Ao entrar no Islam, recomenda-se que a pessoa realize um ritual de purificação, que consiste em banhar todo o corpo na água. Este ritual é normalmente privado e, como o batismo, é simbólico ao renascimento em um novo espírito. A religião islâmica ensina que quando uma pessoa se torna muçulmana, todos os seus pecados anteriores são perdoados. Assim como a alma é purificada dos pecados pela verdade pura do testemunho de fé, o corpo é limpo simbolicamente com a pureza da água.
As práticas físicas que cabem ao convertido são cinco, a primeira é pronunciar a shahada (testemunho de fé), entendendo que, juntamente com a shahada a pessoa também reconhece implicitamente os fundamentos da fé (crença em Allah, em Seus anjos, nas escrituras reveladas, nos mensageiros, na outra vida e no decreto Divino). Os quatro deveres subsequentes exigidos consistem na oração cinco vezes por dia (nos intervalos prescritos, e de acordo com as regras islâmicas de oração e purificação), no jejum anual do mês de Ramadan, no pagamento anual do zakat (ajuda aos pobres) e na peregrinação a Meca durante o período de Hajj, uma vez na vida, se física e financeiramente capaz. Agora, recordando a lição acima, a primeira pergunta não deveria ser, ―Bem, ok, mas como eu faço essas coisas?‖ Em vez disso, a primeira pergunta deveria ser, ―Ok, tudo bem, mas, por favor, em primeiro lugar diga-me de onde retirou esse ensinamento.‖
A resposta é: do Alcorão e da Sunnah. No que diz respeito aos fundamentos da fé, TSA 2:177 inclui o seguinte: ―... mas a bondade é a de quem crê em Allah, e no Derradeiro Dia, e nos anjos, e no Livro, e nos profetas...‖ No que diz respeito aos cinco pilares do Islam, ―a bondade é a de... quem cumpre a oração e concede az-zakah...‖ (TSA 2:177), ―Ó fiéis, é-vos prescrito o jejum ...‖ (TSA 2:183-185), e ―E completai a peregrinação (hajj) e ‗umrah para Allah‖ (TSA 2:196). Em várias passagens do Alcorão Sagrado, essas crenças são repetidas, reformuladas e enfatizadas e/ou esclarecidas, em conjunto ou separadamente, e a unicidade, onipotência e decreto Divino de Allah são enfatizados repetidamente. Os versículos acima são apenas uma pequena amostra dos ensinamentos do Alcorão. A partir da Sunnah encontramos o que tem sido chamado de o hadith de Gabriel, relatado por Umar (companheiro de Muhammad صلى الله عليه وسلم, e segundo Califa):
―Certo dia, enquanto estávamos sentados com o Mensageiro de Allah صلى الله عليه وسلم, apresentou-se ante nós um homem com roupas extremamente brancas e cabelos extremamente pretos. Não havia sinais de viagem nele e nenhum de nós o conhecia. Ele
[veio e] sentou-se próximo ao Profeta صلى الله عليه وسلم. Apoiou seus joelhos contra os joelhos do Profeta صلى الله عليه وسلم, e colocou suas mãos sobre as coxas dele. Ele disse: ―Ó Muhammad صلى الله عليه وسلم, diga-me sobre o Islam.‖ O Mensageiro de Allah صلى الله عليه وسلم, disse: ―O Islam é testemunhar que não há nada digno de adoração além de Allah e que Muhammad صلى الله عليه وسلم, é o mensageiro de Allah, estabelecer as orações, pagar o zakat, jejuar [o mês de] Ramadan, e fazer a peregrinação à Casa se tiver os meios para fazê-lo.‖ Ele disse: ―Você falou a verdade [ou corretamente]‖. Nós ficámos maravilhados com o fato de que ele fez a pergunta e, em seguida, disse que foi falada a verdade. Ele disse: ―Conte-me sobre o Imaan (fé).‖ Ele [o Mensageiro de Allah صلى الله عليه وسلم] respondeu: ―É crer em Allah, Seus anjos, Seus livros, Seus mensageiros, no Último Dia e acreditar no decreto divino, [ambos] bom ou mau.‖ Ele disse: ―Conte-me sobre al-Ihsaan (consciência de Allah).‖ Ele [o Profeta صلى الله عليه وسلم] respondeu: ―É adorar a Allah como se O visses, e mesmo que não O vejas, [sabes que] Ele te vê.‖ Ele disse: ―Conte-me sobre [o tempo da] a Hora.‖ Ele [o Profeta صلى الله عليه وسلم] respondeu: ―Aquele que foi questionado não sabe mais do que aquele que questionou.‖ Ele disse: ―Conte-me sobre os sinais.‖ Ele صلى الله عليه وسلم respondeu: ―A escrava dará à luz à sua senhora, e verás pastores descalços, escassamente vestidos e carentes competindo na construção de edifícios altos.‖ Então, ele foi embora. Eu permaneci por um longo tempo. Então, ele [o Profeta صلى الله عليه وسلم] disse: ―Ó Umar, sabes quem era o questionador?‖ Eu disse: ―Allah e Seu Mensageiro صلى الله عليه وسلم sabem melhor‖. Ele disse: ―Foi [o anjo] Gabriel, que veio para vos ensinar a vossa religião.‖15
E,
O Islam foi construído sobre cinco (pilares): atestar que não há outra divindade senão Allah e que Muhammad صلى الله عليه وسلم é o mensageiro de Allah, estabelecer as orações, pagar o zakat, fazer a peregrinação à Casa, e jejuar no Ramadan.‖16
Assim, uma vez estabelecida a autoridade dos ensinamentos, podemos continuar.
Os rituais da oração levam tempo para serem aprendidos, e um convertido entenderá que Allah desculpa as deficiências no início, enquanto os convertidos se esforçam em aprender e melhorar. No entanto, as orações
15 Muslim (8)
16 Bukhari (8), Muslim (16)
devem ser oferecidas no seu tempo, e o dever do convertido é aprender e aperfeiçoar a oração tão rapidamente quanto possível e, conforme o modo e condições da oração de acordo com a Shari’a.
