, segundo o cálculo de
certos sábios. Esta precisão suscita a admiração porque, se 100 milhões de anos
representam um tempo muito longo, a relação erro máximo tempo total a medir
é de , ou seja 2,2%.
Desse modo, para a formação do sistema solar, os especialistas da astrofísica
chegaram a um grau elevado de conhecimento sobre o processo geral, que
pode ser assim resumido: condensação e contração de uma massa gasosa em
rotação, separação em fragmentos, dando lugar ao Sol e aos planetas, entre eles,
a Terral59. Essas aquisições da ciência sobre a nebulosa primitiva de seu modo de
divisão em uma quantidade incomensurável de estrelas, agrupadas em galáxias,
não deixam a menor duvida sobre a legitimidade de um conceito de pluralidade
dos mundos, mas elas não trazem nenhuma espécie de certeza sobre a existência
de um universo que poderia, de perto ou de longe, assemelhar-se à Terra.
59 - Quanto à Lua, reconhece-se como verossímil uma separação progressiva da Terra,
em consequência da diminuição de sua rotação.
146
O CONCEITO DE PLURALIDADE DOS MUNDOS
Entretanto, os astrofísicos modernos julgam extremamente provável a
presença no universo, de planetas análogos à Terra. No que concerne ao sistema
solar, ninguém mais considera razoável a possibilidade de se encontrar, em
um outro planeta deste sistema, condições gerais semelhantes às da Terra. É
portanto, fora do sistema solar que se deveria pesquisá-las. Julga-se provável a
eventualidade de sua existência fora dele, pelas razões seguintes.
Considera-se que, em nossa Galáxia, a metade dos 100 bilhões de estrelas
deveria possuir, como o Sol, um sistema planetário. Com efeito, estes cinquenta
bilhões de estrelas, têm, como o sol, uma rotação lenta, propriedade que leva a
pensar que outros planetas existem em torno delas como satélite. A distância
dessas estrelas é tal que os supostos planetas satélites não são observáveis, mas
sua existência é considerada muito provável por causa de certas características
de trajetória: uma ondulação ligeira da trajetória da estrela é o índice da
presença de um satélite planetário associado. É assim que a estrela de Barnard
possuiria, pelo menos, um companheiro planetário de massa que ultrapassa à de
Júpiter e, talvez, dois satélites. P. Guérin escreveu: «Os sistemas planetários são,
segundo toda evidência, distribuídos em profusão (abundância) no universo. O
sistema solar e a Terra não são únicos»... E como corolário: «A vida, como os
planetas que a abrigam, está propagada por todo o universo, em todo lugar
onde ela encontrou as condições físico-químicas necessárias para sua eclosão e
para seu desenvolvimento».
A MATÉRIA INTERESTELAR
O processo fundamental da formação do universo residiu, portanto, em
uma condensação da matéria da nebulosa primitiva, depois em sua separação
em fragmentos que constituíram, na origem, massas galácticas. Estas se fragmentaram,
por sua vez, em estrelas, que darão subprodutos de fabricação, que
são os planetas. Essas separações sucessivas deixaram, entre os grupos de elementos
principais, o que se poderia chamar de restos. Dá-se-lhes o nome mais
científi co de matéria galáctica interestelar. Descrevem-na sob diversos aspectos,
ora como o de nebulosas brilhantes, difundindo uma luz recebida de outras
147
estrelas e que poderia ser constituída por “poeiras” ou “fumaças”, segundo as
expressões dos astrofísicos, ora como o de nebulosas obscuras, de densidade
mais fraca, ora, também, como uma matéria interestelar ainda mais discreta, conhecida
por atrapalhar as medidas fotométricas em astronomia. A existência de
“pontos” de matéria entre as próprias galáxias não deixa dúvida. Por rarefeitos
que sejam esses gases, eles poderiam, em razão do espaço colossalmente grande
que ocupam devido ao imenso distanciamento das galáxias umas das outras,
corresponder a uma massa que, apesar de sua fraca densidade, seria capaz de
ultrapassar o conjunto de massas das galáxias. H. Boichot dá, à presença dessas
massas intergalácticas, uma importância primordial susceptível de “modifi car
consideravelmente as ideias sobre a evolução do universo”.
