Quando a calamidade nos atinge devemos ter orgulho do fato de sermos semelhantes aos servos virtuosos de Deus, que eram os profetas. Todos eles foram submetidos a tribulações e testes. O profeta Abraão e o filho dele, que a paz esteja sobre eles, foram ambos testados da forma mais severa. Deus ordenou ao profeta Abraão que sacrificasse seu filho, Ismael. Essa ordem sem dúvida teria sido muito difícil para o profeta Abraão e ele teria ficado muito entristecido pelo pensamento de perder seu ente querido. Mas o profeta Abraão pacientemente perseverou e obedeceu a Deus. Não apenas isso, mas até Ismael permaneceu perseverante e obediente e se ofereceu para ser sacrificado.
Deus queria testar a determinação do profeta Abraão. Se o profeta Abraão ou seu filho tivessem uma fé fraca, ambos teriam falhado esse teste severo de Deus. Deus os recompensou com uma grande recompensa por sua grande fé e obediência a Ele, porque logo antes do profeta Abraão atingir seu filho, uma ovelha apareceu e Deus disse a ele que a sacrificasse no lugar do filho. Como recompensa, Deus prometeu estabelecê-los como líderes na terra. Deus diz ao profeta Abraão e seu filho:
"E quando ambos aceitaram o desígnio (de Deus) e (Abraão) preparava (seu filho) para o sacrifício. Então o chamamos: Ó Abraão, já realizaste a visão! Em verdade, assim recompensamos os benfeitores. Certamente que esta foi a verdadeira prova." (Alcorão 37:103-106)
O Alcorão diz:
"E quando o seu Senhor pôs à prova Abraão, com certos mandamentos, que ele observou, disse-lhe: ""Designar-te-ei Imam dos homens."" (Alcorão 2:124)
Sem dúvida quando o profeta Abraão foi instruído para sacrificar seu filho podia ter relutado, mas fez por obediência a Deus Todo-Poderoso. Isso significa que mesmo que alguém desgoste de algo, pode haver um bem nisso. Deus diz:
"É possível que repudieis algo que seja um bem para vós e, quiçá, gosteis de algo que vos seja prejudicial; todavia, Deus sabe todo o bem que fizerdes, Deus dele tomará consciência." (Alcorão 2:216)
Outro exemplo que vem à mente é o do profeta José, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele. O Alcorão menciona muitos detalhes dos testes e tribulações que ele enfrentou em sua vida. Seu pai o amava muito, o que fez com que seus irmãos tivessem ciúmes dele. Conspiraram contra ele e finalmente o jogaram em um poço. Viajantes passaram pelo poço e um deles jogou a caçamba no poço. Ele disse: "Boas notícias! Aqui tem um menino." E o levaram como mercadoria. Com isso o profeta José foi enviado para a terra distante do Egito como escravo. Um governador egípcio o comprou e o profeta José trabalhou de maneira empenhada. Enquanto estava a serviço do governador o teste se intensificou e a esposa do governador, que era muito bonita, tentou seduzir José. Esse foi o maior teste para o profeta José e ele resistiu aos avanços dela com perseverança. Um dia a esposa do governador correu atrás do profeta José para seduzi-lo à força rasgando a camisa dele, quando o marido entrou no quarto. Ela acusou o profeta José de estupro, mas José negou. Quando o governador viu que a camisa estava rasgada nas costas, pediu a esposa que se arrependesse perante Deus. Ela conspirou e veio com uma trama para ter o profeta José. Deu a ele duas escolhas: se aproximar dela ou ser jogado na prisão. Ele escolheu a segunda e foi colocado na prisão por um período de tempo.
Quando somos atingidos por calamidades, devemos pensar em todas as tribulações passadas pelo profeta José: anos de escravidão e prisão. Ainda assim o profeta José permaneceu firme a Deus. Nunca se ressentiu das calamidades que o afetaram e, ao invés disso, usou o tempo para invocar seu Senhor. Foi quando - finalmente, depois de muitos anos - Deus recompensou o profeta José por sua perseverança. Foi naquela mesma cela da prisão que ele encontrou um homem que teve um sonho. Deus deu ao profeta José o dom de interpretar sonhos. E assim o profeta José interpretou o sonho de seu colega de cela, dizendo a ele que seria libertado e trabalharia para o rei. De fato a profecia se concretizou e o homem foi libertado para trabalhar para o rei.
Um dia o rei teve um sonho. A história é narrada no Alcorão:
"Disse o rei: Sonhei com sete vacas gordas sendo devoradas por sete magras, e com sete espigas verdes e outras sete secas. Ó chefes, interpretai o meu sonho, se sois interpretadores de sonhos." (Alcorão 12:43)
O antigo colega de cela do profeta José, que estava agora a serviço do rei egípcio, imediatamente se lembrou de José. Informou ao rei sobre o profeta José e assim foi pedido a José que também interpretasse o sonho, o que ele fez. O profeta José disse ao rei que haveria sete anos de boas colheitas, seguidos de sete anos de seca e fome. Aconselhou o rei a armazenar alimentos durante os sete anos de prosperidade, que poderiam ser usados durante o período de seca e fome.