Em algum momento no primeiro ano, o muçulmano convertido irá encontrar o jejum do mês de Ramadan, e a temporada do hajj (peregrinação) a Meca, que segue o jejum do Ramadan por dois meses lunares. Ambos os pilares demonstram a praticidade da religião islâmica, pois, embora jejuar pela primeira vez possa ser uma experiência formidável para alguns, o convertido tem o conforto em saber que a incapacidade de jejuar pode ser compensada. E por falar nisso, o jejum não é necessário àqueles que se encontram incapacitados devido a dificuldades como a falta de saúde ou idade avançada. Da mesma forma, o hajj é um dever sobre os muçulmanos que sejam capazes (tanto física quanto financeiramente), mas aqueles que não são capazes são dispensados tanto tempo quanto as circunstâncias os impeçam. No entanto, a importância destes pilares religiosos não deve ser subestimada, e uma pessoa só deve aceitar a dispensa se for realmente incapaz de realizar o ritual necessário. Por exemplo, Umar (companheiro de Muhammad صلى الله عليه وسلم e o segundo Califa), salientou a importância do hajj, ensinando que ―o muçulmano que possuir a capacidade de realizar o hajj, mas não o fizer, e morrer nesse estado, então, deixem-no morrer como um judeu ou cristão.‖17
O pagamento do zakat, o direito dos pobres, é o último dos cinco pilares do Islam a se tornar obrigatório sobre o convertido, pois o zakat é pago uma vez por ano. Talvez um dos mais mal-entendidos dos pilares da prática, o zakat não é um dízimo, pois o zakat não é um percentual de salário. Algumas pessoas precisam de toda a sua renda para viver, e como tal, não podem pagar nada. O zakat, então, não é uma porcentagem da renda, mas sim uma porcentagem da riqueza excedente, o que significa que os muçulmanos são ordenados a pagar uma pequena caridade (2,5% ou 5%, dependendo da categoria) sobre a riqueza possuída acima e além das necessidades por um período de um ano. Assim, se uma pessoa tem um milhão de dólares por onze meses, mas o perde no duodécimo, nenhum zakat é devido. Da mesma forma, se uma pessoa começa o ano com uma casa, um carro, e um salário, mesmo que seja um alto salário, mas termina o ano com a mesma casa, carro, e salário, mas nada guardado excedente às necessidades do ano anterior, nenhum zakat é devido. O zakat é apenas devido sobre os elementos de riqueza (ex: dinheiro, ouro, culturas, mercadorias destinadas a venda, pecuária, etc.), além das necessidades de uma pessoa, que uma pessoa possua por um ano completo.18
17 Bayhaqi (8444)
18 Islamicamente falando, uma certa quantidade de riqueza monetária é isenta de zakat. O montante isento é equivalente ou menor ao valor de mercado de 85 gramas de ouro ou 595
A discussão acima só nos proporciona uma breve introdução para cada um dos cinco pilares do Islam, os quais podem ser, e têm sido, discutidos em um livro dedicado exclusivamente ao assunto. De fato, esse assunto foi discutido muitas vezes. E mais uma vez, o objetivo deste livro não é reproduzir uma informação que já está disponível, mas sim sugerir a melhor maneira em que o convertido ao Islam poderá integrar as práticas da religião em sua vida. No que diz respeito ao assunto presente, a coisa mais fácil seria recomendar um ou uma série de livros sobre o assunto dos pilares do Islam, e em seguida passar para o próximo tópico. Mas, não tão rápido. Há uma dificuldade aqui que se torna aparente rapidamente e que deve ser resolvida antes de prosseguir.
E isso é importante, se não fundamental. A questão é: dada a clara e simples fundação do Islam, sendo a palavra de Allah revelada no Alcorão Sagrado e o exemplo do mensageiro, Muhammad صلى الله عليه وسلم, registrado na Sunnah (hadith), uma pessoa poderia esperar uma resposta clara e autorizada a uma pergunta direta. E, em 80-90% dos casos, esta justa expectativa é satisfeita. Mas nem sempre. Em 10-20% as questões religiosas não alcançam uma unanimidade acadêmica. Pois bem, alguns acham a falta de consenso acadêmico perturbadora, mas, na verdade, deve ser tolerada e respeitada. Deixe-me explicar.
gramas de prata. O zakat é devido à riqueza monetária superior a esse montante, se possuída por um ano inteiro.
2.a.) As Divergências
Como um novo muçulmano, ponderei sobre essa questão da discordância acadêmica com certa confusão. Por cerca de dois anos lutei com esta questão até que um dia conheci um irmão marroquino nas ruas de Cambridge, Inglaterra, enquanto caminhava até a oração congregacional de sexta-feira (Salat al-Jum'ah). Nós caímos em discussão sobre este ponto, ao que ele apontou para um edifício e me disse as seguintes palavras, ―Você vê esse prédio? Bem, eu sou um engenheiro em estruturas. E posso lhe assegurar que todos os edifícios são concebidos para ter um certo grau de flexibilidade. Isso é necessário, pois todos os edifícios devem ser capazes de flectir com o vento, com terremotos ou tremores de terra, até mesmo com mudanças de temperatura. Se um edifício é muito rígido ele se revelará frágil, e ao menor estresse aparecerão rachaduras, rompimentos estruturais e eventual colapso. O mesmo ocorre com a religião. Há que se ter flexibilidade em uma religião, e no Islam esta flexibilidade é encontrada nas diferenças acadêmicas.‖
Em grande medida, este irmão me ajudou a começar a compreender a sabedoria divina por trás desta questão. Com o tempo, passei a entender vários pontos, o primeiro foi que os estudiosos do Islam estão de acordo sobre todas as questões importantes – são apenas com as pequenas, as questões subsidiárias sobre as quais há desacordo. Por exemplo, os estudiosos concordam na exigência de cinco orações diárias e as condições da oração, como o ritual de purificação da pessoa, lugar e vestuário, a maioria dos componentes da própria oração e das condições que validam e invalidam a oração, etc. No entanto, existe discordância entre os eruditos sobre algumas questões pequenas, subsidiárias, tais como: onde os muçulmanos devem apoiar suas mãos enquanto estão em pé durante a oração, como eles devem apontar seu dedo ao sentarem, se a Basmallah (a primeira linha de Al-Fatiha, comumente traduzida como ―Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso‖) deve ser recitada em silêncio ou em voz alta, etc. Essas diferenças de opinião devem ser aceitas e toleradas, pois os grandes estudiosos do passado foram incapazes de resolvê-las, apesar do nível deles de conhecimento e sabedoria que eclipsa o dos estudiosos do presente.
E embora seja verdade que certos assuntos se beneficiam de uma inspecção mais aprofundada, o fato é que a principal preocupação do fiqh de nossa época é dirigida a decisões judiciais sobre novas questões relacionadas com mudança social, política e tecnológica. As tentativas de retificar desacordos de mil anos de idade são poucas, e normalmente infrutíferas e frustrantes. Além disso, tais esforços, frequentemente, dividem muçulmanos em campos opostos entre si por mesquinharias, na realidade, por questões relativamente insignificantes. E uma coisa que os muçulmanos não precisam é mais razões para divisão.