É preciso, agora, à luz desses dados científi cos modernos, retomar as
ideias fundamentais extraídas do Alcorão sobre a criação do universo.
CONFRONTAÇÃO COM OS DADOS ALCORÂNICOS
SOBRE A CRIAÇÃO
Examinemos os cinco pontos essenciais em que o Alcorão dá precisões
a propósito da criação.
1. Os seis períodos da criação dos céus e da terra, segundo o Alcorão,
envolveriam a formação dos corpos celestes, da terra e seu desenvolvimento
até que ela se torne (com seus elementos) habitável pelos homens. Para ela, na
narração alcorânica, os acontecimentos desenvolveram-se em quatro tempos.
Deveriam ser vistas aí as eras geológicas descritas pela ciência moderna, tendo
o homem aparecido. Sabe-se, na era quaternária? Não é senão uma simples hipótese.
Ninguém pode responder a esta questão. Mas é preciso notar que, para
formar os corpos celestes, assim como para formar a Terra, como o explicam
os Versículos 9-12 do Capítulo 41, duas fases foram necessárias. Ora, a ciência
nos ensina que se toma como exemplo (único exemplo acessível), a formação
do Sol e de seu subproduto, a Terra; o processo decorreu por condensação da
nebulosa primitiva e separação. E preciosamente o que o Alcorão exprime, de
maneira explícita, pela menção dos processos que produziram, a partir da “fumaça”
celeste, uma união e, depois, uma separação. Registra-se, pois, aqui uma
identidade perfeita entre o dado alcorânico e o dado científi co.
148
2. A ciência mostrou a enredamento dos dois acontecimentos de formação
de uma estrela (como o Sol) e seu satélite, ou de um de seus satélites (como
a Terra). Essa intricação não apareceu no texto alcorânico, como já vimos?
3. A correspondência é manifesta entre a afi rmação da existência, no
estágio inicial do universo, dessa «fumaça» da qual o Alcorão fala para designar
o estado com predominância gasosa da matéria, que o constituía então, e a
concepção da nebulosa primitiva, segundo a ciência moderna.
4. A pluralidade dos céus expressa no Alcorão pelo símbolo do número
sete, do qual vimos a signifi cação, recebe da ciência moderna sua confi rmação,
nas constatações feitas pelos astrofísicos sobre os sistemas galácticos e seu número
considerável. Ao contrário, a pluralidade das terras análogas à nossa, pelo
menos por certos aspectos, é uma noção que se deduz do texto alcorânico mas
do qual a ciência não deu a demonstração da realidade; todavia, os especialistas
a consideravam como perfeitamente provável.
5. A existência duma criação intermediária entre «céus» e «terra», expressa
no Alcorão, pode ser ligada à descoberta desses pontos de matéria
presentes fora dos sistemas astronômicos organizados.
Se, no entanto, todas as questões postas pela narração alcorânica não
são, atualmente, inteiramente confi rmadas pelos dados científi cos, não existe, em
todo caso, a menor oposição entre os dados alcorânicos concernentes à criação
e os conhecimentos modernos sobre a formação do universo. O fato merece
ser sublinhado para a Revelação alcorânica quando se revela, com evidência, que
o texto do Antigo Testamento que possuímos em nossos dias deu, sobre esses
acontecimentos, afi rmações, que não são aceitáveis do ponto de vista científi co.
