A Virtude da Veracidade
(parte 1 de 2): A Posição e Recompensa dos Verazes
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“Ó vós que credes! Temei a Deus e contai-vos entre os
verazes.” (Alcorão 9:119)
Peça a uma pessoa comum para definir veracidade e a resposta muito
provavelmente se restringirá a algo relacionado ao discurso verídico. O Islã,
entretanto, ensina que veracidade é muito mais do que ter uma língua honesta. No
Islã a veracidade é a conformidade do exterior com o interior, da ação com a
intenção, do discurso com a crença e da prática com a pregação. Dessa forma,
veracidade é o pilar do caráter muçulmano elevado e o trampolim para suas ações
virtuosas.
O grande sábio e erudito do Islã, Ibn al-Qayyim, disse: “Veracidade é a maior
das estações. Dela brotaram todas as várias estações daqueles no caminho de
Deus; e dela brotou o caminho elevado que se não for seguido, a perdição será o
destino daquela pessoa. Através dela o hipócrita se distingue do crente, e o
habitante do Paraíso se distingue do habitante do Inferno. É a espada de Deus em
Sua terra: Corta tudo que toca; caça e extingue a falsidade quando a enfrenta;
quem quer que lute usando-a como arma jamais será derrotado; e quem quer que a
use em seu discurso, sua palavra será feita suprema sobre a de seu oponente. É a
própria essência dos atos e a fonte dos estados espirituais; permite que a pessoa
embarque de forma corajosa em situações perigosas e é a porta através da qual se
entra na presença do Único possuidor de Majestade. É a fundação do edifício do
Islã, o pilar central da certeza e o nível imediato logo abaixo do nível da missão
profética.” [1]
A praticar a veracidade uma pessoa se aprimora, sua vida se torna digna e,
devido a isso, ela é elevada a alturas louváveis e sua posição destaca aos olhos de
Deus e também aos olhos das pessoas. Como o Profeta Muhammad, que a
misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, relatou:
“Ordeno que sejam verazes porque a veracidade leva à virtude, e a virtude
leva ao Paraíso. Um homem continua a ser veraz e se empenha pela
veracidade até que seja registrado como uma pessoa veraz com Deus. E
tenham cuidado com a falsidade, porque a falsidade leva ao pecado e o
pecado leva ao Fogo. Um homem continua a mentir e se empenha na falsidade
até que seja registrado como um mentiroso com Deus.” (Saheeh Muslim)
Assim a veracidade é algo que deve ser cultivado até que fique implantada na
alma e disposição de uma pessoa e, consequentemente, se reflita no caráter dessa
pessoa. Ali b. Abi Talib, o primo e genro do Profeta Muhammad, mencionou o
efeito positivo recíproco de se comportar de forma veraz com as pessoas nessa
vida mundana:
“Quem quer que faça três coisas com relação às pessoas, elas requererão três
coisas dele: que toda vez que falem com elas, que ele diga a verdade; que toda
vez que lhe confiem algo, que ele não as traia; e que toda vez que ele lhes
prometa algo, que cumpra. Se ele fizer isso, seus corações o amarão, suas
línguas o elogiarão e elas virão em seu auxílio.” [2]
Quanto à Vida Eterna, através da Graça e Misericórdia de Deus, os obedientes
– praticantes da veracidade – alcançarão uma posição no Paraíso junto com as
mais afortunadas das almas mencionadas na revelação.
“Aqueles que obedecem a Deus e ao Mensageiro, contar-se-ão
entre os agraciados por Deus: profetas, verazes, mártires e
virtuosos. Que excelentes companheiros serão!” (Alcorão
4:69)
De fato, a veracidade é um atributo essencial de todo profeta que agraciou a
terra. É dito no Alcorão:
“E menciona, no Livro, (a história de) Abraão; ele foi um
homem de verdade, e um profeta.” (Alcorão 19:41)
“E menciona, no Livro, Ismael; ele foi um homem de verdade,
e um mensageiro, um profeta.” (Alcorão 19:54)
“E menciona, no Livro, Enoque; ele foi um profeta dos mais
verazes.” (Alcorão 19:56)
Também lemos no Alcorão como um homem encarcerado junto com o profeta
José se dirigiu a ele com as palavras:
“José! O mais veraz!...” (Alcorão 12:46)
... e que Maria, a mãe de Jesus, também foi declarada veraz nas Palavras de
Deus:
“O Messias, filho de Maria, não é mais do que um mensageiro,
do nível dos mensageiros que o precederam; e sua mãe era
sinceríssima.” (Alcorão 5:75)
... e os Companheiros do Mensageiro de Deus, os “crentes” mencionados de
novo e de novo no Alcorão, também alcançaram os níveis elevados dos verazes:
“Somente são crentes aqueles que crêem em Deus e em Seu
Mensageiro e não duvidam, mas sacrificam os seus bens e as
suas pessoas pela causa de Deus. Estes são os verazes!”