É um triste fato que os muçulmanos frequentemente concentram mais sua atenção em alguns pequenos detalhes sobre os quais diferem do que sobre a grande base da religião sobre a qual concordam – em outras palavras, as questões realmente importantes da vida e da religião. É uma verdade perturbadora que durante os períodos em que os muçulmanos estavam sendo vítimas da fome, violados, torturados, e/ou massacrados na Palestina, Bósnia, Afeganistão, Chechênia, Caxemira, Burma, etc., outros muçulmanos na América e Inglaterra estavam discutindo sobre se deveriam alinhar-se para a oração pelas pontas dos seus dedos, pelos tornozelos, ou pelos calcanhares.
Talvez esta atitude de focar em questões menores seja apenas parte da natureza meticulosa do ser humano, mas, no entanto, talvez seja uma ferramenta do Shaitan (Satanás) para distrair os muçulmanos dos problemas mais críticos de suas vidas e de sua religião. Seja qual for o caso, o efeito é destrutivo e, ao convertido sincero, perturbador. Por um lado, o convertido abraça o Islam à procura de um mundo de paz espiritual através da certeza religiosa. Por outro lado, o convertido encontra os muçulmanos discutindo, e, às vezes, até lutando por diferenças pouco importantes que seria melhor se toleradas e abandonadas, em vez de celebradas à solidariedade da verdadeira fé.
Dito tudo isso, uma pessoa naturalmente assume que haja apenas uma resposta correta para qualquer pergunta, e deseja corrigir quaisquer diferenças que existam. Às vezes isso é possível, e outras vezes não, mas 100% das vezes simplesmente não é necessário, pois os fundamentos da religião islâmica estão claros e acordados pelo ijma (consenso) dos estudiosos sunitas; e o desacordo sobre os pequenos elementos secundários é facilmente desculpado com base no ensinamento islâmico de que as ações são julgadas pela intenção (ahadith autênticos relatam que o profeta صلى الله عليه وسلم ensinou: ―As ações são conforme a intenção e cada pessoa receberá o que intencionou.‖19), em combinação com a insignificância relativa de tais diferenças.
O ponto é que o processo de resolução das questões islâmicas nem sempre resulta em um julgamento exato ou uniforme, e isso é bom. Ninguém é perfeito e até mesmo os estudiosos estão sujeitos a divergências de opinião e, às vezes, até mesmo a erros. Erros podem ser cometidos, mas na religião islâmica as qualificações da pessoa que comete o erro são levadas em consideração. Erros cometidos por estudiosos são perdoados por Allah, o Altíssimo, enquanto erros de julgamento legal cometidos por leigos são punidos. Pois a questão não se limita ao fato de um julgamento legal específico estar certo ou errado, mas também envolve se o processo a desenvolver este julgamento é correto. Os estudiosos são obrigados por seu
19 Bukhari (1), Muslim (1907)
dom de conhecimento a julgar de acordo com seu nível de especialização, e todos os outros são obrigados a seguir. Leigos, no entanto, condenam-se por julgar inapropriadamente para o seu nível de formação e conhecimento. Os ocidentais, geralmente criados para questionar a autoridade em todos os níveis, podem achar esta fórmula irritante ou desconfortável, mas, ainda assim, é a tradição islâmica relacionada ao conhecimento.
A descrição acima não significa que uma pessoa não pode, ou não deve, questionar a evidência que apoia o parecer particular de qualquer estudioso. Não... tais questionamentos são geralmente bem recebidos, desde que o aluno pergunte no processo de busca do conhecimento, e não em uma tentativa de contestar ou refutar o estudioso – tal comportamento argumentativo pode ser aceitável de outros com nível acadêmico semelhante, mas é geralmente considerado como inadequado ou desrespeitoso por parte de um estudante. Então, questionar a autoridade é aceitável se for feito com humildade e boas maneiras pois, como dito acima, as ações são julgadas pelas intenções.
Com o tempo e a educação, o novo muçulmano normalmente vem a apreciar a normas extremamente rígidas dos estudos islâmicos qualificados, o que se mostra intimidador para aqueles formados em instituições educacionais dos relativamente suaves padrões acadêmicos do conhecimento ocidental.20 Uma vez que um convertido ou estudante da religião reconhece a grande diferença entre estudiosos e leigos no Islam, a necessidade de se submeter à maior qualificação dos estudiosos se torna evidente. Além disso, a paz, segurança e facilidade de adoção desta prática não é estranha aos convertidos à religião, muitos dos quais lutam para reencontrar o sentimento de paz que, inicialmente, acompanha a conversão ao Islam. A paz de viver uma vida e
20 Para uma explicação das qualificações dos estudos islâmicos, consulte:
1) Principles of Islamic Jurisprudence (Princípios de Jurisprudência Islâmica), Mohammad Hashim Kamali, Islamic Texts Society, pp 374-379 (capítulo intitulado: Condições [Shurut] de Ijtihad).
2) Estudos em Usul Ul Fiqh, por Iyad Hilal, (Islamic Cultural Workshop, caixa postal 1932, Walnut, CA 91789, (909) 399-4708), Seção 8.1 – Qualificações para atuação da Ijtihad, pp 103-105.
Os dois livros acima definem as qualificações de um mujtahid (um estudioso islâmico qualificado para deduzir e derivar o fiqh). A fim de começar a entender as complexidades da lista de qualificações discutidas, é ainda referido ao leitor:
1) Uma Introdução às Ciências do Alcorão, por Abu Ammaar Yasir Qadhi, Al-Hidaayah Publishing.
2) Estudos em Hadith Metodologia e Literatura, por Muhammad Mustafa Azami,
American Trust Publications.
3) Literatura de Hadith: suas origens, desenvolvimento e características especiais, por Muhammad Zubayr Siddiqi, Islamic Texts Society.
Nota: O leitor não precisa estudar os livros acima com profundidade, mas deve, pelo menos, aprofundar o conteúdo até o ponto em que a mente entenda as complexidades, pois é neste nível que a modéstia prevalecerá, com o resultado esperado do amortecimento da inclinação ao julgamento pessoal em matéria de fiqh, combinada com a valorização da rara genialidade desses indivíduos por terem alcançado o estatuto de um mujtahid.
religião de verdade, a segurança de seguir as decisões dos estudiosos, e a facilidade de implementação da religião com base em acadêmicos qualificados é facilmente perceptível a todos os que abraçaram a simplicidade de tal caminho. Neste esquema os estudiosos têm a responsabilidade sobre suas decisões; os estudantes e os leigos têm a responsabilidade de aderir aos ensinamentos dos estudiosos; e todos vão para casa felizes, realizados, e tranquilos por estarem processualmente corretos. Por outro lado, aqueles inclinados a reinventar a roda do fiqh, em geral, encontram-se entregues à discussão e discórdia, com a paz e tranquilidade do caminho correto e seguro interrompidas pelo esforço inútil de redefinir o fiqh baseando-se em eruditos imaturos, desqualificados.