Como se admirar disso, aliás, quando se sabe que o texto sacerdotal da narração
da criação da Bíblia (Esse texto eclipsa as poucas linhas da narração Yahvista,
muito sucinta e muito vaga para ser levada em consideração por um espírito
científi co.) foi escrito por sacerdotes do tempo da deportação à Babilônia, que
tinham os fi ns legalistas já especifi cados e que, nesse perspectiva, confeccionaram
uma narração apropriada à sua versão teológica? É interessante destacar
a existência de tal diferença entre a narração bíblica e os dados alcorânicos
sobre a criação, também diante das acusações - todas gratuitas - que não foram
poupadas a Muhammad, desde os inícios do Islam, de ter copiado as narrações
bíblicas. A respeito da criação, a acusação não tem o menor fundamento. Como
um homem teria podido, há cerca de catorze séculos, corrigir até esse ponto
a narração então corrente, eliminando os erros do ponto de vista científi co, e
enunciando de seu próprio parecer os dados dos quais a ciência demonstrará
149
fi nalmente a exatidão em nossa época? Tal hipótese é insustentável! O Alcorão
fornece sobre a criação uma relação completamente diferente daquela da Bíblia.
RESPOSTAS A CERTAS OBJEÇÕES
Indiscutível é a existência de semelhanças entre as narrações bíblicas e
as narrações alcorânicas a propósito de outros assuntos, em particular no que
concerne à historia religiosa. Aliás, é muito curioso notar, sob esse ponto de
vista, que se não se faz restrição a Jesus por ter retomado a evocação dos fatos
da mesma ordem e dos ensinamentos butílicos, não se sente nenhum constrangimento,
em nossos países ocidentais, em censurar Muhammad de os retomar
em sua predicação, sugerindo que ele é impostor, visto que ele os apresenta
como uma Revelação. Mas onde está. Entretanto, a prova da reprodução por
Muhammad no Alcorão daquilo que os rabinos lhe teriam ensinado ou ditado?
Isto não tem mais fundamento que a afi rmação segundo a qual um monge cristão
lhe teria dado uma sólida formação religiosa. Que se releia o que R. Blachère
diz sobre essa «fábula», no seu livro o Problema de Maomé60.
Aventa-se, também, um quê de identidade entre certos enunciados alcorânicos
e crenças, remontando a tempos muito recuados, sem dúvida bem
anteriores à Bíblia.
De maneira mais geral, pretendeu-se ver um ressaibo de certos mitos
cosmogônicos nas escrituras santas; por exemplo, a crença dos Polinésios na
existência de águas primordiais mergulhadas nas trevas e que se separaram com
o aparecimento da luz. Então céu e terra se formam. Que se compare esse mito
à narração da criação segundo a Bíblia, encontrar-se-á, seguramente, uma certa
semelhança, mas é muito leviano acusar a Bíblia de ter retomado esse mito
cosmogônico.
Do mesmo modo seria considerar a concepção alcorânica da divisão da
matéria primordial constitutiva do universo no estágio inicial - concepção que é
a da ciência moderna - como decorrente de mitos cosmogônicos diversos que,
sob uma forma ou outra, exprimem coisa dessemelhante.
E interessante analisar mais de perto estas crenças e narrações míticas,
60 - Presses Universitaires de France, 1952.
150
porque nelas surge uma ideia de início, em si mesma imaginável e, para certos
casos, conforme a realidade do que sabemos atualmente ou do que nós supomos
saber; mas introduziram-se nela, no mito, descrições fantasmagóricas. Tal
é o conceito muito largamente difundido do céu e da terra, que teriam sido
no início unidos e, em seguida, separados. Quando, como no Japão, se lhe associaram
a imagem do ovo e uma expressão caótica como, naturalmente, para
todo ovo, um germe no seu interior, a adição imaginativa tira toda a seriedade
desse conceito. Em outros países, associam-lhe a planta que cresce para elevar
o céu e separar o céu da terra; aqui, ainda, enfantasiado detalhe que dá ao mito
sua marca bem especial. De qualquer modo, o caráter comum permanece, com
a noção de uma massa única no início do processo evolutivo do universo que,
por divergência, vai culminar nos diversos “mundos” que conhecemos.