(Alcorão 49:15)
Assim, trilhar o caminho da veracidade é trilhar o caminho das mais virtuosas
das criações de Deus. E quanto às formas e meios para engendrar essa mais nobre
das virtudes em nossas vidas diárias, nos foi deixado um oceano de ensinamentos
do Mensageiro Final de Deus para a humanidade, o Profeta Muhammad,
detalhando e descrevendo de forma precisa o que a virtude, ou melhor,
a injunçãoda veracidade requer. Um entre esses vastos e numerosos ditos do
Mensageiro de Deus é seu apelo:
“Garantam-me seis coisas e garantirei o Paraíso para vocês: digam a verdade
quando falarem, cumpram suas promessas, sejam fiéis ao que lhes for
confiado, protejam suas partes privadas, baixem o olhar e detenham suas
mãos (de prejudicarem outros).”[3]
E Deus confirmou a veracidade dessas palavras de Seu amado Mensageiro
com Sua própria Palavra Verdadeira:
“Quanto aos muçulmanos e às muçulmanas, aos crentes e às
crentes, aos consagrados e às consagradas, aos verazes e às
verazes, aos perseverantes e às perseverantes, aos humildes e
às humildes, aos caritativos e às caritativas, aos jejuadores e
às jejuadoras, aos recatados e às recatadas, aos que se
recordam muito de Deus e às que se recordam d’Ele, saibam
que Deus lhes tem destinado a indulgência e uma magnífica
recompensa.” (Alcorão 33:35)
Footnotes:
[1] Madarij as-Salikeen.
[2] Ibn Muflih, Adaab ash-Shari’a.
[3] Relatado por Ubaadah, em As-Saheehah.
(parte 2 de 2): Mentira e Hipocrisia
Assim como a veracidade é o pilar do caráter da pessoa digna e o trampolim
para sua virtuosidade, a falsidade, seu oposto, é a fundação da depravação de uma
pessoa e a plataforma de lançamento para sua perversidade. Assim como a
veracidade de uma pessoa começa a partir de seu interior – ou seja, é um reflexo
de um estado de fé verdadeira – a desonestidade de uma pessoa, a mentira e o
engodo também são reflexos de seu estado interior. É por isso que Deus menciona
a veracidade como sendo o oposto da hipocrisia:
“Deus recompensa os verazes, por sua veracidade, e castiga os
hipócritas como Lhe apraz; ou então os absolve, porque Deus
é Indulgente, Misericordiosíssimo.” (Alcorão 33:24)
... e por que Ele menciona a sinceridade como uma marca de veracidade.
“De modo que Deus possa recompensar os verazes por sua
veracidade...”
Não é de se admirar que as mais virtuosas e verazes das pessoas, os profetas de
Deus[1] e seus verdadeiros seguidores, não foram desmentidos, denunciados,
antagonizados, oprimidos e rejeitados exceto por aqueles dados a desonestidade,
engodo e hipocrisia.
“Os que forjam mentiras são aqueles que não crêem nos
versículos de Deus. Tais são os mentirosos.” (Alcorão 16:105)
Isso é com relação à falsidade na fé. Quanto à falsidade nos atos, Deus afirma
no Alcorão:
“… para testar quem de vós melhor se comporta.” (Alcorão
67:2)
Um sábio do período inicial do Islã, Fudail bin Iyaad, comentou sobre esse
versículo, explicando:
“quem de vós melhor se comporta” significa “o mais sincero e correto.” Se o
ato é sincero e não é correto, não será aceito e se é correto, mas não é sincero, não
será aceito. Não será aceito até que seja ao mesmo tempo sincero e correto!”
Um exemplo cotidiano de como a sinceridade e correção de ações são com
frequência subvertidas pela falsidade, é na compra e venda de bens. Por isso o
Profeta disse:
“Se eles (as partes entrando em uma transação) são verazes e explicam
(qualquer deficiência em seus produtos), sua transação será abençoada. Mas
se mentirem e ocultarem (qualquer deficiência em seus produtos), as bênçãos
de sua transação será erradicada.”[2]
E o que é falsidade no falar? Falsidade da língua, ou o que é mais comumente
referido como mentira, é uma característica rejeitada pelo mundo inteiro – mesmo
que seus habitantes caiam nela de tempos em tempos. Afinal, se Deus puniria seu
último e maior profeta caso ele mentisse...