Mas, e se um erro é cometido? Esta questão assombra os corações e mentes dos crentes, pois os verdadeiros crentes frequentemente se preocupam com questões de menor importância por zelo pelo aperfeiçoamento da fé e adoração. Mas o ponto é este: se todos estão fazendo o que deveriam fazer, ninguém é censurado. O Islam ensina que Allah agracia o sábio com a recompensa de uma boa ação pelo esforço próprio para chegar a um juízo, e com a recompensa de outra boa ação por estar correto. Por isso, os estudiosos são recompensados com duas boas ações se estiverem certos em seu juízo, e uma boa ação se estiverem errados, simplesmente por terem cumprido a responsabilidade de afirmar o conhecimento com o qual foram confiados. Leigos têm um nível diferente de responsabilidade, e são recompensados pelo cumprimento do seu dever em seguir os estudiosos. Por outro lado, os leigos não são responsabilizados por aderirem a erros pouco evidentes por parte dos estudiosos, pois não se espera que os leigos tenham as ferramentas acadêmicas que permitam conhecer melhor. Então, se os estudiosos determinam o fiqh de acordo com suas habilidades (sem fugir das suas funções e sem ultrapassar os limites de seu conhecimento), e se os leigos seguem o fiqh previsto por estudiosos respeitados (seguindo a opinião daqueles estudiosos que julgam de mais conhecimento e confiança, e não escarnecendo do processo buscando a opinião que desejam, onde quer que possam encontrá-la), então todo mundo estaria correto no processo, ninguém seria censurado, e todos poderiam estar relaxados, felizes e em paz tanto com sua família na fé, quanto com Allah.
Então, por que não funciona dessa maneira?
Simplesmente porque há zelo religioso exagerado, desacordo e intolerância quando se trata de diferenças no fiqh. Ser rígido e inflexível pode ser bom quando se trata de questões de aquidah (crença), que permitem pouco ou nenhum espaço para divergência, mas as diferenças acadêmicas no fiqh foram reconhecidas, toleradas e respeitadas desde o tempo dos primeiros sábios. Aqueles muçulmanos que não respeitam essas diferenças travam uma batalha contra uma avalanche de mais de mil anos de convivência acadêmica
pacífica, apesar das diferenças no fiqh que desafiam uma resolução. Esses muçulmanos são tipicamente problemáticos, histéricos, intolerantes, rígidos e inflexíveis, e são frequentemente encontrados no centro de qualquer discussão, expressando a opinião mais forte com a mais alta das vozes, o menor conhecimentos e os piores modos. Infelizmente, eles são tão comuns nas Américas, Inglaterra, e Europa Ocidental que são presentes em praticamente todas as mesquitas do mundo ocidental. Tais indivíduos devem ser tratados com cautela, aconselhados e, se necessário, evitados. Às vezes, eles se acalmam e suavizam com o tempo, às vezes não. É uma batalha difícil, que é frequentemente frustrante e muitas vezes perdida. Mas talvez essas pessoas ouvirão o melhor dos conselhos, pois no Alcorão Sagrado é registrado que o servo justo, Luqman, aconselhou seu filho a respeito,
―Ó meu filho! Cumpre a oração e ordena o conveniente e coíbe o reprovável e pacienta quanto ao que te alcança. Por certo, isso é da firmeza indispensável em todas as resoluções. E não voltes, com desdém, teu rosto aos homens, e não andes, com jactância, pela terra. Por certo, Allah não ama a nenhum presunçoso, vanglorioso. E modera teu andar e baixa tua voz. Por certo, a mais reprovável das vozes é a voz dos asnos.‖ (TSA 31:17-19)
Além disso, uma das lutas do convertido é manter uma sensação de paz interior, que pode ser difícil quando opiniões acadêmicas conflitantes distraem da aprendizagem dos fundamentos de fé e prática. No entanto, gostaria de oferecer o conselho que o Islam é a religião do caminho do meio, e quando uma pessoa procura, com sinceridade, o caminho do meio quase sempre pode ser encontrado. O caminho do meio é um caminho de moderação, sobre o qual as gerações anteriores cunharam o ensino, ―moderação em todas as coisas‖. Como se relaciona com a prática do Islam, um melhor provérbio ocidental pode ser difícil de encontrar. Os convertidos devem viver no caminho reto, o do meio do Islam, eu simplesmente aconselharia aos muçulmanos que procurassem os tranquilos, que não sejam intrusivos, que pareçam estar praticando sua religião evitando diplomaticamente os ruidosos e problemáticos membros da comunidade muçulmana. Uma pessoa não errará relembrando as palavras de abertura da Desiderata:
―Vá placidamente por entre o barulho e a pressa e lembre-se que paz pode haver no silêncio. Na medida do possível, sem se render, mantenha boas relações com todas as pessoas. Fale a sua verdade mansa e claramente e escute os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes; Eles também têm sua história.
Evite pessoas barulhentas e agressivas; Elas afligem o espírito...‖
Os sábios, por outro lado, nutrem e aquecem o espírito. Eles podem ser encontrados nos círculos de conhecimento, boas maneiras e boa vontade. Paz e segurança são encontradas em sua presença e ensinamentos.
2.b.) Os Sábios e o Fiqh (Lei Islâmica)
Como discutido acima, todos os grupos que reivindicam a bandeira do Islam, sejam corretos, desviados, ou mesmo completamente fora do Islam, professam seguir o Alcorão e a Sunnah, como interpretados pelos ―sábios‖ (ou ―ulema‖ em árabe). ―Ulema‖ soa tão exótico e autoritário que uma pessoa pode facilmente ser seduzida pelo comentário que, ―Os ulema do Islam ensinam...‖ ou ―Os ulema do Islam dizem...‖ Mas, quem são estes ‗ulema’ elusivos que todo mundo afirma seguir? Obviamente, vários grupos têm igualmente várias opiniões sobre qual o corpo de sábios ou pseudo-sábios constituem o seu conceito de ―ulema‖. Como, então, um convertido à religião saberá quem são os verdadeiros estudiosos, e como discernirá quanto às questões sobre as quais eles diferem?