Se esses mitos cosmogônicos são evocados aqui, é para sublinhar o seu
revestimento pela fantasia imaginativa do homem e marcar a diferença profunda
que existe entre os enunciados alcorânicos sobre o assunto, isentos de todos
os detalhes fantasistas que acompanham essas crenças, marcadas, ao contrário,
pela sobriedade verbal de seu enunciado e por sua concordância com os dados
modernos da ciência.
Assim caracterizados, os enunciados alcorânicos sobre a criação, por
terem sido expressos há cerca de catorze séculos, não parecem poder receber
uma explicação humana.
A ASTRONOMIA NO ALCORÃO
O Alcorão está repleto de refl exões sobre os céus. Vimos no capítulo
precedente, concernente à criação, que a multiplicidade dos céus e da terra
foi mencionada, assim como a existência daquilo que o Alcorão defi ne como
uma criação intermediária “entre os céus e a terra”, a qual a ciência moderna
demonstrou na realidade. Os versículos relativos à criação já davam, de certo
modo, uma ideia geral sobre o conteúdo dos céus, isto é, de tudo o que está
fora de nossa terra.
Além dos versículos especifi camente descritivos da criação, uns quarenta
outros versículos alcorânicos trazem, sobre a astronomia, indicações complementares
desses dados. Certamente, não são senão refl exões à gloria do Criador
151
e Organizador de todos os sistemas de estrelas e de planetas que, nós sabemos,
estão dispostos segundo posições de equilíbrio, das quais Newton explicou a
manutenção com sua lei da atração entre os corpos.
Os primeiros versículos citados aqui não oferecem muita matéria à refl
exão científi ca: eles têm simplesmente por fi m chamar a atenção sobre Todo
o Poder de Deus. É preciso mencioná-los, entretanto, para dar uma ideia real da
maneira pela qual o texto alcorânico apresentou, há perto de catorze séculos, a
organização do universo.
Essas alusões constituem um fato novo para a Revelação divina. Nem
os Evangelhos, nem o Antigo Testamento (fora as noções das quais vimos a
inexatidão de conjunto na narração bíblica da criação) tratam da organização do
mundo. O Alcorão considera demoradamente esse assunto. O que ele contém
importa, mas, igualmente, importa o que ele não contém. Ele não contém, com
efeito, relação das teorias atuantes na época sobre a organização do mundo
celeste e das quais a ciência demonstrou, mais tarde, a inexatidão. Daremos, mais
adiante, um exemplo delas. Este aspecto de ordem negativa deve ser sublinhado61.
A – REFLEXÕES GERAIS SOBRE O CÉU
- Capítulo 50, Versículo 6 - Ele trata dos homens em geral:
“Porém, não reparam, acaso, no céu que está acima deles? Como o construímos e o adornamos,
sem abertura aparente?”
- Capítulo 31, Versículo 10:
“(Deus) Criou os céus, sem colunas aparentes.”
61 - Ouvi, frequentemente, pessoas que se empenham em procurar uma explicação humana
– e somente uma explicação humana - dizerem sobre todo problema que o Alcorão
apresenta, que, se o Livro con vesse fatos precisos surpreendentes sobre a astronomia,
é porque os árabes seriam muito sábios no assunto. É apenas esquecer que o desenvolvimento
da ciência, em geral, em país islâmico, é bem posterior ao Alcorão, e que, de
todo modo, os conhecimentos, cien fi cos dessa grande época não teriam permi do a um
ser humano escrever certos versículos sobre a astronomia, que encontramos no Alcorão.
Essa demonstração será dada nos parágrafos seguintes.
152
- Capítulo 13, Versículo 2:
“Foi Deus Quem erigiu os céus sem colunas aparentes; logo assumiu o Trono e submeteu
o sol e a lua (à Sua vontade).”
