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P: Poderia nos contar como começou seu interesse no Islã?





R: Era Margaret (Peggy) Marcus.  Quando pequena possuía um grande interesse em música, particularmente óperas e sinfonias clássicas consideradas alto nível de cultura no ocidente.  A música era minha disciplina favorita na escola, na qual sempre tirava as notas mais altas.  Por puro acaso ouvi música árabe no rádio que me agradou muito e estava determinada a ouvir mais.  Não deixei meus pais em paz até que meu pai finalmente me levou à seção síria na cidade de Nova Iorque, onde comprei uma pilha de músicas árabes.  Meus pais, parentes e vizinhos achavam o árabe e sua música terrivelmente estranhos e tão desagradável aos seus ouvidos que quando colocava meus discos eles exigiam que eu fechasse todas as portas e janelas de meu quarto, para que não fossem perturbados! Depois que abracei o Islã em 1961, costumava sentar encantada na mesquita em Nova Iorque, ouvindo gravações de Tilawat [recitação corânica] ... pelo celebrado qari (recitador) egípcio Abdul Basit.  Mas em Salat Juma (oração de sexta-feira) o imame não tocava as gravações.  Tivemos um convidado especial aquele dia.  Um jovem negro, baixo, muito magro e mal vestido, que se apresentou como um estudante de Zanzibar, recitou a surata ar-Rahman [um capítulo do Alcorão].  Nunca ouvi um Tilawat tão glorioso, nem mesmo de Abdul Basit! Possuía uma voz de ouro; certamente... Bilal [um companheiro do profeta, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, que ficou encarregado de anunciar a chamada para a oração 5 vezes ao dia] devia soar como ele!





Tracei o início de meu interesse no Islã à idade de dez anos.  Frequentava uma escola dominical reformada judaica e fiquei fascinada com a relação histórica entre judeus e árabes.  A partir de meus livros didáticos judaicos, aprendi que Abraão era o pai dos árabes e também dos judeus.  Li como séculos depois quando, na Europa medieval, a perseguição cristã fez suas vidas intoleráveis, os judeus foram bem recebidos na Espanha muçulmana e que a magnanimidade dessa mesma civilização árabe-islâmica estimulou a cultura hebraica a alcançar seu ápice de realizações.





Desconhecendo totalmente a verdadeira natureza do sionismo, ingenuamente pensei que os judeus estivessem retornando para a Palestina para fortalecer os laços próximos de parentesco na religião e cultura com seus primos semitas.  Juntos, acreditava que judeus e árabes cooperariam para alcançarem outra Idade Dourada de cultura no Oriente Médio.





Apesar de meu fascínio com o estudo da história judaica, estava extremamente infeliz na escola dominical.  Naquela época me identificava muito com o povo judeu na Europa, sofrendo um destino horrível sob os nazistas e estava chocada por nenhum dos meus colegas de turma ou meus pais levarem sua religião a sério.  Durante os serviços na sinagoga, as crianças costumavam ler revistas em quadrinhos escondidas em seus livros de oração, rindo e debochando dos rituais.   As crianças eram tão barulhentas e desordeiras que os professores não conseguiam discipliná-las e achavam muito difícil dar as aulas.





Em casa a atmosfera para observância religiosa dificilmente era mais favorável.   Minha irmã mais velha detestava tanto a escola dominical que minha mãe tinha que literalmente arrastá-la para fora da cama de manhã e isso sempre vinha acompanhado de lágrimas e discussões.  Finalmente, meus pais ficaram exaustos e a deixaram deixar de frequentar.  Nos dias sagrados judaicos, ao invés de frequentar a sinagoga e jejuar no Yom Kippur, minha irmã e eu éramos tiradas da escola para participar de piqueniques e festas familiares em restaurantes elegantes.   Quando minha irmã e eu convencemos nossos pais do quanto estávamos insatisfeitas na escola dominical, eles se associaram a uma organização humanista agnóstica conhecida como Movimento da Cultura Ética.