Inicialmente, deve-se entender que as diferenças acadêmicas sobre elementos secundários do fiqh islâmico devem ser respeitadas e toleradas. Por outro lado, questões que alcançaram o ijma (consenso) dos sábios devem ser confirmadas e não debatidas. Assim, pode haver espaço para o debate educado e a investigação, entre os estudantes do conhecimento e os sábios, sobre questões de divergência acadêmica, mas há pouco ou nenhum espaço para o debate sobre questões que têm alcançado o ijma dos sábios, seja entre os imams das quatro madhhabs (escolas de pensamento jurídico)21 ou entre os respeitados sábios de períodos posteriores na história islâmica. Além disso, aqueles que debatem questões de fiqh sem conhecimento ou formação suficientes devem ser evitados a todo o custo, pois este é o território dos sábios competentes, e apenas sábios qualificados. TSA 4:83 relata,
―E, quando algum assunto de segurança ou medo lhes chega, divulgam-no. E, se eles o levassem ao Mensageiro e às autoridades entre eles, os que o desvendam, por meio desses sabê-lo-iam. E, não fora o favor de Allah para convosco e Sua misericórdia, haveríeis, exceto poucos, seguido a Satã.‖
Então, para começar, os muçulmanos deveriam parar de arriscar sua salvação pela opinião de muçulmanos não qualificados cuja desorientação pode se aproximar à do próprio Shaitan (Satanás). Em segundo lugar, eles deveriam parar de lutar acerca dos problemas pequenos, secundários, os quais 1.400 anos de erudição qualificada não conciliaram, e que não são muito importantes em qualquer caso. Por exemplo, as questões de aquidah (crença) são muito mais importantes do que onde as pessoas colocam seus pés e mãos
21 A maioria dos muçulmanos do mundo seguem uma das quatro madhhabs (Estas madhhabs são conhecidas como Shafi, Hanafi, Hambali, e Maliki, seguindo os nomes dos Imams cujas interpretações das evidências islâmicas formaram a base de cada madhhab).
durante a oração. Da mesma forma, os muçulmanos precisam parar de desafiar as questões, grandes ou pequenas, sobre as quais 1.400 anos de conhecimento concordaram por unanimidade, já que não temos o nível de conhecimento necessário para rivalizar com os grandes sábios do passado, estas questões estão decididas e enterradas.
Em seguida, os muçulmanos devem reconhecer que há aspectos práticos para se aproximarem do conhecimento islâmico. O novo convertido precisa ser direcionado para o caminho correto, o mais cedo do possível, tornando-o confortável, e mais importante, não devemos espantá-los da religião por incessantes e insistentes desacordos. A mudança radical de ponto de vista religioso é uma síndrome comum para o novo convertido, provocada pela confusão do encontro de múltiplos pontos de vista fortes e conflitantes. As mudanças radicais de um extremo a outro do pensamento, muitas vezes cruzando o caminho reto e mediano da moderação, em oscilações senoidais fora de controle e, em grande parte, desprovidas de sentido são assustadoras e confusas, e não apenas para o convertido. Enquanto os novos convertidos podem inicialmente sofrer com a confusão e insegurança de não conseguir encontrar orientação confortável e definitiva, pessoas próximas a eles, ou seja, amigos e familiares preocupados, a quem o novo muçulmano espera alcançar com a dawa (convite) islâmica, podem ser influenciadas negativamente pelo testemunho das fortes oscilações e indecisões do pensamento e prática típicos do convertido ocidental. O novo convertido, eventualmente, toma o controle sobre a religião e amortece as oscilações, mas muitos não o fazem e alguns, desgastados por uma incapacidade de dirigir em linha reta, por assim dizer, deixam o Islam inteiramente.
A aquidah, geralmente, não é o principal problema da confusão para o novo convertido, pois a clareza da aquidah é geralmente a razão para a conversão, em primeiro lugar. A maioria dos novos convertidos entram no Islam como resultado de haver-se dado conta que os simples ensinamentos do Alcorão sobre aquidah e tawhid coincidem com o seu sistema inato de crença. Só mais tarde as diferenças na aquidah, por vezes, se tornam um artigo de estudo, tal como discutido abaixo.
Diferenças no fiqh, no entanto, são usualmente o principal problema da confusão. O novo convertido tem frequentemente a experiência de ir rezar pela primeira vez e ser instruído a alinhar os dedos do pé, colocar as mãos assim, fazer tal e tal com o dedo ao sentar-se, sentar-se de tal e tal maneira, etc. No dia seguinte, algum irmão ou irmã bem intencionado pode observar o novo convertido e se sentir impelido a instrui-lo alinhando seus pés ou tornozelos, segurando as mãos em outro lugar, balançando o dedo em vez de aponta-lo, etc. Depois de algumas rodadas de irmãos ou irmãs bem-intencionados jogando o novo convertido contra as várias paredes do fiqh menor, porém conflitante, alguns convertidos se cansam e desistem,
deixando os irmãos e irmãs bem-intencionados, mas desorientadores, perguntando-se o que fizeram de errado, quando, na verdade, eles simplesmente tinham confundido o convertido com uma sobrecarga de informações conflitantes, afastando-o da mesquita.
Então, qual é o caminho mais seguro e melhor pelo qual os novos muçulmanos podem aprender e praticar sua religião do Islam? A resposta a essa pergunta varia de um ―sábio‖ para outro, mas felizmente oferece apenas algumas possibilidades. Para começar, muitos estudiosos e imams tendem a recomendar livros modernos de jurisprudência islâmica, como Fiqh us-Sunnah, por Sayyid Saabiq, tratados menores de Nasr Ad-Din Al-Albani e outros, e um estudo pessoal das coleções de hadith e tafsir. Outros dirigem o novo muçulmano para livros fundamentais de uma das quatro madhhabs. O Manual of Islam e Reliance of the Traveler de al-Nawawi, ambos traduzidos por Nuh Ha Mim Keller, são as melhores traduções dos livros fundamentais do fiqh Shafi na língua inglesa que este autor conhece, embora ambos carreguem a mácula infeliz da forte influência do Sufismo e aquidah Ashari do tradutor.