Esses dois últimos versículos são uma refutação à crença, segundo a qual
a abóbada celeste devia sua existência a pilares de sustentação para não desabar
sobre a Terra.
- Capítulo 55, Versículo 7:
“E (Deus) elevou o fi rmamento (céu) e estabeleceu a balança da justiça.”
- Capítulo 22, Versículo 65:
“Ele sustém o fi rmamento, para que não caia sobre a terra, a não ser por Sua vontade.”
Sabe-se que o afastamento das massas celestes, a distância consideráveis
e proporcionais à importância das próprias massas, constitui o fundamento
de seu equilíbrio. Quanto mais afastadas estejam as massas, mais as forças de
atração de umas sobre as outras são mais fracas. Quanto mais próximas, mais
elas se interferem: é o caso da Lua, próxima da Terra (entende-se, no contexto
astronômico), que infl ui, pela lei da atração, sobre a posição da água nos mares,
donde o fenômeno das marés. Se dois corpos celestes se aproximassem demais,
a colisão seria inevitável. A submissão a uma ordem é a condição sine qua non62,
da ausência de perturbações.
Desse modo, a submissão dos céus à ordem divina é constantemente
citada.
- Capítulo 23, Versículo 86: Deus fala ao Profeta:
“Pergunta-lhes: Quem é o Senhor dos sete céus e o Senhor do Trono Supremo?”
Vimos que é preciso entender por sete céus os céus múltiplos e não em
número fi nito.
- Capítulo 45, Versículo 13:
“E vos submeteu tudo quanto existe nos céus e na terra, pois tudo d’Ele emana. Em verdade,
nisto há sinais para os que meditam.”
62 - Sem o qual não pode ser, em la m.
153
- Capítulo 55, Versículo 5:
“O sol e a lua giram (em suas órbitas).”
- Capítulo 6, Versículo 96:
“...(é Deus que) vos estabelece a noite para o repouso; e o sol e a luz, para cômputo (do
tempo).”
- Capítulo 14, Versículo 33:
“(Deus) Submeteu, para vós, o sol e a luz, que seguem os seus cursos; submeteu para vós,
a noite e o dia.”
Aqui, um versículo completa o outro: os cálculos que são evocados têm,
por consequência, a regularidade do curso dos corpos celestes considerados,
expressa pela palavra árabe da’ib, particípio presente de um verbo que signifi ca,
no sentido de “ se dedicar a fazer qualquer coisa. Deram-lhe aqui o sentido de
“se dedicar a fazer qualquer coisa com cuidado e de maneira continua, invariável,
segundo um hábito estabelecido”.
- Capítulo 36, Versículo 39: Deus fala:
“E a lua, cujo curso assinalamos em fases, até que se apresente como um ramo seco de
tamareira.”
Alusão feita à curvatura do galho da palmeira que, secando, toma a forma
crescente da Lua. Contemplaremos mais adiante o comentário.
- Capítulo 16, Versículo 12:
“E (Deus) submeteu, para vós, a noite e o dia; o sol, a lua e as estrelas estão submetidos
às Suas ordens. Nisto há sinais para os sensatos.”
A incidência prática dessa organização celeste perfeita é mencionada,
insistindo-se sobre seu interesse de facilitar os movimentos do Homem sobre
a Terra e no mar, assim como o cálculo do tempo. Esta observação se explica
quando se lembra que o Alcorão foi, na origem, um sermão endereçado a homens
que não poderiam compreender senão a linguagem simples, que era a sua
vida comum. Tal é a razão da presença de refl exões, como as que seguem:
- Capítulo 6, Versículo 97:
154
“Foi Ele (Deus) Quem deu origem, para vós, às estrelas, para que, com a sua ajuda, vos encaminhásseis,
nas trevas da terra e do mar. Temos esclarecido os versículos para os sábios.”
- Capítulo 16, Versículo 16:
“Assim como os marcos, constituindo-se das estrelas, pelas quais (os homens) se guiam.”