O Movimento da Cultura Ética foi fundado no final do século 19 por Felix Alder.  Enquanto estudava para o rabinato, Felix Alder convenceu-se que a devoção a valores éticos como relativa e feita pelo homem constituía a única religião adequada para o mundo moderno, considerando qualquer relação com o sobrenatural ou teologia irrelevantes.  Frequentei a escola dominical da Cultura Ética toda semana dos onze anos até minha graduação, aos quinze.  Passei a concordar inteiramente com as ideias do movimento e via todas as religiões organizadas e tradicionais com desprezo.





Quando estava com dezoito anos tornei-me membro do movimento jovem sionista local, conhecido como Mizrachi Hatzair.  Mas quando descobri qual era a natureza do sionismo, que tornou a hostilidade entre judeus e árabes irreconciliável, saí desgostosa vários meses depois.  Quando estava com vinte anos e estudava na Universidade de Nova Iorque, um dos meus cursos eletivos era intitulado Judaísmo no Islã.  Meu professor, o rabino Abraham Isaac Katsh, chefe do departamento de estudos hebraicos, não poupou esforços para convencer seus alunos – todos judeus, muitos dos quais aspiravam tornarem-se rabinos – que o Islã derivava do Judaísmo.  Nosso livro didático, escrito por ele, pegava cada versículo do Alcorão, traçando-o diligentemente a sua suposta fonte judaica.  Embora seu verdadeiro objetivo fosse provar aos seus alunos a superioridade do Judaísmo em relação ao Islã, ele me convenceu diametricamente do oposto.





Logo descobri que o sionismo era meramente uma combinação dos aspectos racistas e tribais do Judaísmo.  O sionismo nacionalista secular moderno foi ainda mais desacreditado aos meus olhos quando aprendi que poucos, se é que houve algum, dos líderes do sionismo eram judeus praticantes e que talvez em nenhum outro lugar o Judaísmo tradicional ortodoxo fosse visto com tanto desprezo quanto em Israel.   Quando descobri que quase todos os importantes líderes judaicos na América que apoiavam o sionismo não sentiam a menor dor de consciência pela terrível injustiça infligida sobre os palestinos, não pude mais me considerar judia em meu coração.





Uma manhã em novembro de 1954 o professor Katsh, durante sua aula, argumentou com lógica irrefutável que o monoteísmo ensinado por Moisés (que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele) e as Leis Divinas reveladas a ele eram indispensáveis como base para todos os valores éticos mais elevados.  Se a moral fosse puramente feita pelo homem, como a Cultura Ética e outras filosofias agnósticas e ateias ensinavam, poderia ser mudada facilmente de acordo como capricho, conveniência ou circunstância.  O resultado seria o caos, levando à ruína individual e coletiva.  A crença na outra vida, como os rabinos e o Talmude ensinavam, argumentou o professor Katsh, não era apenas um desejo, mas uma necessidade moral.  Somente aqueles, disse ele, que acreditavam firmemente que cada um de nós será convocado por Deus no Dia do Juízo para apresentar um relato completo de nossa vida na terra e recompensado ou punido de acordo, possuirá a autodisciplina para sacrificar o prazer transitório e suportar dificuldades e sacrifícios para alcançar o bem supremo.