Dito isto, todos os livros acima têm seus defensores e antagonistas, e cada indivíduo deve, simplesmente, investigar as várias opiniões, a fim de decidir qual seguir. Inicialmente, isto é. Não é surpreendente que muitos que, primeiramente, embarquem em um caminho de estudo, eventualmente, gravitem em torno de outro. Este processo não é totalmente insalubre, pois as pessoas podem escolher melhor a sua direção depois de pesar todas as opções. Eu sugeriria, no entanto, que grande parte da indecisão inicial e vacilação entre as escolas de pensamento resulta de mal-entendidos quanto aos papéis dos madhhabs e o que é conhecido, em termos atuais, como o movimento Salafi. Muitos consideram estas duas entidades como estando em conflito uma com a outra e, externamente, isso pode parecer verdade. No entanto, quando investigadas, os muçulmanos reconhecem que estas duas escolas de pensamento são, na verdade, complementares, pois os madhhabs foram originalmente desenvolvidos como escolas de fiqh, enquanto o movimento Salafi é um de reforma islâmica. As reformas salafis se concentram, principalmente, na correção desses erros, que tinham crescido para corromper a ummah muçulmana em geral e o sistema de madhhab em específico, com as questões mais importantes sendo:
1) Erros na aquidah, que se tornaram institucionalizados nos madhhabs através da lamentável adoção das aquidahs Ashari e Maturidi; 2) A prática do Sufismo, que não só se tornou fanático e extremista, mas que também se tornou aparente e intimamente ligado aos madhhabs após o período de Abu Haamid Muhammad al-Ghazali (1058-1111 EC);
3) A relativa falta de vontade de estudiosos dos madhhab em modificar o fiqh de sua madhhab ao lhes serem apresentadas evidências de ahadith conflitantes, apesar do mandato religioso de fazê-lo ao deparar-se com uma evidência válida de hadith;22 4) Taqlid, ou obediência cega, por parte dos adeptos de madhhabs; 5) E a infiltração de costumes não-religiosos (incluindo os revividos do período da ignorância) nas práticas da religião islâmica.
O movimento Salafi não é, nunca foi, primordialmente, um movimento de fiqh, e os madhhabs não são, praticamente, senão isso. Então, na verdade, essas duas escolas apoiam e complementam uma à outra. O fiqh dos madhhabs constitui a base sobre a qual a pesquisa moderna do fiqh é amplamente baseada, enquanto a ideologia salafista identifica e corrige esses erros que, ao longo dos séculos, fraudulentamente se infiltraram nas crenças e práticas dos muçulmanos, que, em sua maioria, adere a uma das quatro madhhabs. Assim completa e universal foi a infiltração do Sufismo e também da aquidah Ashari ou Maturidi no mundo dos madhhabs que, com o tempo, chegaram a ser considerados parte integrante nos madhhabs. Isso não reflete o pensamento no período das origens, e o mundo muçulmano deve agradecer aos salafis por identificar e anunciar este fato.
22 Os quatro madhhabs reivindicam possuir uma estrutura dinâmica com provisão para modificação progressiva no fiqh, quando apresentados novos conhecimentos. No entanto, tais mudanças estão em escassa evidência, e é difícil encontrar tais mudanças no fiqh de uma madhhab dominante, dado o que muitos têm argumentado, relativamente, ser prova conclusiva. As seguintes declarações dos imames dos quatro madhhabs são claras: 1. Abu Hanifa – ―Quando o Hadith é autêntico, então, esse é o meu madhhab‖ (Ibn Abidin, Al Hashiyah, p. 1/63) e ―Se eu fizer uma declaração em desacordo com o que está no livro de Allah, ou em desacordo com uma afirmação do Seu Mensageiro, então, abandone a minha declaração.‖ (Al-Fulani, I'qath Al Himam, p. 50) 2. Malik – ―Eu sou apenas um homem; cometo erros e em certas ocasiões acerto. Portanto, analisem minhas opiniões; tudo o que está de acordo com o Livro e a Sunnah, então, tome-o, e tudo o que não está de acordo com eles, então, deixe-o.‖ (Ibn Abd Al Barr, Al Jami, p. 2/32) 3. Shafi – ―Quando o Hadith é autêntico, então, este é o meu madhhab‖ (Al-Nawawi, Al Majmu, p. 1/136); ―Cada problema sobre o qual há uma declaração autêntica narrada a partir do Mensageiro de Allah e que vai contra aquilo o que eu disse, então eu me retrato de minha declaração durante a minha vida e depois dela‖ (Abu Na'im, Al Hilyah, p 9/107.); e ―Qualquer hadith (autêntico) do Profeta, considerem-no como minha opinião, mesmo se não o tenha ouvido de mim‖ (Ibn Abi Hatim, Adab Al Shafi, pp 93-94.); ―Há um consenso entre os muçulmanos que aquele a quem é mostrada a Sunnah do Profeta está proibido de a deixar pela palavra de alguém, não importa quem possa ser essa pessoa.‖ (Al Fulani, Al I'qath Himam, p. 68). 4. Ahmad ibn Hanbal – ―Não me sigam cegamente, nem a Malik, nem a Shafi, nem a Al-Awzafii, nem a Al-Thawri. Em vez disso, sigam o que eles seguiram‖ (Al Fulani, Iqath Al Himam, p. 113).
Tendo dito isso, uma pessoa pode, facilmente, entender o porquê do movimento Salafi e os madhhabs serem frequentemente considerados em desacordo um com o outro. Pois, embora, na verdade, não sejam; na prática, os adeptos dessas diferentes escolas frequentemente falham em separar os problemas. Muitos 'Salafis' ignorantes reflexivamente descartam o fiqh dos madhhabs, jogando fora o bom junto com o mau, por assim dizer, porque não diferenciam entre a importância do fiqh dos madhhabs e os desvios da crença e prática que se associaram com os madhhabs ao longo do tempo. Outros salafis consideram erroneamente as diferenças do fiqh como sendo o principal assunto, quando, na realidade, as principais questões foram as listadas acima. Do outro lado da equação, adeptos dos madhhabs frequentemente veem os salafis com animosidade, porque a ideologia salafista desafia a aquidah e Sufismo que eles têm considerado parte integral de sua madhhab específica. Esta hostilidade é, claro, verdadeira, e sobre estas questões simplesmente há que se tomar partido – a favor ou contra o Sufismo, a favor ou contra a aquidah Ashari ou Maturidi, etc. Vamos reconhecer, no entanto, que não é o fiqh dos madhhabs que está sendo desafiado, senão os erros na aquidah, os desvio do Sufismo, a estagnação no fiqh, a obediência cega por parte dos adeptos, e a adoção de práticas não islâmicas.
O resultado final é que aqueles muçulmanos equilibrados normalmente alinham-se num caminho mediano, entre os extremos, buscando o benefício dentro de ambos os grupos, que, na opinião deste autor, significa reconhecer a excelência do fiqh dos madhhabs por um lado, e o mérito de reformas salafis, por outro.
