Introdução: A Sunnah e Seu Lugar no Islã
A Sunnah se refere às ações, afirmações e modo de vida do Profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele. É um aspecto essencial de todo o sistema do Islã. O próprio Deus no Alcorão ordenou aos muçulmanos que tomassem o Profeta como seu modelo e que ouvissem e obedecessem às suas palavras. A Sunnah é a expressão prática normativa final do Islã. Também é a explicação definitiva do Alcorão. Sem ela não pode haver entendimento verdadeiro de como implementar o Islã. Responsabilidades
Está claro no Alcorão que as primeiras pessoas tinha distorcido, alterado e de maneira geral falhado em preservar de forma constante a mensagem que receberam.
Saheeh Al-Bukhari, Saheeh Muslim)
Essa instrução do Profeta pode ser vista em várias de suas declarações, algumas das quais foram narradas por diversos companheiros. Por exemplo, o Profeta disse:
“Que Deus torne radiante o homem que ouviu o que disse e preservou em sua memória até transmitir para outro. Talvez aquele para quem transmitiu tenha melhor entendimento que ele.” [3]
O Profeta também os avisou de forma muito firme sobre transmitir algo que não fosse correto. Usando a palavra árabe kadhab, que no dialeto do Profeta não significava “mentir”, mas transmitir algo que não está correto, o Profeta afirmou:
Transmita de mim, mesmo que seja apenas um versículo. E narre [histórias] das tribos de Israel e não há mal nisso. E quem quer que falsamente atribua algo de minha autoridade deve ter seu próprio assento no Inferno
(Saheeh Al-Bukhari)
Parece que o Profeta reforçou esse aviso em várias ocasiões, uma vez que essas palavras foram registradas como vindas do Profeta por mais de cinquenta companheiros.[4]
Sendo assim, os companheiros perceberam que tinham que ser muito cuidadosos em suas narrativas. Compreenderam que o aviso acima se referia a quem falsamente atribuísse algo ao Profeta de forma intencional e também não intencional. Em um relato registrado em Sahih al-Bukhari, o companheiro al-Zubair foi questionado porque não narrou tantos hadiths quanto outros relataram. Ele respondeu: ‘Nunca me separei dele [ou seja, o Profeta]. Entretanto, o ouvi dizer’: “Quem quer que falsamente atribua algo de minha autoridade deve ter seu próprio assento no Inferno.” Comentando sobre essa afirmação, ibn Hajar[5] destacou que al-Zubair obviamente não estava falando a respeito de forjar algo em nome do Profeta. Ao contrário, ele temia que se narrasse muito, poderia cometer erros. E esses erros o colocariam sob as condições do aviso mencionado naquele hadith.[6]
Anas ibn Maalik também disse: ‘Se não temesse cometer um erro, narraria a vocês algumas das coisas que ouvi do Mensageiro de Deus. Entretanto, o ouvi dizer’: “Quem quer que falsamente atribua algo de minha autoridade deve ter seu próprio assento no Inferno.” [7] Isso, mais uma vez, implica que Anas, um companheiro, entendeu que a ameaça feita naquele hadith também se aplicava a quem cometesse erros não intencionais na narração de hadiths.
Na realidade, alguns dos companheiros, como Abu Hurairah, continuaram a estudar e memorizar os hadiths que aprenderam do Profeta. Consequentemente, não havia muito a temer com respeito a cometimento de erros. Por outro lado, os que não eram dedicados a esse estudo tinham mais a temer porque suas memórias podiam falhar quando narrassem do Mensageiro de Deus.
Antes de discutir esse tópico, devemos notar que, para que algo seja preservado não é uma condição necessária que seja registrado ou escrito. Simplesmente porque algo não foi escrito, não significa que não tenha sido preservado de forma precisa e correta. Além disso, o registro escrito de algo por si só não é suficiente para a sua preservação. É possível que seja registrado de maneira incorreta. Mas ambos os pontos foram devidamente notados por estudiosos de hadiths. Não exigiram que o hadith fosse registrado por escrito para ser aceito, embora com certeza reconhecessem a importância de registro físico e muitas vezes, dependendo da pessoa envolvida, preferissem o registro por escrito sobre o registro oral. Esses estudiosos também perceberam que o mero registro de algo não é suficiente. Também deve ser apurado se foi registrado adequadamente. Sendo assim, estudiosos de hadiths aceitavam ou preferiam registros escritos de estudiosos sobre registros memorizados somente se fosse sabido que esses estudiosos fossem proficientes e corretos em seus escritos.
Foi uma das práticas favoritas de muitos dos orientalistas afirmarem constantemente o “fato” de que os hadiths não foram registrados inicialmente, mas foram, ao invés disso, passados adiante apenas de forma oral pelos primeiros dois séculos após a Hégira (calendário árabe). Consequentemente, os hadiths não passavam de folclore e lenda que foi passada adiante oralmente e de uma forma aleatória por muitos anos. Infelizmente, esse equívoco se tornou bastante propagado entre muitos que se satisfizeram com uma simples pesquisa superficial do assunto. Na realidade, essa alegação falsa e visão incorreta tem, pela graça de Deus, sido refutada por vários estudiosos muçulmanos em várias dissertações de doutorado no mundo muçulmano e também em universidades ocidentais, como as dissertações de Muhammad Mustafa Azami (1967), publicada como Studies in Early Hadeeth (Estudos dos Primeiros Hadiths), e The Significance of Sunna and Hadeeth and their Early Documentation (O Significado da Sunnah e Hadiths e Sua Documentação Inicial) de Imitiyaz Ahmad em Edinburgo, em 1974.