Foi na aula do professor Katsh que encontrei Zenita, a garota mais fascinante e incomum que encontrei.  A primeira vez que entrei na aula do professor Katsh olhei ao redor na sala procurando uma mesa vazia para sentar e encontrei dois lugares vazios. Em um deles havia três volumes belamente encadernados da tradução para o inglês e comentários de Yusuf Ali do Alcorão Sagrado.  Sentei justo ali, queimando de curiosidade para descobrir a quem esses volumes pertenciam.  Pouco antes da aula do rabino Katsh começar, uma garota alta e esguia, com uma complexão pálida emoldurada por um espesso cabelo castanho escuro sentou próximo a mim.  A aparência dela era tão peculiar que pensei que fosse uma estudante estrangeira da Turquia, Síria ou algum outro país do Oriente Próximo.  A maioria dos outros estudantes eram rapazes usando o chapéu preto dos judeus ortodoxos, que queriam tornar-se rabinos.  Éramos as únicas garotas na turma.  Quando deixávamos a biblioteca naquela tarde, ela se apresentou a mim.  Nascida em uma família judia ortodoxa, os pais dela tinham migrado da Rússia para a América poucos anos antes da Revolução de Outubro em 1917, fugindo de perseguição.  Notei que minha nova amiga falava inglês com o cuidado de um estrangeiro.  Ela confirmou essas especulações, dizendo que como a família e amigos dela só falavam ídiche entre eles, ela não tinha aprendido inglês até começar a frequentar a escola pública.  Contou-me que seu nome era Zenita Liebermann, mas recentemente, para tentarem se americanizar, os pais tinham mudado o nome de “Liebermann” para “Lane.” Apesar de ser detalhadamente instruída em hebraico pelo pai enquanto crescia e também na escola, disse que estava agora passando todo seu tempo livre estudando árabe.  Entretanto, sem qualquer aviso prévio Zenita largou a aula e, embora eu continuasse a frequentar todas as aulas até o fim do curso, Zenita nunca retornou.  Meses se passaram e tinha quase esquecido sobre Zenita quando repentinamente ela me chamou e implorou para encontrá-la no Museu Metropolitano e ir com ela a uma exposição especial de caligrafia árabe e manuscritos antigos do Alcorão.  Durante nossa visita no museu, Zenita me contou como tinha abraçado o Islã tendo dois dos seus amigos palestinos como testemunhas.





Perguntei: “Como decidiu tornar-se muçulmana?”  Ela então me contou que tinha deixado a aula do professor Katsh quando ficou doente com uma grave infecção renal.  Sua condição era tão grave que a mãe e o pai não esperavam que sobrevivesse.  “Uma tarde enquanto queimava de febre, peguei meu Alcorão sagrado sobre a mesa ao lado de minha cama e comecei a lê-lo e, enquanto recitava os versículos, tocou-me tão profundamente que comecei a chorar e soube então que ficaria boa.  Assim que fiquei forte o suficiente para deixar minha cama, chamei dois de meus amigos muçulmanos e fiz o juramento da “Shahada” ou confissão de fé.”





Zenita e eu fazíamos nossas refeições em restaurantes sírios, onde adquiri um gosto por essa deliciosa cozinha.  Quando tínhamos dinheiro para gastar, pedíamos cuscuz, carneiro assado com arroz ou um prato de sopa de deliciosas almôndegas nadando em um molho acompanhadas de pão árabe.  E quando tínhamos pouco para gastar, comíamos arroz com lentilha, ao estilo árabe, ou o prato nacional egípcio de fava com muito alho e cebolas chamado “Ful”.





Enquanto o professor Katsh nos ensinava, eu comparava em minha mente o que tinha lido no Velho Testamento e no Talmude com o que era ensinado no Alcorão e Hadith. Achei o Judaísmo tão falho que me converti ao Islã.





P: Teve medo de não ser aceita pelos muçulmanos?





R: Minha simpatia crescente pelo Islã e ideais islâmicos enfureceu os outros judeus que conhecia e achavam que os tinha traído da pior maneira possível.  Costumavam me dizer que uma reputação como essa só podia ser resultado de vergonha de minha herança ancestral e um intenso ódio por meu povo.  Advertiram-me que mesmo que tentasse tornar-me muçulmana, jamais seria aceita.  Esses temores provaram-se totalmente infundados, já que nunca fui estigmatizada por qualquer muçulmano por causa de minha origem judaica.  Assim que me tornei muçulmana recebi boas vindas entusiasmadas de todos os muçulmanos como sendo parte do grupo.





Não abracei o Islã por ódio a minha herança ancestral ou ao meu povo.  Não queria rejeitar, mas realizar.  Para mim significava a transição de uma fé paroquial para uma fé dinâmica e revolucionária.





P: Sua família fez objeção ao seu estudo do Islã?





R: Embora eu quisesse tornar-me muçulmana desde 1954, a minha família conseguiu me desencorajar.  Fui avisada que o Islã complicaria minha vida porque não é parte do cenário americano, como o Judaísmo e o Cristianismo.  Disseram que o Islã me alienaria da minha família e me isolaria da comunidade.  Na época minha fé não era suficientemente forte para enfrentar essas pressões.  Parcialmente como resultado desse turbilhão interno, fiquei tão doente que tive que interromper a universidade antes da época de me graduar.  Pelos dois anos seguintes fiquei em casa sob cuidados médicos, piorando gradativamente.  Em desespero de 1957 a 195 meus pais me confinaram a hospitais públicos e privados onde prometi que se me recuperasse o suficiente para ter alta, abraçaria o Islã.