- Capítulo 10, Versículo 5:
“Ele foi Quem originou o sol iluminador e a lua refl etidora, e determinou as estações do
ano, para que saibais o número dos anos e seus cômputos. Deus não criou isto senão com
prudência; ele elucida os versículos aos sensatos.”
Aqui uma observação se impõe. Enquanto a Bíblia qualifi cou o Sol e a
Lua como “luzeiros”, juntando, apenas, a um qualifi cativo o grande e, a outro, o
pequeno, o Alcorão atribui, tanto a um como a outro, outras diferenças além
das de dimensão. Na verdade, a distinção não é senão verbal. Mas como se endereçar
aos homens daquela época, sem os confundir, e expressar de súbito a
ideia de que o Sol e a Lua não são luzeiros de natureza idêntica?
B – NATUREZA DOS CORPOS CELESTES
O SOL E A LUA
O Sol é uma luz (Diya’) e a Lua é uma claridade (Nur). Esta tradução
parece ser mais exata que aquela dada por outras, que invertem os signifi cados
dos termos. Na verdade, a diferença do sentido é fraca, enquanto que Diya’
pertence a uma raiz (DW’) que signifi ca, segundo o clássico dicionário de Kazimirski,
“brilhar, luzir” (diz-se do fogo etc.), ainda que esse autor dê igualmente,
ao substantivo em questão, o sentido de claridade ao lado daquele de luz.
Mas a diferença entre o Sol e a Lua será acentuada no Alcorão com
auxílio de outras comparações:
- Capítulo 25, Versículo 61:
“Bendito seja Quem colocou constelações no fi rmamento e pôs, nele, uma lâmpada em uma
lua refl etidora.”
155
- Capítulo 71, Versículos 15-16:
“Não reparastes em como Deus criou sete céus sobrepostos, E colocou neles a lua reluzente
e o sol, como uma lâmpada?”
- Capítulo 78, Versículos 12-13:
“E não construímos, por cima de vós, os sete fi rmamentos? Nem colocamos neles um
esplendoroso lustre?”
A lâmpada muito brilhante é, evidentemente, o Sol.
Aqui, a Lua é defi nida como um corpo que clareia (munir), da mesma
raiz que nur (a claridade aplicada à Lua). Quanto ao Sol, ele é comparado a uma
tocha (siraj) ou uma lâmpada muito brilhante (wahhaj).
Um homem da época de Muhammad poderia certamente fazer a distinção
entre o Sol, o astro brilhante bem conhecido das gentes do deserto, e
a Lua, astro do frescor das noites. As comparações que se encontram a esse
propósito no Alcorão são, portanto, naturais. O que é interessante notar aqui,
é a sobriedade das comparações e a ausência, no texto alcorânico, de qualquer
elemento comparativo que poderia ter ocorrido naquela época e que apareceria
em nossos dias como fantasmagórico.
Sabe-se que o Sol é uma estrela, produtora por suas combustões internas
de um calor intenso e de luz, ao passo que a Lua não é luminosa por si mesma,
não faz senão refl etir a luz que recebe do Sol e constitui um astro inerte (pelo
menos em suas camadas exteriores). Nada, no texto alcorânico, contradiz a tudo
o que nós sabemos em nossos dias desses dois corpos celestes.
AS ESTRELAS
As estrelas são, como se sabe, como o Sol, corpos celestes, sedes de
fenômenos físicos diversos dos quais, o mais facilmente observável, é o da produção
da luz. São astros tendo um brilho próprio.
Treze vezes, a palavra aparece no Alcorão (najm, no plural nujum); ela deriva
de uma raiz signifi cando aparecer, deixar-se ver. A palavra designa um corpo
celeste visível sem prejudicar sua natureza: emissor de luz ou simples refl etor da
luz recebida. Para esclarecer que o objeto designado é exatamente o que nós
156
chamamos de estrela, um qualifi cativo ali se ajunta como em:
- Capítulo 86, Versículos 1-3:
“Pelo céu e pelo visitante noturno; E o que te fará entender o que é o visitante noturno?