O rei ficou tão satisfeito com o profeta José que não só o libertou, mas também o nomeou para uma posição muito alta no governo. E assim Deus estabeleceu um grande bem por meio da adversidade. Se o profeta José nunca tivesse sido abandonado no poço por seus irmãos, vendido como escravo, nem aprisionado injustamente, jamais teria sido achado pelo rei e nomeado para uma posição de tamanha autoridade. O profeta José tinha que passar por todas essas tribulações para alcançar essa posição. Portanto, quando passamos por dificuldades na vida, devemos ser positivos. Pode ser que Deus esteja nos impulsionando para um bem maior desconhecido para nós naquele momento.
O profeta Salomão também foi testado, embora de maneira diferente. Recebeu imensa riqueza e poder e a história atesta o fato de que a riqueza e o poder corrompem. Ainda assim, o profeta Salomão foi um dos poucos reis que permaneceram piedosos e temerosos a Deus. O Alcorão diz:
"E pusemos à prova Salomão, colocando sobre o seu trono um corpo sem vida; então, voltou-se contrito." (Alcorão 38:34)
De fato, todos os profetas de Deus foram testados. Isso mostra que Deus concede tribulações a Seus servos virtuosos e devemos ficar orgulhosos de estar na companhia deles. Também devemos imitar o comportamento deles, sendo perseverantes em tempos de tribulação.
Tudo o que foi afirmado nesse artigo é extremamente interessante, mas tudo se resume a uma pergunta: como devemos lidar com o sofrimento quando a calamidade nos atinge? Toda pessoa na terra enfrentará algum sofrimento em sua vida e algumas mais que outras. As pessoas lidam com o sofrimento de maneiras diferentes, mas como um crente deve lidar com ele?
A primeira coisa que um crente deve perceber é que a calamidade vem de Deus. O Alcorão declara:
"Tudo (bom ou mal) emana de Deus!" (Alcorão 4:78)
Quando percebemos que vem de Deus, devemos perceber que Deus é o Amoroso (Al-Wadud) e o Bondoso (Al-Barr). Portanto, há algum bem no que Deus decretou para nós, mesmo que não o vejamos imediatamente. Deus, Todo-Poderoso, diz:
"É possível que repudieis algo que seja um bem para vós e, quiçá, gosteis de algo que vos seja prejudicial; todavia, Deus sabe todo o bem que fizerdes, Deus dele tomará consciência." (Alcorão 2:216)
O imame Al-Hasan al-Basri, um grande sábio do Islã, explicou:
"Não se ressinta das calamidades e dos desastres que ocorrem. Talvez em algo que desgoste esteja sua salvação e em algo que prefira esteja sua perdição."
Por exemplo, se um homem é demitido, talvez signifique conseguir um emprego melhor pelo qual não teria optado se não tivesse sido demitido, em primeiro lugar. Um dos benefícios da calamidade é que sabemos com certeza que os pecados de uma pessoa são perdoados, pela vontade de Deus. Mus'ab b. Sa'd b. Malik narrou que seu pai disse:
"Ó mensageiro de Allah, quem são as pessoas mais testadas nesse mundo? Ele respondeu: "Os profetas e então os semelhantes a eles (ou seja, os virtuosos e tementes da Deus). Um homem será testado de acordo com sua piedade e fé. Se o indivíduo for forte na fé, será testado de uma maneira severa. Se a fé do homem é fraca, será testado de acordo. Uma pessoa será atingida por calamidades até que esteja livre de pecados." (Ibn Hibban #2901)
Fadl ibn Sahl disse:
"Há uma bênção na calamidade que o homem sábio não deve ignorar, porque a calamidade apaga pecados, dá oportunidade de obter recompensa pela paciência, dissipa a negligência, relembra das bênçãos em tempo de saúde, convida ao arrependimento e encoraja a caridade."
O crente deve se voltar para Deus quando afligido pela calamidade. Dessa forma, a calamidade lembra ao crente de que seu único propósito na vida - a razão de sua criação - é adorar somente a Deus. Esse é de fato o significado de nossa existência e o propósito de nossa vida. Deus diz no Alcorão:
"E Eu [Deus] não criei os jinns e a humanidade exceto para Me adorarem." (Alcorão 51:56)
Geralmente quando a vida é boa e o homem vive em prosperidade, ele se esquece de adorar a seu Senhor. Somente quando afligido pela calamidade ele se lembra de invocar Deus. Dessa forma, a calamidade serve como um lembrete para cumprir o propósito para o qual fomos criados. O sheikh Ibn Taymiyyah disse:
"Uma calamidade que faz com que se volte para Deus é melhor do que uma bênção que faz com que se esqueça de Deus."