Depois de receber permissão para voltar para casa, investiguei todas as oportunidades para encontrar muçulmanos em Nova Iorque.  Tive a sorte de encontrar alguns dos melhores homens e mulheres que alguém jamais poderia esperar.  Comecei também a escrever artigos para revistas islâmicas.





P: Qual foi a atitude de seus pais e amigos depois que se tornou muçulmana?





R: Quando abracei o Islã meus pais, parentes e seus amigos me consideraram quase como uma fanática, porque eu não conseguia falar ou pensar em mais nada.  Para eles a religião é uma questão puramente privada que, no máximo, pode ser cultivada como um hobby amador entre outros hobbies.  Mas assim que li o Alcorão sagrado eu sabia que o Islã não era hobby, mas a própria vida!





P: De que maneiras o Alcorão Sagrado teve impacto sobre sua vida?





R: Uma noite me sentia particularmente exausta e sem dormir. Minha mãe veio até o meu quarto e disse que estava prestes a ir à Biblioteca Pública de Larchmont e me perguntou se havia algum livro que eu desejasse.  Pedi a ela para olhar e ver se a biblioteca tinha uma cópia de uma tradução para o inglês do Alcorão Sagrado.  Imagine, anos de interesse apaixonado pelos árabes, lendo todo livro que pudesse colocar as mãos na biblioteca sobre eles, mas até agora nunca tinha pensado em ver o que estava no Alcorão Sagrado!  Minha mãe voltou com uma cópia para mim.  Estava tão ansiosa que literalmente peguei-o das mãos dela e o li a noite inteira.  Ali também encontrei todas as histórias familiares da Bíblia de minha infância.





Em meus oito anos de escola primária, quatro anos de escola secundária e um ano na universidade, aprendi sobre gramática inglesa e composição, francês, espanhol, latim e grego no uso atual, aritmética, geometria, álgebra, história europeia e americana, ciência elementar, biologia, música e arte - mas nunca tinha aprendido nada sobre Deus!  Pode imaginar que era tão ignorante de Deus que escrevi para meu amigo por correspondência, um advogado paquistanês, e confessei a ele que a razão de ser ateia era porque não podia acreditar que Deus era realmente um homem velho com uma longa barba branca, que sentou em Seu trono no Paraíso.  Quando ele me perguntou onde tinha aprendido essa coisa ultrajante, disse-lhe das reproduções da capela Sistina que tinha visto na revista “Life” de “Criação” e “Pecado Original” de Michelangelo. Descrevi todas as representações de Deus como um velho com uma longa barba branca e os numerosos crucifixos de Cristo que tinha visto com Paula no Museu Metropolitano de Arte.  Mas no Alcorão Sagrado li:





“Deus!  Não há mais divindade além d’Ele, Vivente, Subsistente, a Quem jamais alcança a inatividade ou o sono; d’Ele é tudo quanto existe nos céus e na terra. Quem poderá interceder junto a Ele, sem a Sua anuência? Ele conhece tanto o passado como o futuro, e eles (humanos) nada conhecem a Sua ciência, senão o que Ele permite. O Seu Trono abrange os céus e a terra, cuja preservação não O abate, porque é o Ingente, o Altíssimo.” (Alcorão 2:255)





“Quanto aos incrédulos, as suas ações são como uma miragem no deserto; o sedento crerá ser água e, quando se aproximar dela, não encontrará coisa alguma. Porém, verá ante ele Deus, que lhe pedirá contas, porque Deus é Expedito no cômputo. Ou (estará) como nas trevas de um profundo oceano, coberto por ondas; ondas, cobertas por nuvens escuras, que se sobrepõem umas às outras; quando (o homem) estende a sua mão, mal pode divisá-la. Pois a quem Deus não fornece luz, jamais a terá.” (Alcorão 24:39-40)





 



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