É a estrela fulgurante!”63
A estrela da Noite é qualifi cada no Alcorão pelo nome de Thagib, que
signifi ca arde, consome-se, e que penetra através de qualquer coisa (aqui, as
trevas da noite). A mesma palavra é, aliás, encontrada para designar as estrelas
cadentes (Capítulo 37, Versículo 10): que são o resultado de uma combustão.
OS PLANETAS
É difícil de se dizer se estes são, no Alcorão, bem evocados, com o sentido
preciso que damos a esses corpos celestes.
Os planetas não são luminosos por si mesmos. Eles giram em torno do
Sol. Nossa terra faz parte deles. Presume-se que possam existir fora deste sistema,
mas são conhecidos apenas os do sistema solar.
Cinco planetas, além da Terra, eram conhecidos na Antiguidade: Mercúrio,
Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Três são de conhecimento moderno: Urano,
Netuno e Plutão.
O Alcorão parece designá-los sob o nome de Kawkab (plural, Kawakib)
sem precisar-lhes o número. O sonho de Jose (Capítulo 12), menciona exatamente
onze deles, mas trata-se, por defi nição, de uma narração imaginária.
Uma boa defi nição da signifi cação da palavra, no Alcorão, parece estar
dada num celebérrimo versículo, cujo sentido profundo aparece eminentemente
espiritual e, no mais, é muito discutido pelos interpretadores. Ele apresenta, não
obstante, um grande interesse, em razão da comparação que ali é feita e propósito
da palavra, parecendo designar um planeta. O texto que nos interessa aqui
é o seguinte:
63 - Aqui, o céu e uma estrela são tomados como testemunhas para acentuar a importância
do que virá a seguir no texto.
157
- Capítulo 24, Versículo 35:
“Deus é a Luz dos céus e da terra. O exemplo da Sua Luz é como o de um nicho em que
há uma candeia; esta está num recipiente; e este é como uma estrela brilhante.”
Trata-se aqui de uma projeção da luz sobre um corpo que a refl etiu (o
vidro) e dando-lhe o brilho da perola, como o planeta que é clareado pelo sol.
E, o único pormenor explicativo, concernente à palavra, que se pode encontrar
no Alcorão.
O termo é citado em outros versículos. Em alguns, não se pode determinar
de quais corpos celestes se trata (Capítulo 6, Versículo76; Capítulo 82,
Versículos 1-2).
Mas, em um Versículo, parece perfeitamente, à luz dos conhecimentos
modernos, que não se trata senão dos corpos celestes que nós sabemos serem
os planetas.
Lê-se, com efeito, no Capítulo 37, Versículo 6: “Em verdade, adornamos
o céu aparente com o esplendor das estrelas.”
A expressão alcorânica de “céu mais próximo” poderia designar o sistema
solar? Sabe-se que não há, entre os elementos celestes mais próximos de
nós, outros elementos permanentes como os planetas: o Sol é a única estrela do
sistema que leva seu nome. Não se vê de que outros corpos celestes se poderia
tratar, a não ser dos planetas. Parece, portanto, que a tradução dada seja exata e
que o Alcorão menciona a existência dos planetas, segundo a defi nição moderna.
O CÉU MAIS PRÓXIMO
O Alcorão menciona várias vezes o céu mais próximo e os corpos celestes
que o constituem, os quais, em primeiro lugar, parecem ser como acabamos
de ver, os planetas. Mas quando ele associa às noções materiais que são acessíveis
ao nosso entendimento - esclarecidos como estamos hoje pela ciência
moderna -, considerações de ordem puramente espiritual tornam o sentido
muito obscuro.