Esta opinião não é sem precedentes, pois todos os estudiosos que reviveram a ideologia salafi (incluindo Shaikh al-Islam Ibn Taymiyah, Ibn Qayyim al-Jawziyah e Muhammad ibn Abdul-Wahhaab), começaram seus estudos como seguidores de um dos madhhabs tradicionais, aprovaram este meio de estudo, e nunca tentaram derrubar qualquer uma dessas escolas de fiqh. Em vez disso, tentaram reviver os madhhabs, mas, ao mesmo tempo, reformar a forma em que estes eram seguidos. Além disso, nenhum destes estudiosos jamais afirmou ter estabelecido uma nova escola de fiqh, apesar do fato que, dada a sua popularidade e desempenho acadêmico, sem dúvida, poderiam ter pensado nisso, caso fosse apropriado. E, na verdade, em cada ponto da história do milênio passado, a grande maioria dos muçulmanos, leigos e estudiosos (sábios salafis, inclusive), aderiu a um dos quatro madhhabs tradicionais.
Face ao exposto, e considerando que a maioria dos muçulmanos tem-se unido no processo de seguir o fiqh dos madhhabs por mais de mil anos, pode-
se querer recordar o hadith que registra o ensinamento de Muhammad صلى الله عليه وسلم, ―Minha ummah (nação) nunca se unirá em um erro‖23.
Alguns sábios (tipicamente aqueles dos madhhabs) consideram obrigatório para os leigos seguir um madhhab, enquanto outros (tipicamente os do movimento Salafi) não. Qualquer que seja a opinião que se aceite, seria bom notar que, possivelmente, todos os estudiosos, independentemente de sua escola, reconhecem e honram a excelência do fiqh dos quatro madhhabs.
Da mesma forma, os méritos do movimento Salafi são numerosos, e relativamente transparentes. Para começar, se o caminho dos salafis é definido como a via de emulação dos predecessores virtuosos e os melhores desta ummah do Islam, quer dizer, os companheiros de Muhammad صلى الله عليه وسلم (ou seja, os salaf, a partir do qual deriva o nome do movimento), então, os muçulmanos não deveriam aspirar esta realização? Pois qual muçulmano não gostaria de ser como os salaf? Em segundo lugar, se o movimento salafi é definido como um movimento para corrigir os desvios listados acima, não devem todos os muçulmanos aspirar à adesão? O problema, então, é que, em relação ao fiqh, não há um corpo consensual de ensinamentos definidos como o fiqh do movimento salafi. Por outro lado, há muitos livros e tratados, alguns tão curtos quanto panfletos, outros tão volumosos quanto tomos (tais como os ensinamentos e fatwas do Shaikh al-Islam Ibn Taymiyah), que complementam o corpo de literatura do fiqh. E, porque muitos desses livros e tratados estão traduzidos para o idioma inglês (e alguns em outros idiomas), eles estão prontamente disponíveis em tamanhos práticos e são altamente úteis. Entretanto, argumentar que esses livros substituem o fiqh dos quatro madhhabs, no entanto, é uma posição precária e a causa de muita discórdia e divisão entre aqueles que defendem tais temas.
Ambos os grupos, madhhab e salafi, então, têm grande praticidade, uma vez que seus pontos fortes e limitações sejam reconhecidos. É claro, existem aqueles nos limites do extremismo que condenam categoricamente qualquer escola que não seja a sua, mas muçulmanos mais moderados buscam um caminho do meio entre os limites desses extremos, e reconhecem o benefício tanto do fiqh dos madhhabs, quanto das reformas do movimento salafi. E isto é exatamente o que muitos estudiosos salafis têm feito: seguindo os ensinamentos salafis no que diz respeito à aquidah e purificação da alma (o que equivale à rejeição dos ensinamentos derivados das escolas Ashari e Maturidi, no que diz respeito à aquidah, e do Sufismo, no que diz respeito à purificação espiritual, em favor dos ensinamentos claros do Qur'an, da Sunnah, e das primeiras três gerações de muçulmanos piedosos), e um madhhab específico em relação ao fiqh (mas permanecendo consciente à premissa de priorizar as evidências islâmicas acima dos ensinamentos de
23 Tirmidhi (2167), Ibn Majah (3950), Ahmad (17060)
qualquer maddhab específico, quando os dois estão em conflito, evitando assim o erro de se seguir cegamente).
Voltando ao assunto dos livros de fiqh: Fiqh as-Sunnah, por Sayyid Saabiq, é amplamente respeitado (especialmente no Egito) e é um ponto de partida comum para muitos novos convertidos. Fiqh as-Sunnah, no entanto, não está traduzido ao inglês em sua totalidade, e muitos acham-no insatisfatório devido à falta de detalhes. Ademais, alguns questionam as qualificações do autor, e este é um ponto de discórdia.
Como mencionado acima, os únicos livros fundamentais de qualquer um dos madhhabs (no idioma inglês), até esta data, que combina informação bastante compreensível com excelência de tradução são os de Nuh Ha Mim Keller (Manual of Islam e Reliance of the Traveler de Al- Nawawi). E embora Nuh Keller tenha estado sob críticas consideráveis por seus laços com o Sufismo e a promoção da aquidah Ashari, bem como por certos comentários que ele faz nos livros de sua tradução, seus livros são amplamente respeitados pela precisão da tradução. Felizmente, então, os comentários pessoais de Keller são indicados por um pequeno ―n‖ que antecede cada comentário, pois é importante que o leitor seja capaz de diferenciar a tradução, o que é bem respeitado, dos comentários pessoais de Keller, os quais não são. Sua crítica ao Shaikh al-Islam Ibn Taymiyah, em particular, é esperada, dado o fato de que Ibn Taymiyah esteve em guerra com as próprias escolas de aquidah e o Sufismo ao qual Keller adere. As notas de Keller sobre Sufismo e aquidah são igualmente previsíveis e refletem seu preconceito sobre esses assuntos.
Os argumentos a favor ou contra os madhhabs, Salafi vs. aquidah Ashari ou Maturidi, Sayyid Saabiq, Nuh Keller, e até mesmo a favor ou contra a metodologia de tentar derivar novamente o fiqh através da análise pessoal do Alcorão e hadith (disciplina reconhecida pelos sábios como sendo o território exclusivo de estudiosos e acadêmicos) são abundantes e estão disponíveis através de livrarias islâmicas e na internet. Para benefício do leitor, no entanto, vou dizer apenas que uma das mais excelentes investigações sobre os madhhabs é o pequeno artigo, Understanding The Four Madhhabs (Compreendendo os Quatro Madhhabs), por Abdal Hakim Murad (também conhecidos como Abdal Hakim Winter, também conhecido como T. J. Winter), o mais eloquente autor, embora ele próprio seja uma figura controversa. Este artigo também está disponível através de livrarias islâmicas e na internet.