O imame as-Sufyan disse:
"O que uma pessoa desgosta pode ser melhor para ela do que aquilo que aprecia, porque o que desgosta faz com que invoque Deus, enquanto que aquilo que aprecia pode fazer com que seja negligente com a adoração."
Portanto, sempre que a calamidade afligir, devemos mostrar nossa gratidão a Deus dizendo "Todos os louvores são para Deus" (Al-Hamdu Lillah). O profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, disse:
"Como é maravilhoso o assunto do crente, porque seus assuntos são todos bons, e isso não se aplica a ninguém mais, além do crente. Se algo de bom lhe acontece, é agradecido e isso é bom para ele. Se algo de mal lhe acontece, aguenta com paciência e é bom para ele." (Sahih Muslim)
Quando o sheikh Ibn Taymiyyah foi aprisionado injustamente considerou uma bênção que seus inimigos tinham lhe permitido. Usava aquele tempo para aumentar sua adoração a Deus. Ele disse:
"O que meus inimigos podem fazer comigo? ... Meu aprisionamento é um retiro religioso (uma oportunidade para adorar Deus), meu assassinato é martírio e ser expulso de minha cidade é uma jornada."
O Profeta Muhammad disse:
"Não há um muçulmano que afligido por uma calamidade e que diga ‘Verdadeiramente a Deus pertencemos e a Ele retornaremos. Ó Deus, me recompense por minha aflição e me compense com algo melhor’, que Deus não compensará com algo melhor." (Sahih Muslim)
Devemos lembrar que Deus testa aqueles que mais ama. O Profeta disse:
"A maior recompensa vem com o maior teste. Quando Deus ama uma pessoa, Ele a testa. Quem aceita isso, obtém Sua satisfação." (Al-Tirmidhi)
E o Profeta disse ainda:
"O caminho para o paraíso é cercado de dificuldades."
Calamidade e sofrimento é uma forma de ter nossos pecados perdoados nessa vida, para que não tenhamos que enfrentar a punição para esses pecados na vida futura. O Profeta Muhammad disse:
"As tribulações continuarão a recair sobre o crente e a crente - em relação a si mesmos, seus filhos e sua riqueza - até que encontrem Deus sem qualquer pecado." (Al-Tirmidhi)
Deus não nos manda calamidades para nos destruir, abalar nossa determinação ou acabar conosco, mas sim como um meio de nos avaliar e testar nossa paciência e fé. Se não fosse pelos testes e tribulações, uma pessoa desenvolveria arrogância, negligência e dureza no coração, o que a levaria ao inferno. São de fato uma misericórdia de Deus enviada para nos curar dessas doenças do coração e eliminar todos os maus elementos em nossa personalidade que podem levar à nossa perdição.
Quando alguma calamidade nos aflige nessa vida, devemos lembrar que Deus nos recompensará, mas devemos ser pacientes. A recompensa suprema não será nessa vida, mas na próxima e nisso devemos obter nosso conforto. Abu Sufyan perdeu seu olho na batalha enquanto defendia os muçulmanos e pediu ao profeta para orar a Deus para que ele (Abu Sufyan) tivesse sua visão de volta. O profeta perguntou a ele se preferia ter seu olho nessa vida ou na outra e Abu Sufyan respondeu que preferia a recompensa na outra vida. Abu Sufyan perdeu seu outro olho também.
Deus diz:
"Agraciamos com a Nossa misericórdia quem Nos apraz e jamais frustramos a recompensa dos benfeitores. A recompensa da outra vida, porém, é preferível para os crentes, que são constantes no temor (a Deus)." (Alcorão 12:56-57)
Um crente não deve nunca se desesperar da misericórdia de Deus e achar que Deus não o tirará dessa situação difícil. De fato, o nome de Satanás em árabe (Iblis) vem da palavra raiz ablasa, que significa "se desesperar". Uma calamidade afligiu Satanás (foi "rebaixado" quando o profeta Adão foi criado) e ao invés de pensar que isso era algo bom vindo de Deus, Satanás se desesperou da misericórdia de Deus e começou seu estilo de vida hedonista. Da mesma forma, quando a calamidade aflige algumas pessoas elas recorrem a bebidas e outros recursos pecaminosos para aliviar sua dor. Mas os crentes não entram em desespero e sim se voltam para Deus em oração. Deus assegura Sua criação:
"Pelas horas da manhã, E pela noite, quando é serena, Que o teu Senhor não te abandonou, nem te odiou. E sem dúvida que a outra vida será melhor, para ti, do que a presente. Logo o teu Senhor te agraciará, de um modo que te satisfaça." (Alcorão 93:1-5)