“E se (o Mensageiro) tivesse inventado alguns ditos, em Nosso
nome certamente o teríamos apanhado pela destra; E então,
Ter-lhe-íamos cortado a aorta, e nenhum de vós teria podido
impedir-Nos.” (Alcorão 69:44-7)
... então como mentir poderia ser aceitável de mais alguém?! E ele, o Profeta
Muhammad, o veraz, disse:
“A fé de um servo não será digna até que seu coração seja digno e seu coração
não será digno até que sua língua seja digna, e um homem cujo vizinho não
está a salvo de seu dano não entrará no Paraíso.”[3]
O Profeta disse: “Uma pessoa mente e mente, até que seja registrada com
Deus como um mentiroso habitual.” (Saheeh Al-Bukhari)
Sendo assim, o mentiroso habitual é desprezado, verdadeira e completamente
desprezado, por todos – até mesmo por seu próprio grupo – já que ninguém pode
confiar em um mentiroso, nem mesmo outros mentirosos. E assim como clareza
no falar é um sinal de veracidade, a ambiguidade, a insinuação, o sarcasmo e
outras formas de engodo e malandragem na forma de falar são denunciadas no
Islã. Até mentir por brincadeira foi condenado pelo Profeta quando ele disse:
“Garanto uma morada no meio do Paraíso para aqueles que abandonam a
mentira até mesmo por brincadeira.”[4]
...e seu dito:
“Ai da pessoa que mente para fazerem as outras rirem! Ai dele, ai dele!”[5]
O amigo mais próximo do Profeta e sucessor temporal imediato, Abu Bakr asŞiddeeq
(ou seja, o veraz – chamado assim pelo Profeta devido à veracidade de
sua fé), posteriormente disse:
“Cuidado com a mentira, porque ela se opõe à verdadeira fé.”[6]
E a filha de Abu Bakr, Aicha, que foi a esposa amada do Profeta, mencionou
que:
“Não existe característica mais repugnante ao Mensageiro de Deus, que a
misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, do que a mentira.”[7]
É impedimento suficiente para a mentira o fato de ser listada como uma
característica da mais miserável das condições: a hipocrisia. O Profeta
Muhammad disse:
“Os sinais do hipócrita são três: quando ele fala, mente; quando faz uma
promessa, não a cumpre; e quando algo lhe é confiado ele trai essa
confiança.”[8]
Não aprendemos somente sobre a repugnância de mentir diretamente, mas o
Islã também nos educa de forma misericordiosa sobre os perigos de tudo
queindiretamente leva a mentira.
Novamente de Aicha aprendemos que o Profeta invocava seu Senhor
suplicando: “Ó Deus! Busco refúgio em Ti de todos os pecados e das
dívidas.” Quando perguntado: “Ó Mensageiro de Deus! Frequentemente
buscas refúgio das dívidas com Deus!” O Profeta de Deus, que a misericórdia e
bênçãos de Deus estejam sobre ele, respondeu: “Se uma pessoa tem dívidas, ela
mente quando fala e quebra suas promessas quando as faz.”[9]
Na mesma linha, o Profeta explicitamente ordenou a seus seguidores:
“Deixe aquilo que lhes causa dúvidas por aquilo que não lhes causa dúvidas,
porque na veracidade reside a tranquilidade e na mentira reside a
dúvida.”[10]
Empenhar-se pela veracidade, em espírito, palavra e atos, é uma questão que
requer a perseverança suprema do crente, assim como a vigilância suprema contra
os perigos da falsidade, falta de sinceridade, engodo e hipocrisia.
“Deus recompensa os verazes, por sua veracidade, e castiga os
hipócritas como Lhe apraz; ou então os absolve, porque Deus
é Indulgente, Misericordiosíssimo.” (Alcorão 33:24)
Footnotes:
[1] O Companheiro Anas b. Malik relatou que o Profeta até mencionou como: “Um profeta nem
mesmo pisca!” (Abu Dawud, Nisaa'ee, Hakim, Ahmad)
[2] Relatado por Hakim b. Hizam, em Saheeh Al-Bukhari e Saheeh Muslim.
[3] Relatado pelo Companheiro, Anas b. Malik em As-Saheehah.
[4] Relatado por Abu Umamah, em At-Tirmidhi.
[5] Relatado por Mu„awiyah b. Jaydah al-Qushayri em Abu Dawud.
[6] Bayhaqi, Shu‘ab al-Iman.
[7] Ahmad.
[8] Relatado pelo Companheiro, Abu Hurayrah, em Saheeh Al-Bukhari e Saheeh Muslim.
[9] Saheeh Al-Bukhari.
[10] Relatado por Al-Hasan b. Ali, em At-Tirmidhi.