3) A Prática
Uma vez que o convertido abraça o Islam através da proclamação da shahada, os pilares do Islam tornam-se incumbências a ele, como discutido acima. Aprender e aplicar estes pilares se transforma na pedra angular sobre a qual depende a religião da pessoa, e isso é facilitado selecionando e seguindo uma das respeitadas escolas de fiqh do Islam sunita.24 Se alguém se inclina a um dos madhhabs, a regra geral é não considerar qualquer madhhab melhor que os outros, mas considerar os quatro madhhabs equivalentes em excelência, e dedicar-se aos ensinamentos de qualquer madhhab mais facilmente disponível. Para a maioria dos muçulmanos nos Estados Unidos e Inglaterra, o madhhab Shafi prova-se o mais facilmente aprendido, simplesmente porque os livros dos outros madhhabs não foram traduzidos para o idioma inglês com o mesmo grau de excelência.25
Livros promovidos através de sociedades ‗salafis‘ ou de ‗Qur‘an e Sunnah‘ são, geralmente, de valor significativo, pois, frequentemente, apresentam um conteúdo útil, tamanho conveniente, e erudição competente. Muitos outros, porém, apresentam nível acadêmico inferior e refletem mais as opiniões do autor do que a compreensão dos ulema. Portanto, há que se confiar na orientação de Allah e nas recomendações de respeitados irmãos e irmãs na fé, mantendo-se, ao mesmo tempo, tanto seletivo quanto crítico.
Por outro lado, muitos novos convertidos optam por seguir os ensinamentos de qualquer imam ou sábio que esteja à mão, geralmente se trata do imam da mesquita local. Dependendo das pessoas envolvidas, esta pode ou não ser uma fórmula de sucesso, pois a maioria dos imams no ocidente não têm as qualificações acadêmicas, mais do que alguns são corruptos, e muitos são desviados, intencionalmente ou por ignorância. O novo convertido faria bem mantendo isso em mente, e apegando-se aos ensinamentos dos estudiosos tradicionais e respeitados, cuja excelente reputação os precede.
Um erro dolorosamente comum é confiar na opinião de todos e quaisquer muçulmanos ―étnicos‖, ou seja, aqueles nascidos no Islam. Isto pode vir como um choque para os novos convertidos, mas, os muçulmanos ―étnicos‖ no ocidente são, muitas vezes, os piores representantes do Islam. Na realidade, esses muçulmanos frequentemente dão ao Islam um mau nome, e em vez de ajudar os novos convertidos muçulmanos, fazem com que suas vidas, na sua nova religião, sejam confusas ou difíceis. Isto, naturalmente, não ocorre em todos os casos, mas é encontrado com frequência suficiente para justificar sua menção.
24 Sem seguir cegamente, e sem ir aos extremos.
25 Veja os livros de fiqh Shafii anteriormente mencionados, traduzidos por Nuh Ha Mim Keller.
Há muitas razões pelas quais os muçulmanos 'étnicos' estão aquém de ser o melhor dos exemplos, mas não menos importante é o fato de que muitos destes muçulmanos vêm para o ocidente com um propósito, e esse propósito é frequentemente tudo, exceto religião. Para ser sincero, muitos muçulmanos ―étnicos‖ fazem hijra da terra dos muçulmanos para a terra dos incrédulos em busca da dunia (as coisas materiais deste mundo). Estes são muçulmanos que definem a prioridade na dunia sobre a religião, comprometendo uma pela outra, e, assim, não se espera que estejam dentre os melhores representantes do Islam. Na verdade, muitos deixaram a religião do Islam quando cruzaram as fronteiras de seus países, se, para começar, alguma vez foram muçulmanos praticantes. E muitos não foram. Para ser justo, no entanto, alguns indivíduos encontram tais dificuldades que os motivam ao retorno à religião, e uma certa porcentagem destes realmente torna-se melhor do que aqueles muçulmanos que ficaram para trás em suas terras nativas. Mas, no entanto, muitos bons muçulmanos têm emigrado para a América, Inglaterra ou Europa, a fim de escapar da perseguição em sua terra natal, simplesmente porque eram os melhores e mais praticante dos muçulmanos em um país que perseguia muçulmanos praticantes. Assim, a mistura de muçulmanos ―étnico‖ é realmente uma mosaico colorido de perfis religiosos, que vão desde alguns dos piores a alguns dos melhores.
O novo convertido, apenas, não deve esperar que todos sejam santos ou anjos. Apenas uma pequena minoria fracionada chega, de alguma forma, perto de o ser.
Da mesma forma, o novo convertido deve esperar um certo grau de dificuldade ao entrar no Islam. Os convertidos frequentemente confessam que lhes parecia sofrerem testes de fé ao se converter ao Islam, e, muitas vezes, estes testes pareciam envolver aquilo ao qual o convertido dava prioridade na vida antes do Islam. Se uma questão de saúde, riqueza, cônjuges, filhos, ou o que quer que seja, o novo convertido pode esperar ser testado, pois a dificuldade é o teste da sinceridade. Alguns têm êxito, alguns fracassam e, no final, estes testes tendem a separar os que não são sinceros do saudável grupo dos crentes verdadeiros e sinceros.
A boa notícia é que o crente nada sofre no caminho de Allah, sem que Allah o compense, neste mundo ou no seguinte, múltiplas vezes equivalente ao valor de tudo o que foi abandonado por Sua satisfação. Assim, como Muhammad صلى الله عليه وسلم aconselhou aqueles que se converteram na sua época, o convertido dos dias atuais também deve ser aconselhado a esperar e se preparar para as dificuldades pois, como Muhammad صلى الله عليه وسلم relatou, ―A quem Allah deseja o bem, Ele testa-o.‖26 Após esses testes e provações o
26 Bukhari (5321), Malik (1684), Ahmad (7234)
muçulmano pode ter certeza de receber a recompensa por permanecer paciente e firme na verdade, pois Muhammad صلى الله عليه وسلم também ensinou,
―Não há nada que aflija o crente, mesmo a picada de um espinho, exceto o que Allah escreve para ele, por isso, (será registrada como) uma boa obra e removida dele uma má ação.‖27
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