O registro dos hadiths do Profeta, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, começaram durante a vida do Profeta. Al-Baghdaadi registra vários hadiths que mostram que o Profeta explicitamente permitiu o registro de seus hadiths. Aqui estão alguns exemplos:
1. Al-Daarimi e Abu Dawood em seus Sunans (livros) registraram que Abdullah ibn Amr ibn al-As afirmou que costumavam registrar tudo que ouviam do Profeta. Eram recriminados por fazê-lo porque, argumentavam, o Profeta era um ser humano que podia estar zangado às vezes e satisfeito outras vezes. Abdullah parou de escrever seus hadiths até que pode perguntar ao Profeta sobre essa questão. O Mensageiro de Deus lhe disse:
“Escreva [meus hadiths], por Aquele em Cujas mãos está minha alma, nada sai [da boca do Profeta] exceto a verdade.” [1]
Ou seja, se ele estava zangado ou satisfeito o que falava era sempre a verdade.
2. Al-Bukhari, em seu Sahih (livro), registrou que Abu Hurairah disse: “Não é possível encontrar nenhum dos companheiros do Mensageiro de Deus que relate mais hadiths do que eu, exceto Abdullah ibn Amr, porque ele costumava registrar os hadiths e eu não.” [2]
3. Al-Bukhari registrou que uma pessoa do Iêmen veio ao Profeta no dia da conquista de Meca e perguntou a ele se podia registrar o que o Profeta dizia e o Profeta aprovou e disse a alguém:
“Escreva isso para o pai de fulano e fulano.”
4. Anas narrou a afirmação: “Assegure o conhecimento pela escrita.” Esse hadith foi relatado por várias autoridades, mas a maioria tem cadeias fracas. Existe uma disputa se é ou não uma afirmação do Profeta ou de algum companheiro. Entretanto, de acordo com al-Albani, o hadith, como registrado por al-Haakim e outros, é autêntico.[3]
Não existe dúvida, entretanto, de que o registro do hadith começou durante a vida do Mensageiro de Deus. Essa prática de escrever os hadiths continuou após a morte do Mensageiro de Deus. Al-Azami, em seu trabalho Studies in Early Hadeeth Literature (Estudos dos Primeiros Hadiths), listou e discutiu cinquenta companheiros do Profeta que registraram hadiths.[4] Note o seguinte:
Abdullah B. Abbas (3 B.H.-68 A.H.)… Era tão ávido por conhecimento que perguntava a 30 companheiros sobre um único incidente… Parece que escreveu o que ouviu e algumas vezes até usou seus servos com esse propósito... O que se segue derivou de um hadith vindo dele em forma escrita: Ali b. Abdullah ibn Abbas, Amr b. Dinar, Al-Hakam b. Miqsam, Ibn Abu Mulaikah, Ikrimah… Kuraib, Mujahid, Najdah… Said b. Jubair.[5]
Abdullah B. Umar B. al-Khattab (10 A.H.-74 D.H.). Transmitiu um grande número de hadiths e era tão estrito ao registra-los que não permitia que a ordem de uma palavra fosse alterada mesmo que não alterasse o significado... Tinha livros. Um Kitab [livro] que pertencia a Umar e que estava em sua posse, foi lido para ele por Nafi várias vezes... O que se segue derivou um hadith vindo dele na forma escrita: Jamil b. Zaid al-Tai… Nafi cliente de ibn Umar, Said b. Jubair, Abd al-Aziz b. Marwan, Abd al-Malik b. Marwan, Ubaidullah b. Umar, Umar b. Ubaidullah …[6]
Al-Azami também compilou uma lista, discutindo cada personalidade individualmente, de quarenta e nove pessoas dos “sucessores do primeiro século” que registraram hadiths.[7] Al-Azami prossegue listando oitenta e sete dos “estudiosos cobrindo a última parte do primeiro século e o início do segundo” que registraram hadiths.[8] Então lista 251 pessoas dos “estudiosos a partir do início do segundo século” que coletaram e registraram hadiths.[9] Dessa forma, al-Azami produziu uma lista de 437 estudiosos que registraram hadiths e todos viveram e morreram antes do ano 250 da Hégira. Muitos deles são de antes do tempo de Umar ibn Abdul Aziz, que equivocadamente recebeu o crédito de ter sido a primeira pessoa a solicitar a coleta de hadiths. A história de Umar ibn Abdul Aziz foi de fato mal compreendida e não significa que ninguém coletou hadiths antes dele.[10]
Citando al-Azami: “Pesquisas recentes provaram que quase todos os hadiths do Profeta foram [sic] escritos durante a vida dos companheiros, que se estendeu até o fim do primeiro século.” [11] Essa última afirmação é parcialmente baseada na pesquisa do próprio al-Azami na qual ele mencionou muitos companheiros e seguidores que possuíam hadiths escritos. Em outra parte ele próprio escreve:
Estabeleci em minha tese de doutorado Studies in Early Hadeeth Literature (Estudos dos Primeiros Hadiths) que mesmo no primeiro século da Hégira muitas centenas de livretos de hadiths estavam em circulação. Se acrescentarmos mais cem anos, seria difícil enumerar a quantidade de livretos e livros que estavam em circulação. Mesmo pelas estimativas mais conservadoras eram muitos milhares.[12]