158
Assim, o último versículo citado poderia ser facilmente compreendido,
mas, quando o versículo seguinte (7) desse mesmo Capítulo 37 fala “duma proteção
contra todo demônio rebelde”, “proteção” também evocada no Capítulo
2I, Versículo 32 e Capítulo 41, Versículo 12, encontramo-nos em presença de
considerações de uma outra ordem.
Que sentido dar igualmente a essas “pedras de lapidação do demônio”
que o Versículo 5 do Capítulo 67 situa no céu mais próximo? Os “luzeiros”
evocados nesse versículo relacionar-se-iam com as estrelas cadentes64 citadas
mais acima?
Todas essas considerações parecem situar-se fora do assunto deste estudo.
A menção foi feita aqui para ser completa, mas não parece que os dados
científi cos possam lançar, no estado atual das coisas, alguma luz sobre um assunto
que ultrapassa a compreensão humana.
C – ORGANIZAÇÃO CELESTE
O que encontramos sobre esta questão no Alcorão concerne principalmente
ao sistema solar, mas as alusões são feitas, também, a fenômenos que ultrapassam
o próprio sistema solar e que foram descobertos na época moderna.
Dois versículos muito importantes são relativos às órbitas do Sol e da
Lua:
- Capítulo 21, Versículo 33:
“Ele foi Quem criou a noite e o dia, o sol e a lua; cada qual (dos corpos celestes) gravita
em sua respectiva órbita.”
- Capítulo 36, Versículo 40:
“Não é dado ao sol alcançar a lua; cada qual gira em sua órbita; nem a noite, ultrapassar
o dia.”
Assim, é evocado com clareza um fato essencial: a existência de órbitas
para a Lua e para o Sol e uma alusão é feita ao deslocamento desses corpos no
64 - Sabemos que um meteorito, chegando nas camadas superiores da atmosfera, pode
desencadear o fenômeno luminoso da estrela cadente.
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espaço com um movimento próprio.
Além do mais, um fato de ordem negativa aparece, à leitura desses
versículos: está indicado que o Sol se desloca sobre uma órbita sem nenhuma
indicação sobre o que esta órbita estaria em relação à Terra. Ora, acreditava-se,
na época da Revelação Alcorânica, que o Sol se deslocava, com a Terra, como
ponto fi xo. Era o sistema do geocentrismo em vigor desde Ptolomeu, no século
II A.C., e que seria o dominante até Copérnico, no século XVI. Essa concepção,
entretanto, vigente na época de Muhammad, não aparece em nenhuma parte no
Alcorão, nem aqui e nem algures.
A EXISTÊNCIA DE ORBITAS PARA A LUA E PARA O SOL
O que é traduzido aqui por órbita é a palavra árabe “falak”, à qual muitos
tradutores do Alcorão, em francês, dão o sentido de esfera. É, efetivamente, o
sentido inicial do termo. Hamidullah o traduziu por órbita.
A palavra perturbou os comentadores antigos do Alcorão que não podiam
imaginar o custo circular da Lua e do Sol e então representaram, por
imagens mais ou menos exatas ou completamente errôneas, o curso, no espaço,
dos dois astros.
Se Hamza Boubekeur cita, na sua tradução do Alcorão, a diversidade das
interpretações dadas “Uma espécie de eixo como a haste de ferro em torno
do qual gira um moinho; esfera celeste, órbita, signo de zodíaco, velocidade,
onda...”, ele acrescenta esta refl exão de um célebre comentador do século X,
Tabari: “É nosso dever nos calarmos quando nós não sabemos” (XVII, 15). É dizer
o quanto os homens estavam ainda incapazes de compreender esta noção de
órbita para o Sol e para a Lua.
É bem evidente que, se a palavra tivesse traduzido uma noção de astronomia,
corrente na época de Muhammad, as interpretações desses versículos
não teriam conduzido a tais difi culdades. Existia, portanto, aqui no Alcorão,
uma noção nova que seria esclarecida somente séculos mais tarde.
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